Folha de S. Paulo
Não basta que as forças ora no poder cumpram
o compromisso de reparar os danos feitos pela extrema direita
Ao se despedir da vida pública em 2024, o
octagenário Ricardo Lagos, político socialista que presidiu o Chile entre
2000 e 2006, conclamou seus conterrâneos a perseguir novos sonhos. Àquela
altura, já se desfizera a Concertação de Partidos pela Democracia,
frente que liderara a consolidação do sistema representativo, depois
de 17 anos de ditadura, e alçara Lagos ao La Moneda. Da mesma forma, seu
PPD (Partido pela Democracia), que desempenhara papel essencial na transição,
caminhava para a irrelevância.
Mais de uma vez, com certo fatalismo, ele explicou a mudança política que o atingia —e aos seus companheiros— como o resultado natural da vida política democrática: conquistas sociais geravam novas demandas —"novos sonhos", dizia— que as lideranças estabelecidas, por progressistas que fossem, nem sempre conseguiam discernir ou encarnar.
A observação de Lagos ajuda a enquadrar os
problemas atuais do PT e do seu governo. Na festa dos 45 anos do
partido do presidente Lula, as comemorações do passado prevaleceram sobre as
propostas para o futuro. Só mais do mesmo no recente
rearranjo ministerial, na página PT – Partido dos Trabalhadores no Youtube,
e nas postagens no perfil Lulaoficial, que registra a agenda do presidente no
Instagram, agora sob a administração do ministro Sidônio Palmeira. Também os
intelectuais do partido, outrora importantes no debate público, parecem
recolhidos ao conforto de suas bolhas, onde o entrechoque de ideias —de onde
nasce o novo— é mercadoria e escassa.
Despertados pelo choque das pesquisas que
captam os humores dos brasileiros, o chefe de governo e os líderes de sua
legenda enfim reconheceram que a sociedade mudou e que é preciso dar respostas
inovadoras a suas demandas. Não basta que as forças ora no poder cumpram o
compromisso de reparar os danos infligidos ao país durante a destrutiva
passagem da extrema direita pelo Planalto.
Até agora, porém, as propostas, além de
raras, parecem insuficientes para dar rumo claro ao governo. Tudo indica que a
sua principal aposta é conquistar os cidadãos-eleitores pelo bolso, com
benefícios econômicos —cuja viabilidade fiscal falta comprovar—, como a
expansão do crédito consignado aos trabalhadores do setor privado e a isenção
do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5.000. Se acompanhada de
medidas que redistribuam de forma mais justa os tributos sobre os ganhos, a
segunda medida representaria inegável avanço.
Mas ficam de fora outros desafios igualmente
importantes para dar feição política definida ao compromisso dos progressistas
com a equidade, neste novo século. Enfrentá-los requer lidar com a questão
—nada trivial— da eficiência do Estado no provimento de saúde, educação e
segurança para os cidadãos; em encontrar regras que protejam os que trabalham,
levando em conta a diversidade das situações de emprego; e, por último, mas não
menos importante, mostrar como a garantia das franquias básicas —a começar da
liberdade de expressão— e o respeito às regras da democracia condicionam tudo
mais.
Se a esquerda só tiver um belo passado pela
frente, em lugar de sonhos, o país mais uma vez viverá o pesadelo da volta ao
governo da direita tacanha e primitiva.
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