domingo, 9 de março de 2025

Defesa no ataque - Bernardo Mello Franco

O Globo

Em entrevista recente, Jair Bolsonaro admitiu que deve ser condenado, disse que teme morrer na cadeia e comparou a Primeira Turma do Supremo a uma “câmara de gás”. O desespero ajuda a entender as cambalhotas de sua defesa na Corte.

Antes de se manifestar sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República, o capitão apresentou uma extensa lista de pedidos. Queria anular a delação de seu ajudante de ordens e afastar três dos cinco ministros que devem julgá-lo.

O advogado de Bolsonaro sustentou que Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin deveriam ser declarados impedidos. Na véspera do carnaval, o ministro Luís Roberto Barroso frustrou a manobra por falta de amparo na lei.

Nesta quinta, Bolsonaro apresentou a resposta preliminar à denúncia da PGR. O texto mostra que sua defesa optou pelo ataque. Em 129 páginas, dispara contra a Polícia Federal, o Ministério Público e o tenente-coronel Mauro Cid.

O documento acusa a PF de promover “pescaria probatória” contra o ex-presidente. Classifica a denúncia da PGR como uma “peça de ficção”. Chama Cid, que Bolsonaro dizia tratar como um filho, de mentiroso e “duvidoso delator”.

Num surto de lucidez, o capitão substituiu o espalhafatoso Frederick Wassef por uma tropa de medalhões da advocacia, chefiada pelo criminalista Celso Villardi. A troca elevou o nível da conversa, mas produziu situações curiosas.

Para cortejar o Supremo, a defesa elogiou um voto “impecável” de Edson Fachin e exaltou uma “inesquecível lição” de Celso de Mello. Bolsonaro já abriu fogo contra os dois ministros. Ameaçou descumprir decisões do ex-decano e acusou Fachin de favorecer “o narcotráfico e a bandidagem”.

Em outro trecho, os advogados descrevem o capitão como um democrata que respeita a lei e as instituições. Acrescentam que ele “aceitou sua derrota eleitoral” e “conclamou seus apoiadores a aceitar a transição para o novo governo de forma pacífica”.

As palavras soam bonito, mas não correspondem aos fatos. Na vida real, Bolsonaro questionou o resultado das urnas, tentou deflagrar um golpe de Estado e abandonou o país antes do fim do mandato para não entregar a faixa ao sucessor.

A lista de Jair

O capitão pediu que o Supremo ouça 13 testemunhas antes de julgá-lo. A lista inclui bolsonaristas de carteirinha como o senador Ciro Nogueira e o deputado Eduardo Pazuello (“um manda, outro obedece”).

A defesa também arrolou o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior. Das duas, uma: ou Bolsonaro não tem medo do perigo ou tem motivos para acreditar que será protegido por quem pode incriminá-lo.

Num descuido dos advogados, a lista de testemunhas cita um certo “senador Gilson Machado”. O sanfoneiro sonha com um mandato eletivo, mas perdeu as duas eleições que disputou: para o Senado, em 2022, e para a Prefeitura do Recife, em 2024.

 

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