Valor Econômico
Plano de think tank conservador dos EUA está
pavimentando os passos anti-ambientais de Trump
Nos primeiros minutos do debate presidencial de setembro, a candidata democrata Kamala Harris avisou o público: “Hoje vocês ouvirão o mesmo velho e cansado manual, um monte de mentiras, queixas e xingamentos”. Seguiu: “Vão ouvir um plano detalhado e perigoso chamado Projeto 2025, que o ex-presidente pretende implementar se for eleito novamente”. O então candidato republicano Donald Trump apressou-se em refugar a afirmação. “Não tenho nada a ver com o Projeto 2025. Isso está aí. Eu não li. Não quero ler, propositadamente. Não vou ler.” Se Trump não mentiu, alguém em seu governo leu e está seguindo à risca o calhamaço de 922 páginas de sugestões e ações para o próximo presidente republicano. Na área ambiental, o caminho está sendo trilhado passo a passo. É um roteiro para governos anticrise do clima que estão surgindo pelo mundo.
Pelo menos 140 ex-funcionários do governo
Trump e dezenas de aliados escreveram ou contribuíram para o “Mandate for
Leadership”, lançado em 2023 pelo think thank conservador Heritage Foundation.
Inúmeras vezes, durante a campanha, Trump tentou se distanciar do que se
tornaria um manifesto profundamente impopular e poderia afastar os eleitores
menos radicais.
Uma análise feita pela revista “Time” diz que
dois terços das ordens executivas de Trump até 24 de janeiro espelhavam,
inteira ou parcialmente, propostas do documento. A CNN disse que mais de dois
terços das 53 ordens executivas editadas até 31 de janeiro coincidiam com os
passos desenhados no plano de governo conservador.
Em ambiente, isso é notável. A seguir alguns
exemplos e trechos do texto do Projeto 2025:
1. Usaid: “O governo (Biden) incorporou sua
política climática radical em todas as iniciativas da Usaid. Ela se uniu ou
financiou parcerias internacionais dedicadas a promover os objetivos do Acordo
Climático de Paris e apoiou a ideia de dar trilhões de dólares a mais em
transferências de ajuda para ‘reparações climáticas’” (entre aspas no
original). Trump anunciou a suspensão, por 90 dias, dos pagamentos da agência
criada em 1961 para centralizar programas de ajuda estrangeira. A decisão foi
parcialmente suspensa por decisão judicial. A medida de Trump afeta dezenas de
bilhões de dólares em ajuda anual em saúde, ambiente e desenvolvimento. No
Brasil, impacta a parceria com o Ibama para combater incêndios florestais, a
pesca manejada do pirarucu, ações do Conselho Indígena de Roraima. A tarefa de
encolher a agência foi dada ao bilionário Elon Musk.
2. Usaid e Acordo de Paris: “O próximo
governo conservador deve rescindir todas as políticas climáticas de seus
programas de ajuda externa (especificamente a Estratégia Climática da Usaid
para 2022-2030), fechar os escritórios, programas e diretrizes da agência
destinados a promover o Acordo Climático de Paris (...). A próxima
administração conservadora deve retirar os EUA da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas e do Acordo de Paris. Um dos primeiros atos de
Trump foi sair do Acordo de Paris.
3. Alasca: “Restabelecer o plano do
presidente Trump de abrir a maior parte da Reserva Nacional de Petróleo do
Alasca para arrendamento e desenvolvimento”. Em seu primeiro dia no cargo,
Trump assinou uma ordem executiva com foco em “liberar o extraordinário
potencial de recursos do Alasca”.
4. Noaa: “A Administração Nacional
Oceanográfica e Atmosférica (Noaa) deve ser desmantelada e muitas de suas
funções eliminadas, enviadas a outras agências, privatizadas ou colocadas sob o
controle de estados e territórios”. Em curso.
5. EPA: A agência ambiental americana, criada
em 1970 por Richard Nixon, deve “voltar às origens”. Diz o capítulo escrito por
Mandy M. Gunasekara, chefe de equipe da Agência de Proteção Ambiental dos EUA
no primeiro governo Trump: “A EPA tem sido terreno fértil para a expansão do
controle do governo federal em toda a economia. Ativistas têm procurado se
esquivar das restrições legais em busca de uma agenda global com tema
climático, com o objetivo de alcançar essa agenda pela implementação de
políticas caras que, de outro modo, não iriam obter a tração política
necessária no Congresso”. A reforma da EPA está em curso.
6. Terras públicas: Trump nomeou Kathleen
Sgamma, conhecida representante da indústria de petróleo, para dirigir o Bureau
Of Land Management. Ela é conhecida por pedir menos restrições à perfuração em
terras públicas, que hoje produzem 10% do petróleo e gás dos EUA.
7. Petróleo e gás: “O próximo presidente
conservador deve ir além da mera defesa dos interesses energéticos dos EUA e
partir para o ataque, afirmando-os em todo o mundo. As vastas reservas de
petróleo e gás natural dos EUA não são um problema ambiental; são a força vital
do crescimento econômico”, diz o texto. “Um presidente conservador deve (...)
parar a guerra contra o petróleo e o gás natural”. Um dos primeiros atos de
Trump foi declarar os EUA em “emergência nacional energética” - um viés legal
para o mote “drill, baby, drill”.
Muitos dos novos integrantes do governo Trump assinam textos do Projeto 2025. O vice-presidente James David Vance assina o prefácio do novo livro de Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation
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