O Globo
À falta de nomes, cria-se uma disputa
indireta entre Janja e Michele Bolsonaro
Duas mulheres são protagonistas da política
brasileira hoje, e podem representar seus devidos grupos políticos nas próximas
eleições, por mais que esse embate presumível represente o declínio final de
nosso sistema político-partidário. Já previ aqui, com toques de ironia, que do
jeito que a coisa vai a próxima eleição para presidente da República pode se
dar entre Michele Bolsonaro, ex-primeira dama, e Janja da Silva, a atual, e
volta e meia elas estão nos noticiários políticos.
Janja é a bola da vez da oposição, diz Lula, acrescentando que os palpites da primeira-dama o ajudam a governar. Tornou-se fato corriqueiro a queixa de aliados do presidente contra a primeira-dama, que estaria cerceando a atividade política de Lula em benefício de uma restrita agenda doméstica. Já há pelo menos um ponto favorável a Janja nessa metade de governo: foi dela que partiu a advertência de que não deveriam convocar os militares para uma ação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) naquele 8 de janeiro de 2023, sob o risco de os militares tomarem conta do Poder. Vê-se agora que era justamente esta a última cartada dos golpistas, criar um ambiente de revolta popular que fosse o gatilho para a ação militar. Janja demonstrou naquela ocasião um faro político afiado.
Provavelmente há muito de intriga palaciana e
de ciúmes contra Janja, mas há também uma irrefreável vaidade quando se trata
de alguém que não está acostumada a uma vida tão instagramável e se vê na
possibilidade de fazer quase tudo, até sair na foto com o presidente dos
Estados Unidos. A carta que o advogado Kakay escreveu criticando a atuação de
Lula nessa primeira parte de seu governo tem um sujeito oculto que quase todos
identificam como a primeira-dama.
É claro que, quando alguém novata na política
como a primeira-dama Janja assume um papel de protagonista no mandato do
marido, os ciúmes políticos afloram. Saíram os conselheiros históricos do PT da
primeira geração, muitos alijados da vida pública por terem se envolvido em
ações de corrupção, e entraram novos agentes que vêem seus espaços
obstaculizados pela ação dessa mulher, que de militante política de segundo
escalão passou a ser a principal conselheira presidencial. Ao mesmo tempo que
cuida da saúde do presidente, lhe dá conforto e ajuda a aplacar a solidão do
poder. Já tivemos esse tipo de política na América do Sul, com Evita e
Isabelita, ambas mulheres do líder argentino Peron.
Já Michele Bolsonaro teve um papel muito mais
relevante no governo de seu marido Jair do que se supunha. Hoje aparece em
algumas pesquisas empatada tecnicamente com o presidente Lula, mas à frente das
preferências. Já mostrou ser uma líder política mais desenvolta do que a
própria Janja, que prefere trabalhar nos bastidores, mas já tem se atrevido a
falas mais contundentes, como aquela em que mandou Elon Musk “se ferrar” antes
mesmo de ele despontar como a figura de destaque do novo governo de Donald Trump.
À falta de nomes, cria-se uma disputa
indireta entre as primeiras-damas dos dois. A primeira-dama Janja, virou figura
nacional. Participa de reuniões ministeriais, sai em fotos oficiais de
encontros presidenciais. Até a Águia da Portela ela revelou, um dos maiores
segredos do Carnaval, tendo que apagar o tuíte após protestos dos sambistas.
Confessou em entrevista ao “Fantástico” que suas inspirações são Evita Perón e
Michelle Obama, duas primeiras-damas de ações distintas. A esdrúxula situação
de aparecer entre Lula e Biden em foto na Casa Branca virou meme.
A ex, Michelle Bolsonaro, assumiu um papel
político no PL, comparece a reuniões do partido, já tem missão de viajar pelo
país com salário oficial. Sua popularidade entre o eleitorado evangélico é um
trunfo. Bolsonaro já está enciumado. Sinais dos tempos.
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