quarta-feira, 19 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Reforma do IR fica aquém de corrigir injustiças

O Globo

Proposta do governo traz avanço, mas não enfrenta regimes especiais que geram as maiores distorções

O projeto de reforma do Imposto de Renda (IR) enviado pelo governo ao Congresso parte de um diagnóstico correto: o regime tributário brasileiro é repleto de distorções. Quem está nas faixas de renda mais baixas acaba, proporcionalmente, pagando mais imposto — no jargão técnico, o IR é “regressivo”. Ao elevar o limite de isenção de R$ 2.824 para R$ 5 mil por mês e ao reduzir alíquotas para quem ganha até R$ 7 mil, o governo procura reparar essa injustiça e cumprir uma promessa de campanha que deve beneficiar 10 milhões de contribuintes. A reforma proposta representa sem dúvida um avanço, mas fica aquém de corrigir as distorções que tornam injustos os impostos brasileiros, além de ter efeito fiscal incerto.

É meritória a tentativa de tornar a cobrança de impostos no Brasil menos regressiva. Os contribuintes de renda mais alta hoje pagam taxas menores. A alíquota efetiva (percentual calculado depois de todos os descontos permitidos na declaração) sobe de acordo com o rendimento até chegar ao topo da pirâmide. A partir dos 5% que mais ganham, começa a cair. Isso acontece por diferentes motivos. A maior distorção: os rendimentos de quem ganha mais costumam ser recebidos na forma de dividendos, pagos por empresas que se valem de regimes especiais de tributação, como Simples ou Lucro Presumido. Tal mecanismo beneficia médicos, advogados, profissionais liberais e contratados como pessoa jurídica.

A proposta do governo tenta taxar dividendos e outros rendimentos hoje isentos para cobrir o que deixará de receber com isenção e redução de alíquotas — um buraco estimado em R$ 27 bilhões. Faz isso por meio de um mecanismo engenhoso. Os 141 mil contribuintes que ganham acima de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil mensais) deverão pagar uma alíquota efetiva mínima. Ela subirá gradativamente, até chegar a 10% para quem recebe R$ 1,2 milhão ou mais.

A explicação da isenção para os dividendos distribuídos por empresas a seus sócios está na alíquota paga pelas próprias empresas, ao redor de 34% — uma das mais altas do mundo. Se apenas taxasse os dividendos, o governo ampliaria a carga total de impostos que pesa sobre o investidor, criando um desincentivo a quem aposta seu capital no Brasil. Para evitar isso, a solução encontrada foi determinar um teto para os tributos. Se a soma do que a empresa recolher em impostos com o que o sócio pagar de IR for maior que 34%, a diferença será devolvida.

Apesar da cautela, a proposta do governo ainda padece de deficiências. Há dúvidas sobre como será posta em prática. E persiste, além disso, a distorção criada pelos regimes especiais. Não houve preocupação em criar uma situação de neutralidade tributária, em que as alíquotas dos diferentes regimes deixariam de criar distorções. É verdade que uma reforma no Simples ou no Lucro Presumido enfrentaria resistência no Congresso e teria alto custo político para o governo. Mas a saída escolhida não deixa de ser um remendo.

Na análise que o Congresso fará do projeto, duas balizas são essenciais. A primeira é não sobretaxar os empresários, que já pagam uma das maiores alíquotas corporativas do mundo. A segunda é não criar exceções que desfigurem a proposta e aumentem seu risco fiscal. A situação das contas públicas é grave e não permite barbeiragens.

Domínio sobre sinal de internet revela poder alarmante do crime organizado

O Globo

No Ceará e no Rio, facções intimidam quem se recusa a pagar taxas ilegais ou a contratar provedores do tráfico

É alarmante a desfaçatez com que o crime organizado tem se apoderado dos serviços públicos. No Ceará, provedores de internet que se recusam a pagar as taxas ilegais cobradas pelas quadrilhas são intimidados com sabotagem, rompimento de cabos de fibra óptica, tiros, queima de veículos ou destruição de equipamentos e instalações. Os ataques não cessaram nem mesmo depois da operação deflagrada pela Polícia Civil na semana passada, mirando integrantes do Comando Vermelho (CV), facção fluminense que atua também no estado.

No próprio Rio, as concessionárias têm dificuldades para entrar em comunidades dominadas por traficantes e milicianos para instalar serviços ou repará-los. No Complexo de Israel, conjunto de favelas na Zona Norte dominado pela facção Terceiro Comando Puro (TCP), ao menos sete suspeitos ligados ao traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, foram presos acusados de impor aos moradores o uso de internet e streaming do tráfico.

O monopólio sobre sinal de internet e a cobrança de taxas sobre serviços essenciais nas comunidades foram implantados por milícias, mas acabaram copiados também pelos traficantes, por permitir a capitalização rápida das quadrilhas. Ao longo do tempo, os negócios ilegais foram se diversificando. As organizações criminosas já lucram mais com atividades como venda ilegal de combustíveis, ouro, contrabando de cigarros e bebidas do que propriamente com o comércio de drogas, revelou estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os episódios que se espalham pelo país expõem a situação de anomia na segurança pública. Não se pode admitir, num Estado de Direito, que traficantes ou milicianos determinem as empresas autorizadas a operar num território específico, muito menos permitir o monopólio do crime sobre serviços. Aos moradores, não resta muita saída. As empresas formais, quando não são expulsas, como aconteceu no Complexo de Israel, se retiram por falta de respaldo do Estado. E os consumidores são obrigados a contratar os serviços clandestinos.

O crescente poder das organizações criminosas impõe reação mais firme do Estado. Mais do que nunca, o governo federal precisa se engajar na luta ao lado dos estados, ou a situação não se resolverá. É verdade que o Ministério da Justiça e Segurança Pública elaborou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para combater o crime organizado prevendo maior participação federal e integração entre todas as forças da lei. Mas lá se vão quase dois anos e meio de mandato, e o tema ainda está em discussão no governo, além de enfrentar resistências no Congresso. Boas intenções não bastam para resolver problema tão grave e complexo, hoje uma das maiores preocupações dos brasileiros. É preciso agir logo.

Com medidas recentes, Lula mira classe média para eleição

Valor Econômico

O sinal dado é o de que o governo estará aberto a propostas que possam lhe trazer vantagens políticas

O presidente Lula parece ter enveredado decididamente pelo caminho populista para tentar se reeleger, depois que uma queda forte na avaliação de seu governo e em sua popularidade colocou um enorme ponto de interrogação sobre 2026. A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que precisa ser aprovada pelo Congresso, entrará em vigor no ano eleitoral e é uma de suas principais armas para reconquistar seu eleitorado, que começou a mostrar descontentamento com os rumos da economia e com a gestão petista. Mas a usina de bondades do Planalto não se restringe à isenção do IR.

No dia 6 de março, o presidente assinou uma medida provisória incluindo entre os objetivos da destinação de recursos do Fundo Pré-Sal a infraestrutura social e mudanças climáticas. O objetivo ficou claro agora, quando o governo cogita indiretamente usar R$ 15 bilhões para poder criar mais uma faixa de renda no programa Minha Casa Minha Vida para a faixa entre R$ 8 mil e R$ 12 mil (O Globo, ontem). As verbas desse fundo seriam destinadas às três faixas existentes do programa, economizando dinheiro do FGTS, que custeia as Faixas 2 e 3, para contemplar a nova faixa de renda.

Nesse ponto, o governo deixa para trás o discurso social e passa a cortejar eleitoralmente a classe média, com provável custo para o Tesouro. Abandona a focalização nas camadas mais pobres e abre um precedente para estender a ação do Estado aonde seus interesses eleitorais estarão em jogo. Todos os financiamentos do Minha Casa Minha Vida têm juros subsidiados. Não faria sentido ampliar a faixa de renda do programa se não fosse para estender alguma vantagem paga pelo Tesouro. O governo ainda não tomou a decisão sobre o modelo, o que só deve ocorrer, se ocorrer, depois da viagem de Lula ao Japão.

Além disso, o presidente parece preso no túnel do tempo, imaginando que os financiamentos habitacionais ainda são praticamente monopólio da Caixa Econômica Federal. Todos os bancos privados ingressaram no setor habitacional e criaram instrumentos para o funding que lhes permitiram concorrer com os estatais praticamente em pé de igualdade. O financiamento pelo SBPE, com recursos da poupança, tem juros equivalentes aos financiamentos privados, algo em torno de 12% ao ano mais TR (hoje perto de zero).

Até agora o governo ainda não encontrou dinheiro no orçamento para custear outros dois programas, o auxílio gás e o Pé de Meia. Lula estendeu a gratuidade do gás de cozinha aos 20 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único. Lula prometeu o “tudo de graça” a um custo inicial de pelo menos R$ 3,5 bilhões.

Desde novembro, quando os mercados viveram turbulências e o dólar disparou, diante de um pacote de gastos que era para ser forte e foi acompanhado de benesses fiscais, como a isenção de IR para até R$ 5 mil, o Planalto sinalizou que novas medidas de ajuste não estavam em seu horizonte. O sinal político dado é o de que o governo estará aberto a propostas que possam lhe trazer vantagens políticas. Circula no Executivo a proposta de aumentar os limites de empréstimos dos bancos estatais e regionais para Estados e municípios. Eles podem emprestar até 45% de seu patrimônio de referência e estão perto disso. Estados e municípios elevaram muitos seus gastos, a ponto de no terceiro trimestre de 2024 terem ultrapassado os da própria União, auxiliando a impulsionar a economia, intenção do Planalto.

O timing eleitoral está expulsando o timing econômico que poderia ordenar as medidas do governo. Com juros reais perto de 10%, em alta, o BC tenta esfriar a economia, tarefa para a qual precisa necessariamente de auxílio da política fiscal. Mas o presidente Lula só pensa em expandir gastos, créditos e programas para dar mais fôlego à economia, que cresce acima de seu potencial. A isenção de IR anunciada ontem tornará disponíveis R$ 27 bilhões para gastos. Segundo o Ministério da Fazenda, 65% dos cerca de 26 milhões que declaram IRPF serão totalmente isentos. E 90% dos que pagam IR (90 milhões de pessoas) terão isenção total ou parcial. O projeto também prevê uma alíquota de Imposto de Renda Retido na Fonte para quem receber dividendos de empresas, com direito a restituição se a empresa tiver pago o imposto corporativo de 34%.

Eleitoralmente, o governo junta medidas que poderiam ser separadas. Os ricos que pagam pouco imposto deveriam pagar mais, uma questão de justiça tributária. Disso não decorre a isenção massiva do imposto para pessoas físicas. Seria possível ter ganhos com racionalização, fazendo uma correção honesta da tabela do IRPF, que os governos petistas não fizeram, e uma mudança nas alíquotas, eliminando absurdos como taxação máxima de 27,5% para quem ganha R$ 5 mil, por exemplo, e até criando alíquotas maiores para faixas mais altas de salários.

Os tributaristas recomendam que se taxe mais a renda que o consumo, e no Brasil, até a reforma tributária, tem se dado o contrário. O governo Lula entendeu a receita de forma muito peculiar, abolindo o pagamento de imposto sobre a renda da imensa maioria da população, em um país onde 40% da força trabalhadora é informal e programas especiais, como Simples, subtributam milhões de pessoas com boa capacidade contributiva. O governo ignora conscientemente a fragilidade fiscal do país.

Ucrânia e Gaza mostram duas faces da política de Trump

Folha de S. Paulo

Americano é pacificador na Europa, já no Oriente Médio apoia rompimento do cessar-fogo; em comum, aliados autoritários

Em um desses caprichos do processo histórico, esta terça-feira (18) pode ficar marcada como um dia em que o americano Donald Trump exibiu suas contradições interferindo nos dois principais conflitos em curso no mundo.

Na Guerra da Ucrâniao presidente republicano seguiu o roteiro de recompensar a Rússia de Vladimir Putin e conversou com o líder autocrata ao telefone.

Na teoria, deveria convencê-lo a aceitar um cessar-fogo de 30 dias já acatado pela Ucrânia, em nome do início das conversas de paz. Obteve anuência para pausa temporária no bombardeio mútuo à infraestrutura energética e civil dos beligerantes.

Se a implementação do entendimento confirmar as impressões iniciais, será um avanço ante a carnificina e a destruição do conflito, que completava 1.119 dias enquanto os líderes americano e russo debatiam também itens da agenda comum, de projetos econômicos a um jogo de hóquei sobre o gelo entre seus países.

Não será simples. Ataques de lado a lado seguem intensos, e enquanto Trump postava suas platitudes sobre o telefonema, explosões eram ouvidas em Kiev.

Ainda que tenha deixado a Europa de lado por ora, provavelmente para reengajar-se com o continente em negociações posteriores envolvendo Putin, o republicano posa de pacificador e tem uma chance razoável de vender a imagem a sua base.

Como ela irá reagir à outra face de sua política externa, aquela que se volta de forma agressiva ao Oriente Médio, é incerto. O mandatário fez carreira pregando o isolacionismo americano e o fim do que chamava de guerras estúpidas —a seu tempo, os declinantes morticínios no Iraque, na Síria e no Afeganistão.

Agora, mudou novamente a chave. No fim de semana, determinou o "fogo do inferno" sobre os rebeldes houthis do Iêmen, grupo associado ao Irã que participa da conflagração disparada por seus aliados do Hamas palestino em outubro de 2023.

Forças americanas no mar Vermelho lançaram bombardeios contra os iemenitas —no pano de fundo, está a animosidade entre Washington e Teerã.

Seja como for, desta vez foram os houthis que acabaram levados a deixar a trégua que observavam nas operações, acompanhando o cessar-fogo entre o Estado judeu e os terroristas palestinos da Faixa de Gaza desde o fim de janeiro.

Também nesta terça, Trump concedeu o endosso público ao colapso desse arranjo, apoiando a decisão de Tel Aviv de retomar o bombardeio intenso a Gaza.

A motivação —o fato de que o Hamas protela a libertação dos reféns tomados— traz consigo o risco de essas vítimas acabarem perecendo. Agora, disse o premiê Binyamin Netanyahu, as conversas só ocorrerão "sob fogo".

Trump já havia sugerido tornar Gaza um resort. Ali mostra hoje sua face belicosa, em aparente contraste com a benevolente na Europa. Como denominador comum, dois aliados autoritários.

Quanto mais câmeras em fardas da PM, melhor

Folha de S. Paulo

Alta adesão de estados a programa federal sinaliza interesse por tecnologia que ajuda a reduzir letalidade policial

Vinte estados e o Distrito Federal pediram adesão ao Projeto Nacional de Câmeras Corporais do Ministério da Justiça para adquirir 52.558 equipamentos a serem usados em uniformes de agentes da Polícia Militar.

O movimento é bem-vindo, dado que ainda é tímido o número de estados que instituíram a tecnologia —até o ano passado, eram pelo menos nove.

A pasta conduzirá a licitação com uma ata nacional de registro de preços, e os governos poderão realizar os contratos diretamente, sem necessidade de um novo certame. O objetivo é agilizar compras e reduzir custos.

Em maio do ano passado, o ministério estabeleceu 16 circunstâncias nas quais as câmeras corporais devem estar obrigatoriamente acionadas, como operações policiais, atuações ostensivas e contatos com presos.

As regras valem para as forças federais; as estaduais devem segui-las como critério para receberem recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para os equipamentos. Já a adesão ao pregão não é condição para obter verbas federais.

São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso são as unidades federativas que ainda não manifestaram interesse no projeto.

No começo do mandato, o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) se opôs à política, instituída em 2021. Mas, no fim do ano passado, após uma sequência de casos de abuso da força policial, declarou que estava "completamente errado".

Segundo plataforma do Ministério da Justiça, o número de mortes por intervenção policial no estado subiu 61% em 2024, de 504 em 2023 para 813.

De 2015 para cá, a letalidade policial no Brasil quase triplicou, de 2.334 para 6.135 casos. Tal violência não segue ideologia. A Bahia governada pelo PT detém a liderança nefasta com 1.557 mortes em 2024, seguida por São Paulo, cuja população é muito maior.

Levantamentos nas localidade que implantaram as câmeras mostram redução de óbitos causados por PMs. Na Bahia, por exemplo, anos de trajetória ascendente foram interrompidos com a queda de 8,5% no ano passado —quando os dispositivos foram adotados no estado.

A tecnologia não é panaceia. Precisa ser acompanhada por protocolos de uso, treinamento dos agentes e fortalecimento de órgãos internos e externos de controle. De todo modo, é ferramenta poderosa para conter abusos de uma das polícias mais violentas do mundo. Qualquer iniciativa no intuito de expandi-la só trará benefícios à população.

A missão quase impossível de Tarcísio

O Estado de S. Paulo

Ao participar do ato pela anistia aos golpistas, o favorito para herdar os votos de Bolsonaro tenta equilibrar-se entre ser leal ao padrinho liberticida e ser um genuíno democrata

É do ex-governador Leonel Brizola a máxima segundo a qual a política e o poder amam a traição, mas é uma questão de tempo passarem a abominar o traidor. Não parece improvável que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tenha isso em mente ao tentar equilibrar-se entre agradar ao seu padrinho, Jair Bolsonaro, e, ao mesmo tempo, apresentar-se como moderado, democrata e, embora negue publicamente, possível candidato à Presidência em 2026. Esse equilíbrio é fruto de um evidente cálculo político que, tão astuto quanto arriscado, o levou ao palanque de Bolsonaro no domingo passado – convocado pelo ex-presidente para defender um projeto de lei de “anistia” a golpistas que, na prática, o livraria da cadeia e o reabilitaria para disputar a Presidência.

Se é verdade que o ato mostrou que o projeto para favorecer Bolsonaro não é exatamente uma causa popular, também é verdade que reforçou uma convicção sobre Tarcísio: o governador vai até o fim no apoio ao ex-presidente. O cálculo tem sua lógica: como Bolsonaro já está inelegível e provavelmente será condenado e muito possivelmente preso, é muito remota a hipótese de ser ele mesmo o candidato em 2026. Seus eleitores, contudo, estarão por aí, e talvez não aceitem votar em quem traiu o capitão, razão pela qual Tarcísio de Freitas se apresenta como leal a Bolsonaro neste momento de aflição, candidatando-se, assim, a ser o ungido do bolsonarismo para disputar a Presidência.

E Tarcísio está fazendo sua parte com denodo, ao defender o indefensável, isto é, o perdão aos golpistas – algo absolutamente inaceitável diante das evidências da tentativa de golpe de Estado, urdida por civis e militares, todos do entorno de Bolsonaro, inconformados com a democracia. Se agrada aos bolsonaristas, essa atitude provavelmente não será bem recebida na grande franja do eleitorado que rejeita Bolsonaro sem necessariamente apoiar o presidente Lula da Silva e o PT.

Para não deixar dúvidas sobre sua disposição de apresentar-se como candidato, Tarcísio imprimiu a seu curto pronunciamento o ânimo de um discurso de campanha. Vestindo-se com a camisa da seleção brasileira de futebol, o tradicional uniforme do bolsonarismo, mas com a versão azul, diferenciando-se dos demais, o governador paulista defendeu a anistia a Bolsonaro e, ao mesmo tempo, listou problemas nacionais como a inflação e a violência. Não hesitou em chancelar a tese de Bolsonaro de que a tentativa de golpe não passou de uma “historinha” inventada e, claro, atacou os petistas, os “caras que assaltaram o Brasil, que assaltaram a Petrobras” e que “voltaram à cena do crime”.

No mesmo fôlego, sugeriu que uma eventual condenação de Bolsonaro se destina a impedir o ex-presidente de voltar ao poder. Para o governador, isso é “medo de perder a eleição”. Com esse tipo de discurso, Tarcísio se aproxima perigosamente das teorias da conspiração que animam a extrema direita e, ao mesmo tempo, coloca em dúvida a lisura das instituições democráticas. Nisso, Tarcísio se iguala aos petistas. Quando Lula da Silva foi preso, em abril de 2018, o líder do MST, João Pedro Stedile, declarou: “Querem prendê-lo para tirá-lo da campanha eleitoral. Por isso, é um golpe. Um golpe do Poder Judiciário contra o povo brasileiro. Prender o Lula é prender o povo”. O espírito, portanto, é o mesmo: desmoralizar a democracia. Não é um bom cartão de visitas para quem pretende se apresentar como um democrata moderado para presidir o Brasil.

Trata-se de uma operação de alto risco de Tarcísio de Freitas. O governador certamente sabe que todos os que se insinuaram como herdeiros dos votos de Bolsonaro foram sabotados pela máquina bolsonarista de destruição de reputações. Logo, se quer mesmo liderar uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”, Tarcísio parece ter entendido que precisa rezar o credo de uma seita cujo evangelho requer fidelidade absoluta ao ex-presidente, ao mesmo tempo em que, para não afugentar eleitores de centro, terá de dar demonstrações de respeito à democracia. Por onde quer que se olhe, trata-se de uma missão quase impossível.

A obsessão do novo ministro da Saúde

O Estado de S. Paulo

Alexandre Padilha fez promessas ambiciosas ante problemas reais e graves na Saúde, mas o risco é tentar conciliá-las com as ambições eleitorais – dele, do PT e do presidente Lula

O novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tomou posse no dia 10/3 com um discurso repleto de promessas ambiciosas. Disse que sua “obsessão” será reduzir o tempo de espera para quem precisa de atendimento especializado no Sistema Único de Saúde (SUS), entre consultas e procedimentos de média e alta complexidades. Defendeu a reforma da tabela de procedimentos do SUS, “enterrando” a atual, marcada pela defasagem. Também prometeu impulsionar um movimento nacional pela vacinação e criar organismos de Estado que ajudem o País a se preparar para as próximas pandemias.

Gestores e políticas públicas ambiciosos são louváveis, sobretudo num terreno fértil em negligência do Estado e agonia de cidadãos. Mas, pelo tom adotado no discurso de Padilha, convém separar o que é o onírico mundo ideal mirado pelos petistas e a realidade concreta do SUS. Não é improvável que o País esteja diante de mais um caso em que o tamanho da ambição de um ministro é proporcional às aspirações eleitorais – dele, do PT e do presidente Lula da Silva. Seria parte do jogo, não fosse uma impossibilidade histórica: a complexidade dos problemas em questão é incompatível com a ansiedade de dar ao Ministério uma “marca” capaz de garantir-lhes dividendos em 2026.

A cartada lulopetista inverte a lógica do que deveriam ser boas políticas públicas. Desenhados e implementados para ganhar escala e eficácia, e com o objetivo de transformar uma realidade que impõe sacrifícios à população, programas bem-sucedidos costumam gerar ganhos eleitorais a governos responsáveis. Mas, na lógica de gestões populistas, o dividendo eleitoral vem antes do benefício trazido a eleitores. Foi a retórica demagógica que envolveu a criação de uma das marcas do lulopetismo na Saúde, o Programa Mais Médicos. Criado na primeira gestão de Alexandre Padilha, tornou-se um exemplo dos efeitos do improviso e da pressa alçados à categoria de política de governo em áreas essenciais.

Antes de resolver um problema da saúde pública – a carência de médicos em regiões periféricas –, o Mais Médicos tinha outros objetivos: evitar o derretimento da presidente Dilma Rousseff, na esteira da crise de 2013, sob os efeitos das manifestações populares daquele ano; ajudar a candidatura de Alexandre Padilha ao governo paulista em 2014; e financiar a ditadura de Cuba, por meio da contratação de milhares de médicos cubanos. Movido pela ansiedade, o governo improvisou e atropelou as entidades representativas dos médicos. Foram necessários alguns anos e muitas peripécias para a correção de rumos do programa.

O risco agora é de que vejamos mais um remendo emergencial para salvar um governo em apuros. Há problemas reais que dependem de gestão, e não de bravatas, como é o caso das vacinas – na gestão de Nísia Trindade, o País viu estoques de vacinas vencidas ao mesmo tempo em que assistiu à baixa adesão da população à vacinação. Também não será com adornos que se resolverá a longa espera por um atendimento especializado, consulta ou exame de rotina no SUS. Na eleição passada, constatou-se que em 13 capitais do País a população precisa esperar, em média, mais de um mês para ter uma simples consulta médica na rede do SUS. Há capitais em que a média chega a 197 dias, com patamar similar para cirurgias eletivas. Não são raros os casos em que pacientes aguardam mais de um ano para serem atendidos.

Igualmente grave é a defasagem da tabela do SUS, felizmente lembrada pelo novo ministro. Celebrado como o maior serviço público de saúde do mundo, o SUS é essencialmente prestado por entes privados. Enquanto os hospitais estatais são insuficientes e caros, as instituições beneficentes, como Santas Casas e hospitais filantrópicos, respondem por metade dos atendimentos do SUS e 70% dos casos de alta complexidade. Seria um modelo exemplar, não fossem defasados os valores pagos aos hospitais que prestam o serviço, gerando penúria financeira insustentável.

Alexandre Padilha disse reassumir a pasta “ainda mais cheio de energia” do que na primeira vez. Que a use em benefício da racionalidade e da eficiência, capazes de abrir caminho para um atendimento decente a milhões de pessoas que dependem do SUS. Do contrário, caso se inspire em demasia nas urnas, repetirá a patranha habitual petista de maquiar deficiências com propaganda e retórica.

O aparelhamento da Previ

O Estado de S. Paulo

Fundo de pensão do BB afrouxa indicações para conselhos – um afago a Lula e um risco ao País

A Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil (BB), afrouxou as regras de nomeação para cargos executivos em conselhos fiscais e de administração de grandes companhias nas quais investe o dinheiro de seus cotistas. Os novos critérios facilitam a indicação de representantes de sindicatos, em que o lulopetismo reina, de integrantes de associações e até de pessoas sem experiência.

As regras que servem de orientação para decidir quem vai ocupar esses cargos muito bem remunerados são publicadas anualmente em edital. Em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula da Silva, as regras herdadas de gestões anteriores foram mantidas, o que garantia pontuações maiores a candidatos com formação em áreas como Economia, Administração e Direito, além de experiência profissional em cargos de direção e conselhos.

Mas, desde o ano passado, as coisas mudaram bastante, com o estabelecimento de parâmetros mínimos de formação, como uma graduação qualquer. Além disso, os editais mais recentes equipararam passagens por postos de direção em sindicatos, associações e federações a experiências em cargos na própria Previ e em empresas.

Essas regras, por óbvio, abriram caminho para o aparelhamento desses conselhos pela companheirada. É por isso que sindicalistas passaram a integrar as altas instâncias da Vale, da Gerdau e da Neoenergia. Novas indicações serão feitas neste ano, quando mais de 60 cargos deverão ser preenchidos e, em breve, será possível medir o impacto dessa flexibilização.

A Previ parece estar a serviço do governo para que as indicações nessas empresas atendam às expectativas do presidente Lula da Silva, num processo de corrosão de medidas de governança que foram implementadas justamente para assegurar transparência e eficiência ao fundo. E não é novidade para ninguém que o governo de Lula quer ter ascendência sobre companhias privadas, haja vista que essa tentativa de intervenção já ocorreu na Vale, quando Lula tentou interferir no processo de escolha do novo presidente da empresa.

No caso dos fundos de pensão, a falta de profissionalismo na governança já se mostrou muito perigosa num passado recente. Recorde-se que os Correios e a Petrobras tiveram de cobrir prejuízos em seus fundos de pensão (Postalis e Petros, respectivamente) depois que estes realizaram investimentos arriscados, alinhados aos projetos lulopetistas. Esse histórico foi um dos motivos que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) a autorizar a abertura de uma auditoria para apurar perdas de R$ 14 bilhões na Previ, com o temor de desfalque para o patrocinador, o Banco do Brasil.

Com mais de R$ 270 bilhões sob sua gestão, a direção da Previ reforça com tudo isso seu alinhamento ao lulopetismo, ao dar ao governo federal poder de influência na escolha de nomes para colegiados de negócios estritamente privados. E, para piorar, esse movimento se dá com o dinheiro dos funcionários e dos aposentados do Banco do Brasil, e em detrimento de seus interesses, ameaçando suas economias.

Sobram motivos para preocupação com tantos riscos. E nada disso é bom, nem para a Previ, nem para o BB, nem para o Brasil.

Racismo sem disfarce no futebol

Correio Braziliense

Passou da hora de um enfrentamento mais incisivo contra o preconceito no futebol. Neste momento, cabe a união dos clubes brasileiros diante de tamanha ofensa proferida pelo presidente da Conmebol

Na área da assessoria de comunicação, o termo em inglês media training é um dos conceitos fundamentais da profissão. Trata-se do conjunto de técnicas que um profissional da área usa para treinar porta-vozes, com objetivo de que aquela figura pública se comporte bem diante dos microfones da imprensa. O serviço tem uma ampla gama de clientes, desde políticos até executivos, esportistas e artistas. 

No caso da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), no entanto, não há treinamento que resolva o escancarado racismo manifestado pelo seu presidente, o paraguaio Alejandro Domínguez, nesta segunda-feira. Logo após o sorteio da Libertadores e da Copa Sul-Americana, o cartola usou a seguinte analogia para descrever como seriam as principais competições continentais sem a participação dos clubes brasileiros: "Seria como o Tarzan sem a Chita". 

Os mais velhos vão se lembrar de que o clássico personagem das selvas africanas, Tarzan, era sempre acompanhado de sua fiel escudeira, a primata Chita, em uma jornada com claro viés imperialista. O que importa, no caso da declaração de Alejandro Domínguez, é a fala com evidente conotação racista, sobretudo diante da sequência de casos de preconceito do tipo contra torcedores e jogadores brasileiros nas competições da Conmebol nos últimos anos. 

Como bem disse a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, se o próprio representante máximo da Conmebol profere ofensas racistas nos microfones da imprensa, como a mesma entidade pode combater o preconceito racial que circunda suas competições? Trata-se de casos como o do jovem Luighi, que, em meio às lágrimas, protestou contra gestos de macaco dirigidos a ele em uma partida da edição Sub-20 da Libertadores. O episódio rodou o mundo nas últimas semanas. 

Antes do sorteio da Libertadores na última segunda, o mesmo Alejandro Domínguez, como havia indicado o media training, subiu ao palco para discursar contra o racismo. Ressaltou a prioridade dada pela Conmebol ao combate do preconceito racial no futebol sul-americano e garantiu uma resposta dura contra os criminosos. Pouco depois, acabou o disfarce.

Após a repercussão, Domínguez publicou uma nota justificando que não teve "a intenção de menosprezar nem desqualificar ninguém". A questão é que a "frase popular" por ele usada foi em resposta justamente a um questionamento sobre um cenário de especulação sobre a não participação de clubes brasileiros nas competições da Conmebol devido à sequência de atos racistas sofridos nos últimos anos. 

Passou da hora de um enfrentamento mais incisivo contra o preconceito no futebol.  Neste momento, cabe a união dos clubes brasileiros diante de tamanha ofensa. As recorrentes notas de repúdio pouco representam em situações como essa, ainda mais após o chocante racismo contra o palmeirense Luighi. É preciso cobrar uma resposta prática da Conmebol à atuação do seu presidente. E mais do que isso: punição pesada para os clubes que cometem tal crime, a partir de suas torcidas ou jogadores e comissões técnicas.


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