O Globo
As dúvidas geradas por Donald Trump paralisam
as decisões econômicas. E isso pode levar à recessão
A incerteza é mais forte que a política monetária e a política fiscal para reduzir o ritmo de atividade. Subir juros e cortar gastos têm menos efeito do que a incerteza gerada diariamente pelo governo de Donald Trump. Isso está produzindo queda de investimento e de atividade econômica nos Estados Unidos. O cenário de recessão americana não é considerado o mais provável, mas o fato é que as tarifas, mesmo não estando em vigor, já surtem efeito econômico. Foi o que me disseram dois economistas que ouvi ontem, no governo e no mercado financeiro. Diante disso, o que o Brasil pode fazer? "Não criar mais ruído. A hora é de não aprontar confusão, porque o mundo ficou mais complicado”, me disse um deles.
O
dólar subiu ontem diante do real e de outras 27 moedas. É a
volatilidade que impressiona. No último trimestre do ano passado, o real se
desvalorizou em 14% e este ano se valorizou em 6%. Gangorra. Há percepção
negativa sobre algumas políticas da gestão Lula,
ou temores sobre mudanças de rumo, mas há principalmente um mar de dúvida em
relação ao governo Trump. E isso nos afeta.
A incerteza tem impacto econômico porque ela
produz paralisia decisória. Investimentos que seriam feitos, não são feitos,
empregos não são gerados, impostos não são recolhidos, atividade econômica não
acontece. Essa é a realidade hoje em um mundo em que o governante da maior
economia é um fator diário de turbulência.
Donald Trump criou um enredo para as taxas
que, mesmo não estando em vigor para o México e o Canadá, pairam sobre as
decisões empresariais e afetam relações políticas. O
primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, decidiu elevar em 25% o custo da
energia que fornece para Minnesota, Michigan e Nova York. O custo da
energia pode ser pouco afetado, porque há outros fornecedores competindo no
mercado à vista, contudo aumenta a animosidade.
No Brasil, as análises feitas tanto no
mercado financeiro, quanto na área econômica mostram que tudo ficou mais
difícil porque “o sistema de governança do país pifou”. Em outras palavras: o
governo distribui cargos para os partidos, mas isso não se transforma em apoio
na agenda. Os parlamentares têm liberdade sobre o Orçamento, porém não têm
responsabilidade. O governo tem que fazer superávit, mas não pode cortar gasto
tributário, nem pode aumentar impostos.
No Banco Central, o que se espera é que, no
Brasil, apesar da alta das taxas de juros, haja “uma desaceleração ordenada,
compatível com o nível de restrição da política monetária e com a desaceleração
fiscal”. Ou seja, o país vai diminuir o crescimento, mas não vai entrar em
recessão. Há um outro fator que parecia uma desvantagem e pode ajudar agora. O
país não foi bem-sucedido em se integrar às novas cadeias produtivas,
reorganizadas depois da pandemia. Desta forma, a crise das tarifas nos atingirá
apenas setorialmente.
Para o Brasil, que sediará a COP 30, o
governo Trump é um fator altamente desestabilizador. Ontem, na primeira carta
que divulgou como presidente da Conferência das Partes, o
embaixador brasileiro André Corrêa do Lago não mencionou o seu maior
problema: a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Mas a situação será
ainda mais constrangedora, porque o governo norte-americano participará da
COP30. Após o anúncio de saída, o país permanece por mais um ano. Isso
significa que um representante de Trump, já fora do acordo, pode estar em
Belém.
Na carta, Corrêa do Lago lembra a dimensão
econômica do risco ambiental. “O Conselho de Estabilidade Financeira — a
organização internacional que monitora e recomenda políticas para o sistema
financeiro global —informou em janeiro passado que os choques climáticos podem
ameaçar a estabilidade financeira do mundo”, escreveu o embaixador. Além de
todos os riscos que a mudança do clima representa, é também uma ameaça
financeira.
O governo Trump produz incerteza na economia,
nos rumos da geopolítica, nos debates sobre o combate às mudanças climáticas.
Em ambiente assim tão deteriorado, o melhor seria não ter dúvidas internas. Mas
há. O governo, na busca de melhores níveis de popularidade, pode tomar decisões
para reativar a economia que o Banco Central tenta desaquecer de forma ordenada
para garantir a queda da inflação. No
mundo e no Brasil, o que há é muita incerteza.
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