Folha de S. Paulo
Os que hoje gritam cinicamente por liberdade
de expressão querem usá-la justamente para suprimi-la
O principal canal de Donald Trump para disseminar mentiras chama-se Truth Social —Confederação da Verdade ou algo assim. É a rede social fundada por ele em 2021, destinada a disparar textos, posts e arquivos para os lorpas americanos. Mas, se a extrema direita acha que essa tática de fazer da mentira a verdade é de sua invenção, engana-se. Foi usada com grande sucesso pela União Soviética de 1917 a 1991, através de seu jornal oficial, Pravda, editado pelo Partido Comunista com a função de encobrir os crimes do Estado. Pravda, em português, quer dizer verdade.
Em "1984",
romance de George
Orwell, a mentira era também a especialidade do Ministério da Verdade,
órgão dedicado a "corrigir" periodicamente a história, falsificando
informações e convertendo antigos heróis em inimigos do regime. Seu slogan era
"Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente
controla o passado". Seu modelo era o mesmo Pravda, que apagava das fotos
os velhos revolucionários que tinham se voltado contra Stálin.
Outra tática dos comunistas era inverter o
sentido de certas palavras. Os países-satélites da URSS no Leste Europeu,
tristes ditaduras subjugadas a Moscou, eram chamados de repúblicas
"populares" ou "democráticas". O povo a que elas se
referiam era o Comitê Central do Partido Comunista local, que supostamente o
representava. Da mesma forma, na Alemanha, o nazismo era uma abreviatura de
"nacional-socialismo". Não tinha nada de socialista, mas a palavra
ajudou-o a consolidar-se.
Corromper palavras é típico dos autoritários
de qualquer cor política. Bolsonaro e
seus esbirros, adeptos da ditadura militar que asfixiou o Brasil por 21 anos,
têm o cinismo de gritar por "liberdade de expressão" —liberdade que
querem usar justamente para suprimi-la se voltarem ao poder. É o mesmo cinismo
com que dizem "o Brasil acima de tudo" enquanto municiam Trump para
afrontar a soberania brasileira.
O perigo não está só na mentira, mas, pior
ainda, na mentira como verdade.
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