Reforma do IR fica aquém de corrigir injustiças
O Globo
Proposta do governo traz avanço, mas não
enfrenta regimes especiais que geram as maiores distorções
O projeto de reforma do Imposto de Renda (IR)
enviado pelo governo ao Congresso parte de um diagnóstico correto: o regime
tributário brasileiro é repleto de distorções. Quem está nas faixas de renda
mais baixas acaba, proporcionalmente, pagando mais imposto — no jargão técnico,
o IR é “regressivo”. Ao elevar o limite de isenção de R$ 2.824 para R$ 5 mil
por mês e ao reduzir alíquotas para quem ganha até R$ 7 mil, o governo procura
reparar essa injustiça e cumprir uma promessa de campanha que deve beneficiar
10 milhões de contribuintes. A reforma proposta representa sem dúvida um
avanço, mas fica aquém de corrigir as distorções que tornam injustos os
impostos brasileiros, além de ter efeito fiscal incerto.
É meritória a tentativa de tornar a cobrança de impostos no Brasil menos regressiva. Os contribuintes de renda mais alta hoje pagam taxas menores. A alíquota efetiva (percentual calculado depois de todos os descontos permitidos na declaração) sobe de acordo com o rendimento até chegar ao topo da pirâmide. A partir dos 5% que mais ganham, começa a cair. Isso acontece por diferentes motivos. A maior distorção: os rendimentos de quem ganha mais costumam ser recebidos na forma de dividendos, pagos por empresas que se valem de regimes especiais de tributação, como Simples ou Lucro Presumido. Tal mecanismo beneficia médicos, advogados, profissionais liberais e contratados como pessoa jurídica.
A proposta do governo tenta taxar dividendos
e outros rendimentos hoje isentos para cobrir o que deixará de receber com
isenção e redução de alíquotas — um buraco estimado em R$ 27 bilhões. Faz isso
por meio de um mecanismo engenhoso. Os 141 mil contribuintes que ganham acima
de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil mensais) deverão pagar uma alíquota efetiva
mínima. Ela subirá gradativamente, até chegar a 10% para quem recebe R$ 1,2
milhão ou mais.
A explicação da isenção para os dividendos
distribuídos por empresas a seus sócios está na alíquota paga pelas próprias
empresas, ao redor de 34% — uma das mais altas do mundo. Se apenas taxasse os
dividendos, o governo ampliaria a carga total de impostos que pesa sobre o
investidor, criando um desincentivo a quem aposta seu capital no Brasil. Para
evitar isso, a solução encontrada foi determinar um teto para os tributos. Se a
soma do que a empresa recolher em impostos com o que o sócio pagar de IR for maior
que 34%, a diferença será devolvida.
Apesar da cautela, a proposta do governo
ainda padece de deficiências. Há dúvidas sobre como será posta em prática. E
persiste, além disso, a distorção criada pelos regimes especiais. Não houve
preocupação em criar uma situação de neutralidade tributária, em que as
alíquotas dos diferentes regimes deixariam de criar distorções. É verdade que
uma reforma no Simples ou no Lucro Presumido enfrentaria resistência no
Congresso e teria alto custo político para o governo. Mas a saída escolhida não
deixa de ser um remendo.
Na análise que o Congresso fará do projeto,
duas balizas são essenciais. A primeira é não sobretaxar os empresários, que já
pagam uma das maiores alíquotas corporativas do mundo. A segunda é não criar
exceções que desfigurem a proposta e aumentem seu risco fiscal. A situação das
contas públicas é grave e não permite barbeiragens.
Domínio sobre sinal de internet revela poder
alarmante do crime organizado
O Globo
No Ceará e no Rio, facções intimidam quem se
recusa a pagar taxas ilegais ou a contratar provedores do tráfico
É alarmante a desfaçatez com que o crime
organizado tem se apoderado dos serviços públicos. No Ceará, provedores de
internet que se recusam a pagar as taxas ilegais cobradas pelas quadrilhas são
intimidados com sabotagem, rompimento de cabos de fibra óptica, tiros, queima
de veículos ou destruição de equipamentos e instalações. Os ataques não
cessaram nem mesmo depois da operação deflagrada pela Polícia Civil na semana
passada, mirando integrantes do Comando Vermelho (CV), facção fluminense que
atua também no estado.
No próprio Rio, as concessionárias têm
dificuldades para entrar em comunidades dominadas por traficantes e milicianos
para instalar serviços ou repará-los. No Complexo de Israel, conjunto de
favelas na Zona Norte dominado pela facção Terceiro Comando Puro (TCP), ao
menos sete suspeitos ligados ao traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o
Peixão, foram presos acusados de impor aos moradores o uso de internet e
streaming do tráfico.
O monopólio sobre sinal de internet e a
cobrança de taxas sobre serviços essenciais nas comunidades foram implantados
por milícias, mas acabaram copiados também pelos traficantes, por permitir a
capitalização rápida das quadrilhas. Ao longo do tempo, os negócios ilegais
foram se diversificando. As organizações criminosas já lucram mais com
atividades como venda ilegal de combustíveis, ouro, contrabando de cigarros e
bebidas do que propriamente com o comércio de drogas, revelou estudo recente do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os episódios que se espalham pelo país expõem
a situação de anomia na segurança pública. Não se pode admitir, num Estado de
Direito, que traficantes ou milicianos determinem as empresas autorizadas a
operar num território específico, muito menos permitir o monopólio do crime
sobre serviços. Aos moradores, não resta muita saída. As empresas formais,
quando não são expulsas, como aconteceu no Complexo de Israel, se retiram por
falta de respaldo do Estado. E os consumidores são obrigados a contratar os serviços
clandestinos.
O crescente poder das organizações criminosas
impõe reação mais firme do Estado. Mais do que nunca, o governo federal precisa
se engajar na luta ao lado dos estados, ou a situação não se resolverá. É
verdade que o Ministério da Justiça e Segurança Pública elaborou uma Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) para combater o crime organizado prevendo maior
participação federal e integração entre todas as forças da lei. Mas lá se vão
quase dois anos e meio de mandato, e o tema ainda está em discussão no governo,
além de enfrentar resistências no Congresso. Boas intenções não bastam para
resolver problema tão grave e complexo, hoje uma das maiores preocupações dos
brasileiros. É preciso agir logo.
Com medidas recentes, Lula mira classe média
para eleição
Valor Econômico
O sinal dado é o de que o governo estará
aberto a propostas que possam lhe trazer vantagens políticas
O presidente Lula parece ter enveredado
decididamente pelo caminho populista para tentar se reeleger, depois que uma
queda forte na avaliação de seu governo e em sua popularidade colocou um enorme
ponto de interrogação sobre 2026. A isenção do Imposto de Renda para quem ganha
até R$ 5 mil, que precisa ser aprovada pelo Congresso, entrará em vigor no ano
eleitoral e é uma de suas principais armas para reconquistar seu eleitorado,
que começou a mostrar descontentamento com os rumos da economia e com a gestão petista.
Mas a usina de bondades do Planalto não se restringe à isenção do IR.
No dia 6 de março, o presidente assinou uma
medida provisória incluindo entre os objetivos da destinação de recursos do
Fundo Pré-Sal a infraestrutura social e mudanças climáticas. O objetivo ficou
claro agora, quando o governo cogita indiretamente usar R$ 15 bilhões para
poder criar mais uma faixa de renda no programa Minha Casa Minha Vida para a
faixa entre R$ 8 mil e R$ 12 mil (O Globo, ontem). As verbas desse fundo seriam
destinadas às três faixas existentes do programa, economizando dinheiro do FGTS,
que custeia as Faixas 2 e 3, para contemplar a nova faixa de renda.
Nesse ponto, o governo deixa para trás o
discurso social e passa a cortejar eleitoralmente a classe média, com provável
custo para o Tesouro. Abandona a focalização nas camadas mais pobres e abre um
precedente para estender a ação do Estado aonde seus interesses eleitorais
estarão em jogo. Todos os financiamentos do Minha Casa Minha Vida têm juros
subsidiados. Não faria sentido ampliar a faixa de renda do programa se não
fosse para estender alguma vantagem paga pelo Tesouro. O governo ainda não
tomou a decisão sobre o modelo, o que só deve ocorrer, se ocorrer, depois da
viagem de Lula ao Japão.
Além disso, o presidente parece preso no
túnel do tempo, imaginando que os financiamentos habitacionais ainda são
praticamente monopólio da Caixa Econômica Federal. Todos os bancos privados
ingressaram no setor habitacional e criaram instrumentos para o funding que
lhes permitiram concorrer com os estatais praticamente em pé de igualdade. O
financiamento pelo SBPE, com recursos da poupança, tem juros equivalentes aos
financiamentos privados, algo em torno de 12% ao ano mais TR (hoje perto de
zero).
Até agora o governo ainda não encontrou
dinheiro no orçamento para custear outros dois programas, o auxílio gás e o Pé
de Meia. Lula estendeu a gratuidade do gás de cozinha aos 20 milhões de
famílias inscritas no Cadastro Único. Lula prometeu o “tudo de graça” a um
custo inicial de pelo menos R$ 3,5 bilhões.
Desde novembro, quando os mercados viveram
turbulências e o dólar disparou, diante de um pacote de gastos que era para ser
forte e foi acompanhado de benesses fiscais, como a isenção de IR para até R$ 5
mil, o Planalto sinalizou que novas medidas de ajuste não estavam em seu
horizonte. O sinal político dado é o de que o governo estará aberto a propostas
que possam lhe trazer vantagens políticas. Circula no Executivo a proposta de
aumentar os limites de empréstimos dos bancos estatais e regionais para Estados
e municípios. Eles podem emprestar até 45% de seu patrimônio de referência e
estão perto disso. Estados e municípios elevaram muitos seus gastos, a ponto de
no terceiro trimestre de 2024 terem ultrapassado os da própria União,
auxiliando a impulsionar a economia, intenção do Planalto.
O timing eleitoral está expulsando o timing
econômico que poderia ordenar as medidas do governo. Com juros reais perto de
10%, em alta, o BC tenta esfriar a economia, tarefa para a qual precisa
necessariamente de auxílio da política fiscal. Mas o presidente Lula só pensa
em expandir gastos, créditos e programas para dar mais fôlego à economia, que
cresce acima de seu potencial. A isenção de IR anunciada ontem tornará
disponíveis R$ 27 bilhões para gastos. Segundo o Ministério da Fazenda, 65% dos
cerca de 26 milhões que declaram IRPF serão totalmente isentos. E 90% dos que
pagam IR (90 milhões de pessoas) terão isenção total ou parcial. O projeto
também prevê uma alíquota de Imposto de Renda Retido na Fonte para quem receber
dividendos de empresas, com direito a restituição se a empresa tiver pago o
imposto corporativo de 34%.
Eleitoralmente, o governo junta medidas que
poderiam ser separadas. Os ricos que pagam pouco imposto deveriam pagar mais,
uma questão de justiça tributária. Disso não decorre a isenção massiva do
imposto para pessoas físicas. Seria possível ter ganhos com racionalização,
fazendo uma correção honesta da tabela do IRPF, que os governos petistas não
fizeram, e uma mudança nas alíquotas, eliminando absurdos como taxação máxima
de 27,5% para quem ganha R$ 5 mil, por exemplo, e até criando alíquotas maiores
para faixas mais altas de salários.
Os tributaristas recomendam que se taxe mais
a renda que o consumo, e no Brasil, até a reforma tributária, tem se dado o
contrário. O governo Lula entendeu a receita de forma muito peculiar, abolindo
o pagamento de imposto sobre a renda da imensa maioria da população, em um país
onde 40% da força trabalhadora é informal e programas especiais, como Simples,
subtributam milhões de pessoas com boa capacidade contributiva. O governo
ignora conscientemente a fragilidade fiscal do país.
Ucrânia e Gaza mostram duas faces da política
de Trump
Folha de S. Paulo
Americano é pacificador na Europa, já no
Oriente Médio apoia rompimento do cessar-fogo; em comum, aliados autoritários
Em um desses caprichos do processo histórico,
esta terça-feira (18) pode ficar marcada como um dia em que o americano Donald Trump exibiu
suas contradições interferindo nos dois principais conflitos em curso no mundo.
Na Guerra da Ucrânia, o
presidente republicano seguiu o roteiro de recompensar a Rússia de Vladimir
Putin e conversou com o líder autocrata ao telefone.
Na teoria, deveria convencê-lo a aceitar um
cessar-fogo de 30 dias já acatado pela Ucrânia, em nome do início das conversas
de paz. Obteve
anuência para pausa temporária no bombardeio mútuo à infraestrutura
energética e civil dos beligerantes.
Se a implementação do entendimento confirmar
as impressões iniciais, será um avanço ante a carnificina e a destruição do
conflito, que completava 1.119 dias enquanto os líderes americano e russo
debatiam também itens da agenda comum, de projetos econômicos a um jogo de
hóquei sobre o gelo entre seus países.
Não será simples. Ataques de lado a lado
seguem intensos, e enquanto Trump postava suas platitudes sobre o telefonema,
explosões eram ouvidas em Kiev.
Ainda que tenha deixado a Europa de
lado por ora, provavelmente para reengajar-se com o continente em negociações
posteriores envolvendo Putin, o republicano posa de pacificador e tem uma
chance razoável de vender a imagem a sua base.
Como ela irá reagir à outra face de sua
política externa, aquela que se volta de forma agressiva ao Oriente Médio,
é incerto. O mandatário fez carreira pregando o isolacionismo americano e o fim
do que chamava de guerras estúpidas —a seu tempo, os declinantes morticínios
no Iraque,
na Síria e
no Afeganistão.
Agora, mudou novamente a chave. No fim de
semana, determinou o "fogo do inferno" sobre os rebeldes houthis do
Iêmen, grupo associado ao Irã que participa da conflagração disparada por seus
aliados do Hamas palestino
em outubro de 2023.
Forças americanas no mar Vermelho lançaram
bombardeios contra os iemenitas —no pano de fundo, está a animosidade entre
Washington e Teerã.
Seja como for, desta vez foram os houthis que
acabaram levados a deixar a trégua que observavam nas operações, acompanhando o
cessar-fogo entre o Estado judeu e os terroristas palestinos da Faixa de Gaza desde
o fim de janeiro.
Também nesta terça, Trump concedeu o endosso
público ao colapso desse arranjo, apoiando a decisão de Tel Aviv de
retomar o bombardeio intenso a Gaza.
A motivação —o
fato de que o Hamas protela a libertação dos reféns tomados—
traz consigo o risco de essas vítimas acabarem perecendo. Agora, disse o
premiê Binyamin
Netanyahu, as conversas só ocorrerão "sob fogo".
Trump já havia sugerido tornar Gaza um
resort. Ali mostra hoje sua face belicosa, em aparente contraste com a
benevolente na Europa. Como denominador comum, dois aliados autoritários.
Quanto mais câmeras em fardas da PM, melhor
Folha de S. Paulo
Alta adesão de estados a programa federal
sinaliza interesse por tecnologia que ajuda a reduzir letalidade policial
Vinte estados e o Distrito Federal pediram
adesão ao Projeto Nacional de Câmeras Corporais do Ministério
da Justiça para adquirir 52.558 equipamentos a serem usados em
uniformes de agentes da Polícia
Militar.
O movimento é bem-vindo, dado que ainda é
tímido o número de estados que instituíram a tecnologia —até o ano passado,
eram pelo menos nove.
A pasta conduzirá a licitação com uma ata
nacional de registro de preços, e os governos poderão realizar os contratos
diretamente, sem necessidade de um novo certame. O objetivo é agilizar compras
e reduzir custos.
Em maio do ano passado, o ministério
estabeleceu 16 circunstâncias nas quais as câmeras corporais devem estar
obrigatoriamente acionadas, como operações policiais, atuações ostensivas e
contatos com presos.
As regras valem para as forças federais; as
estaduais devem segui-las como critério para receberem recursos do Fundo
Nacional de Segurança Pública para os equipamentos. Já a adesão ao pregão não é
condição para obter verbas federais.
São Paulo,
Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso são as unidades
federativas que ainda não manifestaram interesse no projeto.
No começo do mandato, o governador
paulista Tarcísio
de Freitas (Republicanos) se opôs à política, instituída em 2021. Mas,
no fim do ano passado, após uma
sequência de casos de abuso da força policial, declarou que estava
"completamente errado".
Segundo plataforma do Ministério da Justiça,
o número de mortes por intervenção policial no estado subiu 61% em 2024, de 504
em 2023 para 813.
De 2015 para cá, a letalidade policial no
Brasil quase triplicou, de 2.334 para 6.135 casos. Tal violência não
segue ideologia. A Bahia governada pelo PT detém a
liderança nefasta com 1.557 mortes em 2024, seguida por São Paulo, cuja
população é muito maior.
Levantamentos nas localidade que implantaram
as câmeras mostram redução de óbitos causados por PMs. Na Bahia, por exemplo,
anos de trajetória ascendente foram interrompidos com
a queda de 8,5% no ano passado —quando os dispositivos foram adotados
no estado.
A tecnologia não é panaceia. Precisa ser acompanhada por protocolos de uso, treinamento dos agentes e fortalecimento de órgãos internos e externos de controle. De todo modo, é ferramenta poderosa para conter abusos de uma das polícias mais violentas do mundo. Qualquer iniciativa no intuito de expandi-la só trará benefícios à população.
A missão quase impossível de Tarcísio
O Estado de S. Paulo
Ao participar do ato pela anistia aos
golpistas, o favorito para herdar os votos de Bolsonaro tenta equilibrar-se
entre ser leal ao padrinho liberticida e ser um genuíno democrata
É do ex-governador Leonel Brizola a máxima
segundo a qual a política e o poder amam a traição, mas é uma questão de tempo
passarem a abominar o traidor. Não parece improvável que o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, tenha isso em mente ao tentar equilibrar-se entre
agradar ao seu padrinho, Jair Bolsonaro, e, ao mesmo tempo, apresentar-se como
moderado, democrata e, embora negue publicamente, possível candidato à
Presidência em 2026. Esse equilíbrio é fruto de um evidente cálculo político
que, tão astuto quanto arriscado, o levou ao palanque de Bolsonaro no domingo
passado – convocado pelo ex-presidente para defender um projeto de lei de
“anistia” a golpistas que, na prática, o livraria da cadeia e o reabilitaria
para disputar a Presidência.
Se é verdade que o ato mostrou que o projeto
para favorecer Bolsonaro não é exatamente uma causa popular, também é verdade
que reforçou uma convicção sobre Tarcísio: o governador vai até o fim no apoio
ao ex-presidente. O cálculo tem sua lógica: como Bolsonaro já está inelegível e
provavelmente será condenado e muito possivelmente preso, é muito remota a
hipótese de ser ele mesmo o candidato em 2026. Seus eleitores, contudo, estarão
por aí, e talvez não aceitem votar em quem traiu o capitão, razão pela qual
Tarcísio de Freitas se apresenta como leal a Bolsonaro neste momento de
aflição, candidatando-se, assim, a ser o ungido do bolsonarismo para disputar a
Presidência.
E Tarcísio está fazendo sua parte com denodo,
ao defender o indefensável, isto é, o perdão aos golpistas – algo absolutamente
inaceitável diante das evidências da tentativa de golpe de Estado, urdida por
civis e militares, todos do entorno de Bolsonaro, inconformados com a
democracia. Se agrada aos bolsonaristas, essa atitude provavelmente não será
bem recebida na grande franja do eleitorado que rejeita Bolsonaro sem
necessariamente apoiar o presidente Lula da Silva e o PT.
Para não deixar dúvidas sobre sua disposição
de apresentar-se como candidato, Tarcísio imprimiu a seu curto pronunciamento o
ânimo de um discurso de campanha. Vestindo-se com a camisa da seleção
brasileira de futebol, o tradicional uniforme do bolsonarismo, mas com a versão
azul, diferenciando-se dos demais, o governador paulista defendeu a anistia a
Bolsonaro e, ao mesmo tempo, listou problemas nacionais como a inflação e a
violência. Não hesitou em chancelar a tese de Bolsonaro de que a tentativa de golpe
não passou de uma “historinha” inventada e, claro, atacou os petistas, os
“caras que assaltaram o Brasil, que assaltaram a Petrobras” e que “voltaram à
cena do crime”.
No mesmo fôlego, sugeriu que uma eventual
condenação de Bolsonaro se destina a impedir o ex-presidente de voltar ao
poder. Para o governador, isso é “medo de perder a eleição”. Com esse tipo de
discurso, Tarcísio se aproxima perigosamente das teorias da conspiração que
animam a extrema direita e, ao mesmo tempo, coloca em dúvida a lisura das
instituições democráticas. Nisso, Tarcísio se iguala aos petistas. Quando Lula
da Silva foi preso, em abril de 2018, o líder do MST, João Pedro Stedile,
declarou: “Querem prendê-lo para tirá-lo da campanha eleitoral. Por isso, é um
golpe. Um golpe do Poder Judiciário contra o povo brasileiro. Prender o Lula é
prender o povo”. O espírito, portanto, é o mesmo: desmoralizar a democracia.
Não é um bom cartão de visitas para quem pretende se apresentar como um
democrata moderado para presidir o Brasil.
Trata-se de uma operação de alto risco de
Tarcísio de Freitas. O governador certamente sabe que todos os que se
insinuaram como herdeiros dos votos de Bolsonaro foram sabotados pela máquina
bolsonarista de destruição de reputações. Logo, se quer mesmo liderar uma
espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”, Tarcísio parece ter entendido que
precisa rezar o credo de uma seita cujo evangelho requer fidelidade absoluta ao
ex-presidente, ao mesmo tempo em que, para não afugentar eleitores de centro,
terá de dar demonstrações de respeito à democracia. Por onde quer que se olhe,
trata-se de uma missão quase impossível.
A obsessão do novo ministro da Saúde
O Estado de S. Paulo
Alexandre Padilha fez promessas ambiciosas
ante problemas reais e graves na Saúde, mas o risco é tentar conciliá-las com
as ambições eleitorais – dele, do PT e do presidente Lula
O novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
tomou posse no dia 10/3 com um discurso repleto de promessas ambiciosas. Disse
que sua “obsessão” será reduzir o tempo de espera para quem precisa de
atendimento especializado no Sistema Único de Saúde (SUS), entre consultas e
procedimentos de média e alta complexidades. Defendeu a reforma da tabela de
procedimentos do SUS, “enterrando” a atual, marcada pela defasagem. Também
prometeu impulsionar um movimento nacional pela vacinação e criar organismos de
Estado que ajudem o País a se preparar para as próximas pandemias.
Gestores e políticas públicas ambiciosos são
louváveis, sobretudo num terreno fértil em negligência do Estado e agonia de
cidadãos. Mas, pelo tom adotado no discurso de Padilha, convém separar o que é
o onírico mundo ideal mirado pelos petistas e a realidade concreta do SUS. Não
é improvável que o País esteja diante de mais um caso em que o tamanho da
ambição de um ministro é proporcional às aspirações eleitorais – dele, do PT e
do presidente Lula da Silva. Seria parte do jogo, não fosse uma impossibilidade
histórica: a complexidade dos problemas em questão é incompatível com a
ansiedade de dar ao Ministério uma “marca” capaz de garantir-lhes dividendos em
2026.
A cartada lulopetista inverte a lógica do que
deveriam ser boas políticas públicas. Desenhados e implementados para ganhar
escala e eficácia, e com o objetivo de transformar uma realidade que impõe
sacrifícios à população, programas bem-sucedidos costumam gerar ganhos
eleitorais a governos responsáveis. Mas, na lógica de gestões populistas, o
dividendo eleitoral vem antes do benefício trazido a eleitores. Foi a retórica
demagógica que envolveu a criação de uma das marcas do lulopetismo na Saúde, o
Programa Mais Médicos. Criado na primeira gestão de Alexandre Padilha,
tornou-se um exemplo dos efeitos do improviso e da pressa alçados à categoria
de política de governo em áreas essenciais.
Antes de resolver um problema da saúde
pública – a carência de médicos em regiões periféricas –, o Mais Médicos tinha
outros objetivos: evitar o derretimento da presidente Dilma Rousseff, na
esteira da crise de 2013, sob os efeitos das manifestações populares daquele
ano; ajudar a candidatura de Alexandre Padilha ao governo paulista em 2014; e
financiar a ditadura de Cuba, por meio da contratação de milhares de médicos
cubanos. Movido pela ansiedade, o governo improvisou e atropelou as entidades
representativas dos médicos. Foram necessários alguns anos e muitas peripécias
para a correção de rumos do programa.
O risco agora é de que vejamos mais um
remendo emergencial para salvar um governo em apuros. Há problemas reais que
dependem de gestão, e não de bravatas, como é o caso das vacinas – na gestão de
Nísia Trindade, o País viu estoques de vacinas vencidas ao mesmo tempo em que
assistiu à baixa adesão da população à vacinação. Também não será com adornos
que se resolverá a longa espera por um atendimento especializado, consulta ou
exame de rotina no SUS. Na eleição passada, constatou-se que em 13 capitais do
País a população precisa esperar, em média, mais de um mês para ter uma simples
consulta médica na rede do SUS. Há capitais em que a média chega a 197 dias,
com patamar similar para cirurgias eletivas. Não são raros os casos em que
pacientes aguardam mais de um ano para serem atendidos.
Igualmente grave é a defasagem da tabela do
SUS, felizmente lembrada pelo novo ministro. Celebrado como o maior serviço
público de saúde do mundo, o SUS é essencialmente prestado por entes privados.
Enquanto os hospitais estatais são insuficientes e caros, as instituições
beneficentes, como Santas Casas e hospitais filantrópicos, respondem por metade
dos atendimentos do SUS e 70% dos casos de alta complexidade. Seria um modelo
exemplar, não fossem defasados os valores pagos aos hospitais que prestam o serviço,
gerando penúria financeira insustentável.
Alexandre Padilha disse reassumir a pasta
“ainda mais cheio de energia” do que na primeira vez. Que a use em benefício da
racionalidade e da eficiência, capazes de abrir caminho para um atendimento
decente a milhões de pessoas que dependem do SUS. Do contrário, caso se inspire
em demasia nas urnas, repetirá a patranha habitual petista de maquiar
deficiências com propaganda e retórica.
O aparelhamento da Previ
O Estado de S. Paulo
Fundo de pensão do BB afrouxa indicações para
conselhos – um afago a Lula e um risco ao País
A Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil
(BB), afrouxou as regras de nomeação para cargos executivos em conselhos
fiscais e de administração de grandes companhias nas quais investe o dinheiro
de seus cotistas. Os novos critérios facilitam a indicação de representantes de
sindicatos, em que o lulopetismo reina, de integrantes de associações e até de
pessoas sem experiência.
As regras que servem de orientação para
decidir quem vai ocupar esses cargos muito bem remunerados são publicadas
anualmente em edital. Em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula da
Silva, as regras herdadas de gestões anteriores foram mantidas, o que garantia
pontuações maiores a candidatos com formação em áreas como Economia,
Administração e Direito, além de experiência profissional em cargos de direção
e conselhos.
Mas, desde o ano passado, as coisas mudaram
bastante, com o estabelecimento de parâmetros mínimos de formação, como uma
graduação qualquer. Além disso, os editais mais recentes equipararam passagens
por postos de direção em sindicatos, associações e federações a experiências em
cargos na própria Previ e em empresas.
Essas regras, por óbvio, abriram caminho para
o aparelhamento desses conselhos pela companheirada. É por isso que
sindicalistas passaram a integrar as altas instâncias da Vale, da Gerdau e da
Neoenergia. Novas indicações serão feitas neste ano, quando mais de 60 cargos
deverão ser preenchidos e, em breve, será possível medir o impacto dessa
flexibilização.
A Previ parece estar a serviço do governo
para que as indicações nessas empresas atendam às expectativas do presidente
Lula da Silva, num processo de corrosão de medidas de governança que foram
implementadas justamente para assegurar transparência e eficiência ao fundo. E
não é novidade para ninguém que o governo de Lula quer ter ascendência sobre
companhias privadas, haja vista que essa tentativa de intervenção já ocorreu na
Vale, quando Lula tentou interferir no processo de escolha do novo presidente da
empresa.
No caso dos fundos de pensão, a falta de
profissionalismo na governança já se mostrou muito perigosa num passado
recente. Recorde-se que os Correios e a Petrobras tiveram de cobrir prejuízos
em seus fundos de pensão (Postalis e Petros, respectivamente) depois que estes
realizaram investimentos arriscados, alinhados aos projetos lulopetistas. Esse
histórico foi um dos motivos que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) a
autorizar a abertura de uma auditoria para apurar perdas de R$ 14 bilhões na
Previ, com o temor de desfalque para o patrocinador, o Banco do Brasil.
Com mais de R$ 270 bilhões sob sua gestão, a
direção da Previ reforça com tudo isso seu alinhamento ao lulopetismo, ao dar
ao governo federal poder de influência na escolha de nomes para colegiados de
negócios estritamente privados. E, para piorar, esse movimento se dá com o
dinheiro dos funcionários e dos aposentados do Banco do Brasil, e em detrimento
de seus interesses, ameaçando suas economias.
Sobram motivos para preocupação com tantos riscos. E nada disso é bom, nem para a Previ, nem para o BB, nem para o Brasil.
Racismo sem disfarce no futebol
Correio Braziliense
Passou da hora de um enfrentamento mais
incisivo contra o preconceito no futebol. Neste momento, cabe a união dos
clubes brasileiros diante de tamanha ofensa proferida pelo presidente da
Conmebol
Na área da assessoria de comunicação, o termo
em inglês media training é um dos conceitos fundamentais da profissão. Trata-se
do conjunto de técnicas que um profissional da área usa para treinar
porta-vozes, com objetivo de que aquela figura pública se comporte bem diante
dos microfones da imprensa. O serviço tem uma ampla gama de clientes, desde
políticos até executivos, esportistas e artistas.
No caso da Confederação Sul-Americana de
Futebol (Conmebol), no entanto, não há treinamento que resolva o escancarado
racismo manifestado pelo seu presidente, o paraguaio Alejandro Domínguez, nesta
segunda-feira. Logo após o sorteio da Libertadores e da Copa Sul-Americana, o
cartola usou a seguinte analogia para descrever como seriam as principais
competições continentais sem a participação dos clubes brasileiros: "Seria
como o Tarzan sem a Chita".
Os mais velhos vão se lembrar de que o
clássico personagem das selvas africanas, Tarzan, era sempre acompanhado de sua
fiel escudeira, a primata Chita, em uma jornada com claro viés imperialista. O
que importa, no caso da declaração de Alejandro Domínguez, é a fala com
evidente conotação racista, sobretudo diante da sequência de casos de
preconceito do tipo contra torcedores e jogadores brasileiros nas competições
da Conmebol nos últimos anos.
Como bem disse a presidente do Palmeiras,
Leila Pereira, se o próprio representante máximo da Conmebol profere ofensas
racistas nos microfones da imprensa, como a mesma entidade pode combater o
preconceito racial que circunda suas competições? Trata-se de casos como o do
jovem Luighi, que, em meio às lágrimas, protestou contra gestos de macaco
dirigidos a ele em uma partida da edição Sub-20 da Libertadores. O episódio
rodou o mundo nas últimas semanas.
Antes do sorteio da Libertadores na última
segunda, o mesmo Alejandro Domínguez, como havia indicado o media training,
subiu ao palco para discursar contra o racismo. Ressaltou a prioridade dada
pela Conmebol ao combate do preconceito racial no futebol sul-americano e
garantiu uma resposta dura contra os criminosos. Pouco depois, acabou o
disfarce.
Após a repercussão, Domínguez publicou uma
nota justificando que não teve "a intenção de menosprezar nem
desqualificar ninguém". A questão é que a "frase popular" por
ele usada foi em resposta justamente a um questionamento sobre um cenário de
especulação sobre a não participação de clubes brasileiros nas competições da
Conmebol devido à sequência de atos racistas sofridos nos últimos anos.
Passou da hora de um enfrentamento mais incisivo contra o preconceito no futebol. Neste momento, cabe a união dos clubes brasileiros diante de tamanha ofensa. As recorrentes notas de repúdio pouco representam em situações como essa, ainda mais após o chocante racismo contra o palmeirense Luighi. É preciso cobrar uma resposta prática da Conmebol à atuação do seu presidente. E mais do que isso: punição pesada para os clubes que cometem tal crime, a partir de suas torcidas ou jogadores e comissões técnicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.