Alcolumbre eleva preço do Congresso para contribuinte
O Globo
Benesses concedidas por presidente do Senado
aumentam custo de um dos legislativos mais caros do mundo
Na sexta-feira anterior ao carnaval, o
presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), apresentou um pacote repleto de benefícios para
os funcionários da Casa. Os cargos mais graduados do Senado passaram a ter
direito a um dia de folga para cada três trabalhados, até o limite de dez dias
por mês. O vale-refeição dos servidores foi reajustado em 22,2%, para R$
1.784,42. Também foi aumentado o número de servidores com direito a 100% de um
bônus de gratificação. Para completar, Alcolumbre aumentou a cota parlamentar à
disposição dos gabinetes dos senadores.
Logo surgiram pressões para que o presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), equiparasse os benefícios de lá aos
pagos no edifício vizinho. O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo
(Sindilegis) trabalha para obter as mesmas benesses, a começar pelo aumento do
vale-refeição, hoje de R$ 1.393,11 por mês (a equiparação equivaleria a um
reajuste de 28%).
O dia de folga é um tipo de privilégio comum no Judiciário. Na prática, folgar um dia a cada três equivale a receber um aumento salarial de 33%, pois o valor acaba incorporado como “indenização” em dinheiro para quem não usufrui o descanso. No Senado, o benefício foi concedido a servidores em “função relevante singular”, “em virtude dos ônus e responsabilidades”. A classificação é arbitrária. Na prática, levaram o aumento os funcionários alocados na diretoria-geral, na secretaria geral da Mesa, na advocacia, no gabinete da presidência, na auditoria, nas consultorias legislativa e orçamentária e na secretaria de comunicação.
O reajuste das verbas de gabinete foi dado em
percentuais diferentes para cada senador, pois envolve passagens aéreas com
trajetos distintos. No caso dos três senadores do Amapá, entre eles Alcolumbre,
a verba mensal aumentou 19,4%, de R$ 42,8 mil para R$ 51,1 mil. Para
parlamentares do Acre, foi de R$ 38,8 mil para R$ 50,4 mil (reajuste de 29,9%).
Mesmo sem precisar se deslocar, os senadores de Brasília passaram a ter verba
de gabinete de R$ 36 mil. Os do Amazonas têm agora direito a R$ 52 mil mensais.
De acordo com os últimos dados da União
Interparlamentar (UIP), relativos a 2023, o Congresso brasileiro só não custa
mais caro que o americano. O gasto total somou US$ 5,9 bilhões por ano nos
Estados Unidos — ou US$ 11 milhões por parlamentar — e US$ 5,3 bilhões no
Brasil — ou US$ 8,9 milhões por parlamentar. Como a população americana supera
a brasileira em mais de 50%, o preço per capita pago pelo cidadão aqui acaba
sendo bem superior.
Considerando a diferença de estágio de
desenvolvimento entre os dois países, o custo do Congresso brasileiro deveria
ser ainda menor. Há muita irracionalidade nas despesas, e seria possível
promover um ajuste sem comprometer as atividades essenciais do Legislativo.
Países com parlamentos bem maiores têm custo muito menor. Um parlamentar no
Reino Unido representa um gasto para o Erário de US$ 561 mil anuais, 15 vezes
menos que o brasileiro. A sociedade precisa sustentar as instituições
democráticas. Mas com racionalidade e dentro de suas possibilidades. Seria
fundamental que Alcolumbre e Motta tivessem consciência disso ao distribuir
suas bondades.
Diante de Trump, Europa não tem outra
alternativa a não ser armar-se
O Globo
Abalo na aliança transatlântica leva líderes
europeus a investir na própria defesa para conter ameaça da Rússia
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von
der Leyen, classificou o atual momento como “decisivo para a Europa”, enquanto
se encaminhava ao encontro de emergência convocado com os 27 chefes de governo
do bloco. Diante do estremecimento das relações com os Estados Unidos sob Donald Trump,
da ameaça de Vladimir Putin e da necessidade de apoiar a Ucrânia na guerra
contra os russos, o desafio lógico dos europeus é como fortalecer seu setor de
defesa. Desde o fim da Segunda Guerra, eles contaram com a proteção dos
americanos, sob o guarda-chuva da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan). Com a volta de Trump e o abalo na aliança transatlântica, a urgência é
o rearmamento. O primeiro passo foi criar um fundo de financiamento.
A primeira-ministra da Dinamarca, Mette
Frederiksen, foi precisa ao declarar: “Gastar, gastar, gastar em defesa e
dissuasão. Essa é a mensagem mais importante e, ao mesmo tempo, claro,
continuar a apoiar a Ucrânia, porque queremos paz na Europa”. Antes de se
dirigir a Bruxelas, o presidente francês, Emmanuel Macron, fez pronunciamento
em rede nacional. Não economizou palavras ao descrever a Rússia como “ameaça” à
França e à Europa: “viola nossas fronteiras para assassinar opositores,
manipula as eleições na Romênia e Moldávia”, “organiza ataques digitais contra
nossos hospitais” e “tenta manipular nossas opiniões com mentiras difundidas
nas redes sociais”.
Respondendo a chamado de Friedrich Merz,
vencedor das eleições que negocia a formação do novo governo alemão, Macron
reafirmou a intenção de usar o arsenal nuclear francês para proteger os aliados
europeus. Merz disse que a Alemanha “fará o que for preciso” para defender a
paz e a segurança na Europa. Ele pretende mudar o atual teto de gastos para
aumentar as despesas com defesa. A proposta deverá ser votada no Parlamento
alemão nos próximos dias. Se aprovada, dará novo impulso à maior economia da
Europa. Empresas alemãs já se preparam para ampliar a produção e a venda de
armas.
O debate sobre a segurança europeia vem
fermentando desde o primeiro mandato de Trump. Ele sempre insistiu para que os
integrantes da Otan gastassem mais com a própria defesa. Desde sua volta ao
poder, porém, o embate ganhou outra dimensão. Trump abriu negociações com a
Rússia para pôr fim à guerra, sem a participação de europeus nem de ucranianos.
Depois da altercação com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Casa
Branca, cortou ajuda militar ao país.
É evidente que Trump tem agido de acordo com os interesses russos. Sua intenção de anexar a Groenlândia e taxar importações europeias completa o quadro de animosidade. Putin, fortalecido, é uma ameaça óbvia à paz não apenas na Ucrânia, mas em toda a Europa. Macron resumiu o sentimento predominante ao dizer: “Quero acreditar que os Estados Unidos ficarão ao nosso lado, mas temos de estar prontos para que isso não aconteça”. O novo armamentismo traz riscos de que o conflito se amplie, mas para a Europa não há outra alternativa.
Propag e novos fundos criam conta pesada para
União
Valor Econômico
Para equacionar R$ 447,5 bilhões dos quatro Estados que não estão honrando suas dívidas, a União abrirá mão de receitas que são o dobro, na estimativa otimista, ou o triplo disso, na pessimista
A décima segunda renegociação das dívidas de
Estados, concluída recentemente com a aprovação do Propag, foi a mais generosa
delas, e trará um enorme peso para as finanças públicas e para os contribuintes
que foi ignorado pelo governo e por parlamentares. A conta do programa gestado
pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ungido como
candidato de Lula ao governo de Minas, só agora foi detalhada pelo Tesouro: até
2047, na melhor das hipóteses, a União deixará de arrecadar R$ 797 bilhões e, na
pior, até 2048, R$ 1,28 trilhão (Folha de S. Paulo, ontem).
Os dados foram obtidos com o uso da Lei de
Acesso à informação pelo jornal. Quando da discussão do programa, o Tesouro
chegou a calcular que, entre 2025 e 2029, na hipótese de que os Estados
amortizassem 20% de seus débitos com a entrega de ativos e os juros caíssem
para zero - uma das quatro opções do programa -, a União lucraria até R$ 5,5
bilhões. Na opção de nenhuma amortização e queda de juros a 2%, a União
perderia nesse período R$ 105,9 bilhões. A correção das dívidas estaduais hoje
é feita pelo IPCA mais juros de 4%.
O Propag prolongou o pagamento das obrigações
por mais 30 anos. Como a primeira renegociação após o Plano Real foi feita em
1997, o período para quitação se estenderá por meio século sem que os débitos
tenham sido de fato equacionados. Eles somam hoje R$ 765 bilhões, e apenas
cinco Estados devem 90% do total: São Paulo (R$ 287,5 bilhões em 2024), Rio (R$
171,8 bilhões), Minas Gerais (R$ 157,7 bilhões), Rio Grande do Sul (R$ 99,6
bilhões) e Goiás (R$ 18,4 bilhões). São Paulo paga seus compromissos em dia e um
dos problemas da renegociação intempestiva com o Propag é que se criaram
condições gerais adversas para os cofres da União para tentar resolver
problemas crônicos de apenas quatro Estados.
De posse dos números completos do Tesouro, a
que pelo menos o Ministério do Planejamento teve acesso, a ponto de ter
sugerido seu veto integral, é possível vislumbrar o absoluto desequilíbrio do
Propag, a favor dos Estados. Para equacionar R$ 447,5 bilhões dos quatro
Estados que não estão honrando suas dívidas, a União abrirá mão de receitas que
são o dobro, na estimativa otimista, ou o triplo disso, na pessimista. Ademais,
abriu-se a porta da renegociação para todas as unidades da Federação, em um
esquema que permitirá uma redistribuição fiscal de recursos para os Estados
mais pobres, segundo Manoel Pires, do Observatório Fiscal do FGV-Ibre. Entre os
ricos, o maior beneficiado será São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas.
O texto aprovado estava coalhado de
armadilhas. Os juros serão reduzidos se os Estados aplicarem os recursos
economizados com seu pagamento em setores prioritários. Os congressistas
ampliaram o número desses setores a mais de 10 deles, ou seja, tornaram tudo
prioritário. A lei estabelece assim que obterão abatimento dos encargos
financeiros os Estados que simplesmente cumprirem a finalidade para o qual
existem: propiciar segurança, educação, saúde, infraestrutura, transportes aos
cidadãos. Nesse ponto, a vontade de arrumar recursos para gastar combinou com a
ideia de um presidente que acha que a economia só atingirá o crescimento por
meio dos gastos públicos. As despesas estaduais em alta ajudaram a puxar o PIB
para cima, mesmo que com isso várias contas pesadas estejam sendo repassadas à
União e que o custo para ela financiar seu endividamento crescente seja hoje
escorchante, com a taxa Selic a 13,5%, com viés de alta.
Os gastos primários dos Estados ultrapassaram
os da União no terceiro trimestre de 2024 (ver artigo abaixo) e eles serão
alimentados ainda com mais recursos federais sem contrapartidas. O Fundo de
Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária e bancado
pela União para quitar incentivos concedidos pelos Estados, terá R$ 160 bilhões
de aportes entre 2025 e 2029. Muito mais dinheiro irá para o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Regional, que contará com ingressos anuais que somarão R$ 570
bilhões de 2029 a 2042 e, a partir daí, com R$ 40 bilhões ao ano. Lobbies no
Congresso durante a reforma criaram os Fundos de Sustentabilidade e
Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e outro semelhante, para os
Estados de Amazônia e Amapá, com dotações iniciais de R$ 25 bilhões cada.
Os desembolsos para esses fundos não serão
contabilizados para efeitos de apuração do resultado primário, mas inflarão uma
dívida pública elevada de 76,1% do PIB e crescendo rapidamente, porque o
governo mal consegue equilibrar suas contas, enquanto os gastos continuam a
subir.
Apenas com a redução de receitas até 2048,
pelos cálculos do Tesouro e desembolsos com os fundos para Estados, os cofres
da União terão uma pressão de cerca de R$ 2,2 trilhões, ou 18,8% do PIB a
preços de hoje. A União empilhou obrigações, ciente de que está ameaçada de, já
em 2027, não ter recursos para pagar todas as despesas obrigatórias, com risco
de paralisia da máquina pública. O legado que um governo que não acredita na
necessidade de equilíbrio fiscal deixará é péssimo, e exige uma carga fiscal impossível
de ser obtida.
Custo de novo socorro a estados fica mais
claro
Folha de S. Paulo
Estimativas apontam impacto para o Tesouro
que pode chegar a R$ 1,3 trilhão; sociedade paga a conta com inflação e juros
A recente sanção do projeto de lei
complementar que institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados
(Propag), enésima iniciativa do gênero no país, constitui mais
um incentivo à má gestão do Orçamento público.
Sob o pretexto de aliviar o endividamento
estadual, a medida não induz ajustes fiscais —enquanto prejudica a saúde
financeira da União em nome de um populismo federativo que nada resolve e muito
custa.
O Propag permite que estados renegociem suas
dívidas com o Tesouro Nacional em até 360 parcelas, com encargos reduzidos e a
possibilidade de quitar débitos com ativos como bens e participações
societárias. Os juros podem cair dos atuais 4% (mais a inflação) para 2% ou
zero, a depender de contrapartidas na forma de investimentos em áreas como
educação e infraestrutura.
Do passivo total, em torno de R$ 765 bilhões,
cerca de 90% vêm de só quatro devedores —Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul e São Paulo.
Estimativas do Tesouro, reveladas pela Folha,
apontam que a
União pode abrir mão de quase R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras
até 2048, na hipótese de todos os estados aderirem à opção de juros nulos. O
cenário alternativo, com menor concessão, custaria R$ 794 bilhões no período.
Impressiona que apenas depois de aprovado o
projeto tais projeções tenham vindo a público. Durante a tramitação,
divulgou-se somente o impacto nos primeiros cinco anos, que ficaria em R$ 157
bilhões no pior cenário —mas com ganhos de valor similar devido à apropriação
de ativos estaduais, causando a ilusão de custo quase zero.
O que se escancara agora, tardiamente, é que
eventuais receitas estarão muito longe de cobrir as perdas dos cofres federais.
Longe de ser o "maior problema
federativo do Brasil", como quer o ex-presidente do Senado Rodrigo
Pacheco (PSD-MG),
autor do projeto, o que ocorre na história é um ataque repetido ao bolso do
contribuinte nacional.
Para isso contribuem a força dos governadores
no Congresso
Nacional, a fragilidade política do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e a
disposição perene do Supremo Tribunal Federal (STF) em socorrer os
estados, não raro ignorando os contratos assinados com a União.
Em vez de exigir contrapartidas robustas que
promovam disciplina orçamentária, a lei impõe condições genéricas, como
investimentos em áreas sociais sem mecanismos claros de fiscalização nem
punição efetiva em caso de descumprimento.
É fácil imaginar o que vem pela frente.
Estados mal geridos continuarão assim, agora com mais espaço para gastar.
Enquanto o Tesouro, com menos receitas, amargará crescimento de sua dívida, já
em trajetória alarmante.
A irresponsabilidade orçamentária se alastra
por todos os níveis da Federação, e o preço é pago pela sociedade,
especialmente os pobres, na forma de mais inflação e juros do Banco Central.
Mais diplomas de ensino superior não bastam
Folha de S. Paulo
Quantidade deve ser acompanhada por qualidade
acadêmica e inserção da mão de obra no mercado para gerar desenvolvimento
Dados recentes do IBGE ratificam
a já conhecida situação precária da educação brasileira,
apesar de revelarem alguns avanços importantes.
A taxa de pessoas acima dos 25 anos que
concluíram o ensino superior triplicou
entre 2000 e 2022, de 6,8% para 18,4%. Evolução bem-vinda que se junta à
redução, de 63,2% para 35,2%, do estrato de brasileiros na mesma faixa etária
sem instrução ou com ensino fundamental incompleto.
Mas é penoso constatar que quase metade da
população nessa idade (49,2%) nem chega a concluir o ensino médio. Ademais, o
avanço no ensino superior é baixo, quando comparado ao de outros países, e deve
ser analisado a partir das distorções locais.
Na média dos membros da OCDE, o percentual
de indivíduos entre 25 e 34 anos com diploma universitário em 2022 foi de 47,2%
Nesse contingente, de acordo com o Censo, a taxa do Brasil é de só 22,4%,
abaixo dos vizinhos Chile (40,5%)
e Colômbia (34,1%).
Também não basta só elevar quantidade. É
preciso que o ensino seja de qualidade e que essa mão de obra integre o mercado
de trabalho para incrementar produtividade, inovação tecnológica e geração de
renda.
Um país com crescimento econômico pífio nos
últimos anos, porém, não consegue cumprir essa tarefa, empurrando diplomados
para empregos de baixa qualidade, que pagam pouco, ou mesmo para a
informalidade.
Pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostra
que, entre 2012 2023, o rendimento médio do trabalho dos brasileiros que
estudaram 16 anos ou mais foi
o que apresentou maior queda (16,7%), seguido por aqueles que estudaram
entre 12 e 15 anos (11,2%), enquanto estratos que passaram menos de 1 ano ou de
1 a 4 anos nas escolas conseguiram altas de 27,5% e 5%, respectivamente.
Segundo o IBGE, 2,1% dos brasileiros de 18 a
65 anos que disseram ter recebido auxílio do Bolsa Família em
2022 (256 mil pessoas) completaram um curso superior, ante
0,9% (84 mil) em 2016.
A formação acadêmica também preocupa, com a
explosão do ensino a distância em faculdades particulares. O poder público
precisa contribuir para que a alta de diplomados seja acompanhada por ensino de
qualidade.
A política econômica deve ser orientada sem
vieses ideológicos, para facilitar o ambiente de negócios e ampliar a absorção
dessa força de trabalho especializada pelo mercado, com ganhos que façam jus
aos anos de estudos.
Sem isso, o Brasil continuará num círculo vicioso de baixo crescimento, dificultando a diminuição das desigualdades sociais.
A solidão de Haddad
O Estado de S. Paulo
Tarefa do ministro da Fazenda em defesa da
política fiscal ficará mais difícil com a chegada de Gleisi, que desde sempre
trabalhou para prejudicar os poucos esforços de contenção de gastos
A turma do deixa-disso bem que tentou
apaziguar os ânimos, mas não há como não vincular a chegada da deputada Gleisi
Hoffmann (PT-PR) à Secretaria de Relações Institucionais ao ocaso do ministro
da Fazenda, Fernando Haddad. A nomeação da presidente do PT ao cargo não deixa
dúvidas sobre o caminho que o governo Lula da Silva seguirá na segunda metade
de seu mandato. Nele, o espaço de Haddad tende a ser ainda mais restrito do que
já é.
O ministro da Fazenda já viveu dias bem
melhores no governo. Se no início foi visto como o nome capaz de garantir a
credibilidade da política econômica de Lula da Silva, hoje o ministro parece
atuar, e mal, apenas para reduzir danos e impedir um desastre. Ninguém, nem no
governo nem fora dele, acredita que Haddad será capaz de convencer o presidente
a promover as mudanças de que o País tanto precisa.
Seu pacote fiscal, prometido entre o primeiro
e o segundo turno das eleições municipais, foi abertamente criticado por
colegas da Esplanada dos Ministérios, como Luiz Marinho (Trabalho) e Carlos
Lupi (Previdência), e internamente boicotado por Rui Costa (Casa Civil). Pior:
como que a enquadrá-lo, o governo deu a Haddad a inglória missão de anunciar o
plano em cadeia nacional de rádio e TV, em uma versão não apenas esvaziada como
associada a uma promessa populista de isenção de Imposto de Renda para quem ganha
até R$ 5 mil mensais.
Era algo previsível. Antes mesmo de assumir a
Presidência, Lula já havia limitado sobremaneira o arsenal de medidas de
controle de gastos à disposição de Haddad, ao apadrinhar uma emenda
constitucional que permitia impulsionar os gastos muito além da justa
recomposição das políticas públicas destruídas pelo bolsonarismo. À época, foi
justamente Gleisi Hoffmann quem defendeu a estratégia que, para ela, era a
única forma de cumprir as promessas de campanha.
Com a emenda promulgada, Haddad tomou para si
a tarefa de criar um mecanismo de contenção fiscal para substituir o
desmoralizado teto de gastos. Assim o fez, e rapidamente conseguiu apoio para
votá-lo na Câmara e no Senado. Na contramão de Haddad, Gleisi Hoffmann
trabalhou para restabelecer os pisos constitucionais de saúde e educação e
impedir que as regras do novo arcabouço incidissem sobre eles, em oposição à
proposta da equipe econômica.
Mal conseguiu aprovar o arcabouço fiscal na
Câmara, Haddad engoliu outro sapo já no dia seguinte ao feito. Sob a liderança
dos deputados do PT, que só votaram a favor da proposta porque Lula mandou, o
Legislativo aprovou a política de valorização do salário mínimo e garantiu ao
piso ganho real equivalente à variação da inflação e ao avanço do Produto
Interno Bruto (PIB) registrado dois anos antes – mais uma medida com regra de
reajuste próprio, a ignorar o limite de despesas do arcabouço fiscal recém-aprovado.
Como esperado, os pisos de saúde e educação e
o salário mínimo rapidamente comprimiram o espaço dos investimentos e das
emendas parlamentares no Orçamento. E Gleisi não hesitou. Se no fim do ano
anterior havia criticado o que considerava ser um “austericídio fiscal”
defendido por Haddad, no ano seguinte, vaticinou: “Entre mexer na vinculação do
salário mínimo e mudar o arcabouço, tem de mudar o arcabouço. Simples assim”. E
assim, contrariado, Haddad mudou as metas fiscais de 2025 e 2026 que havia
anunciado um ano antes.
Bem se sabe que o trabalho do ministro da
Fazenda não é trivial. Cabe a ele dizer “não” quando o restante do governo
busca o “sim”. Mas tudo fica ainda mais difícil quando quem diverge é Gleisi
Hoffmann, que, para minar os poucos esforços do governo na contenção de gastos,
trabalha com mais afinco do que muitos parlamentares da oposição.
Em entrevista ao G1 na última quarta-feira,
Gleisi disse que fará “tudo o que for possível para garantir 2026”, ou seja, a
reeleição de Lula. Pela forma como atuou nos dois primeiros anos do mandato do
petista, não é exagero algum afirmar que a deputada e futura ministra vê na
política econômica defendida por Haddad o maior obstáculo à reeleição do
presidente. Logo, não poupará esforços para debilitá-la ainda mais. A diferença
é que, a partir de agora, o fará não mais nas reuniões internas do partido ou
da tribuna da Câmara, mas de um assento dentro do Palácio do Planalto.
A política pública além do bolso
O Estado de S. Paulo
Políticas públicas são eficazes quando não
recorrem a balas de prata. É dessa forma que atrativos financeiros não
prescindem de outras iniciativas – o avesso do que Lula da Silva prega
Reportagem recente deste jornal mostrou as
lições deixadas por um programa do governo do Chile destinado a estimular a
entrada de jovens talentos na carreira docente, com moldes similares ao
Pé-de-Meia Licenciaturas – iniciativa lançada pelo Ministério da Educação
(MEC), que pagará uma bolsa para os estudantes que escolherem cursos que formam
professores.
A intenção do ministro Camilo Santana é
louvável: integrar o incentivo a ações que possam tornar a profissão docente
mais atrativa e, assim, melhorar a qualidade da aprendizagem. Mas a experiência
chilena – a Beca Vocación de Profesor, que começou em 2011 como um
benefício para financiar a graduação de estudantes em Pedagogia e a continuação
dos estudos de alunos de licenciaturas – pode servir de alerta para a equipe do
MEC escapar de uma tentação comum imposta pelos vícios do lulopetismo: resumir
boas políticas públicas à mera concessão de bolsas de incentivo. Cuidado que
não se resume, ou pelo menos não deveria se resumir, à educação.
O evangelho do presidente Lula da Silva
sugere que, se a fé move montanhas, obras e dinheiro movem popularidade
perdida. Ante um presidente hoje inquieto pela desaprovação da maioria do País,
ansioso por resultados imediatos e pressionado pelo tempo que lhe resta de
mandato, a cartilha de Lula se torna ainda mais perigosa. Converte-se em atalho
fácil para simplificações e soluções marqueteiras, como se viu no recente
pronunciamento em que, embora sem novidades, colocou o Pé-de-Meia como uma
“ação extraordinária” que “está ajudando 4 milhões de jovens a permanecerem na
escola” e, ora vejam, “melhorando a qualidade do ensino”.
De fato, o Pé-de-Meia é uma boa iniciativa
para evitar a evasão de jovens, mas não se pode esperar do programa algo que
não tem condições de cumprir. Apesar da fantasia difundida pelo presidente,
contudo, incentivar com dinheiro a permanência de jovens na escola não garante,
por si, um melhor ensino médio. Mesma regra elementar valerá para a variação do
programa, o Pé-de-Meia Licenciaturas, como informa a experiência chilena. É
necessário, por exemplo, preocupar-se com a formação inicial de professores,
aperfeiçoar a qualidade de cursos e coordenar ações para o fortalecimento da
docência.
Políticas públicas são eficazes quando não
recorrem a balas de prata. É dessa forma que atrativos financeiros não
prescindem, nesse caso, de outras iniciativas, como melhores condições de
trabalho, infraestrutura das escolas, projetos pedagógicos aperfeiçoados,
aceitação e prestígio social, preservação da integridade física em áreas
vulneráveis e outros muitos fatores que demandam escala e tempo – o avesso do
que o ansioso Lula da Silva costuma sugerir. Sem falar na capacidade de colocar
em prática múltiplas ações, com metas, indicadores, cronogramas, orçamentos e
responsabilidades, além da disposição para ajustá-las ou encerrá-las conforme o
impacto das medidas implementadas.
Tudo isso, para Lula, costuma ser palavrão e
sinônimo de demora – e ele invariavelmente recorre ao seu vasto arsenal de
ilusões e anúncios eloquentes e populistas. Em dezembro, ele manifestou
indignação ao descobrir que milhões de brasileiros não têm banheiros em suas
casas e informou ter mandado construí-los. Ainda que seja uma boa medida
humanitária, ela não resolve o problema: a crônica falta de saneamento básico,
fruto de décadas de incompetência das estatais do setor. Se quase metade da
população não tem saneamento, a construção de banheiros sem interligação com a
rede de esgoto é inócua. Como será inócua a construção de centenas de unidades
de institutos federais de educação, ciência e tecnologia, como Lula anunciou,
difundindo cifras bilionárias do Programa de Aceleração do Crescimento sem o
governo repensar o modelo do ensino técnico e profissionalizante de que o País
dispõe. É como querer resolver o problema da alfabetização apenas instalando
bibliotecas nas escolas públicas.
Governos gostam de conceber planos, mas
governos realmente responsáveis têm como meta não só colocar planos em prática
como desenhar e implementar políticas públicas bem-sucedidas, de longo prazo e
independentes dos interesses eleitorais imediatos – uma empreitada difícil que
costuma separar governantes e estadistas.
Os riscos da obesidade
O Estado de S. Paulo
‘Atlas Mundial da Obesidade’ traz diagnóstico
desafiador para superação da doença que cresce no Brasil
O Atlas Mundial da Obesidade 2025 traz
um diagnóstico pouco alentador para o Brasil. Segundo o documento da Federação
Mundial da Obesidade (WOF, na sigla em inglês), três em cada dez brasileiros
vivem com obesidade, e sete em cada dez têm sobrepeso. Nada menos do que 12,9%
das crianças entre 5 e 9 anos de idade estão acima do peso.
A obesidade, para piorar, esconde outros
riscos para a saúde, como diabetes, acidente vascular cerebral (AVC) e enfarte.
São as chamadas doenças crônicas não transmissíveis e que poderiam ser evitadas
com mudanças de hábitos.
Porém, como bem pontuou Bruno Halpern,
vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da
Síndrome Metabólica (Abeso) e presidente eleito da WOF para o período
2026-2027, não basta força de vontade. Com tantos obesos no País, “não dá mais
para falarmos que cada um tem que mudar sozinho, que a mudança é individual”.
Por isso, a WOF apresenta uma série de
recomendações, como a promoção da atividade física, de políticas de rotulagem
de alimentos e de tributação diferenciada. São propostas meritórias, haja vista
que a atividade física, se estimulada como uma política pública, pode reduzir o
índice de obesidade; a rotulagem dos alimentos, que hoje já indica os riscos
para a saúde do consumo de determinados produtos, pode ser aprimorada; e o
aumento de impostos sobre os ultraprocessados ou as bebidas açucaradas pode até
inibir o consumo.
Mas uma realidade difícil se impõe para boa
parte das famílias brasileiras. Em que pese a epidemia da obesidade, é preciso
cautela com propostas que simplesmente visam a aumentar a taxação sobre
ultraprocessados, dado que esse tipo de alimento, embora esteja longe de ser a
melhor opção, é bastante consumido pela população mais vulnerável em razão do
baixo custo e da praticidade.
É óbvio que o ideal seria que todos os
brasileiros pudessem ter acesso a alimentos saudáveis, mas isso hoje é
economicamente impossível. Como mostrou pesquisa publicada na revista
científica Cadernos de Saúde Pública, apenas 22,5% dos brasileiros
consomem a quantidade ideal de frutas e hortaliças em razão da crise econômica
e dos preços.
Sem ação, a obesidade no País aumentará.
Segundo as projeções dos pesquisadores, serão 55,8 milhões de homens e 63,3
milhões de mulheres com IMC alto em 2030, ante 32,6 milhões de homens e 34,4
milhões de mulheres nessas condições em 2010. Para que esse quadro de
enfermidade mude e também para evitar seu aprofundamento, são necessários
esforços amplos de toda a sociedade, das esferas de governo e dos setores
produtivos.
Essa transformação exigirá políticas públicas
de estímulo à produção de alimentos saudáveis em larga escala, mais informações
à população sobre as vantagens da alimentação saudável e da atividade física, e
uma nova atitude frente aos alimentos em casa, sob responsabilidade das
famílias, e nas escolas, com a redução de ultraprocessados na merenda pública e
nos lanches das cantinas dos colégios particulares. Só assim as futuras
gerações não estarão condenadas a um futuro de restrições e sofrimento.
Mobilização contra uma doença silenciosa
Correio Braziliense
No Brasil, 66.517 adultos
estão na lista de espera por um transplante de órgão. Desse total, os de rim
lideram o ranking, com mais da metade das solicitações
"Seus rins estão ok?
Faça exame de creatinina para saber." Esse é o slogan da campanha
promovida pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) para o Dia Mundial do
Rim, na próxima quinta-feira, 13 de março. Este ano, a SBN vai divulgar cerca de
900 atividades que incentivam as pessoas a recorrerem ao exame de creatinina,
um dos melhores indicadores da saúde dos rins, porque avalia a capacidade do
órgão de filtrar resíduos do sangue. Os níveis elevados de creatinina podem
indicar doenças como insuficiência renal crônica, uma condição crescente no
Brasil.
Segundo a Associação
Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), dados de setembro de 2024 mostram
que, no Brasil, 66.517 adultos estão na lista de espera por um transplante de
órgão. Desse total, os transplantes de rim lideram o ranking, com mais da metade
das solicitações (36.642), seguidos por córnea (27.645), fígado (1.384),
coração (361), pâncreas/rim (283) e pulmão (190). Entre os estados, São Paulo
ocupa a primeira posição na busca por um órgão (24.572). Na sequência, Minas
Gerais (7.084), Rio de Janeiro (6.273), Bahia (3.736), Paraná (3.371) e
Pernambuco (3.139).
Com relação à mortalidade,
de 11.328 adultos e 2.916 crianças que ingressaram na lista de espera entre
janeiro e setembro de 2024, morreram, respectivamente, 238 e 12 pacientes, o
que comprova a importância de cuidar dos rins durante toda a vida. Sobretudo
porque os sintomas de complicações renais são perceptíveis — como cansaço
excessivo, aumento do volume de urina, inchaço e dor na região lombar —, mas os
primeiros indícios da doença renal crônica são silenciosos, como dificuldade de
concentração e perda de apetite. A enfermidade costuma ser descoberta em fases
mais avançadas, quando são considerados tratamentos desgastantes, como a
hemodiálise ou a diálise peritoneal.
Outro desafio é que o rim
transplantado não dura para sempre. Em média, um órgão sadio pode funcionar por
10 anos ou mais, mas aspectos como transplantes anteriores, intercorrências
ocorridas no momento do procedimento cirúrgico, o número de transfusões de
sangue recebido pelo paciente e a própria qualidade do órgão doado podem
interferir na duração de seu funcionamento.
Portanto, no checape anual
ou nos exames de rotina, seja com um clínico geral, seja com um urologista, é
fundamental que o médico solicite o teste da creatinina no sangue, além de
tantos outros, como o hemograma, glicemia de jejum, triglicérides e colesterol.
Se não o fizerem, que os pacientes os lembrem da necessidade de incluir a saúde
renal.
Prevenção nunca é demais. E
as medidas de educação em saúde, também. Entidades de saúde públicas e
privadas, juntamente com autoridades, precisam se mobilizar para escancarar ao
público a necessidade dos cuidados e, obviamente, a importância da doação de
órgãos. O Dia Mundial do Rim, na semana que vem, é uma boa oportunidade para
isso.
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