Lula se refugia entre aduladores e reforça erros do governo
Folha de S. Paulo
Presidente encara impopularidade com lentes
do passado, recusa responsabilidade fiscal e se afasta de forças moderadas
Por uma mistura de falta de visão
estratégica, apego a ideias obsoletas e má leitura do equilíbrio de forças na
política, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) avança pela
segunda metade de seu mandato sem um projeto claro sobre o que pretende fazer
daqui para a frente. Na dúvida, ele vira à esquerda.
Na economia livrou-se dos últimos vestígios
daquele verniz que vez ou outra o fazia prestigiar a agenda de mínima
responsabilidade orçamentária proposta pelo seu ministro da Fazenda, Fernando
Haddad. A opção pela gastança, que sempre foi a preferida de Lula, agora
está escancarada.
O presidente está à caça de "medidas" como liberações de créditos e recursos do FGTS que, de acordo com a sua cartilha primitiva de gestão pública, possam ajudá-lo a combater a impopularidade. Como decidiu torrar recursos no início da administração, as opções agora são restritas.
O custo de continuar pisando no acelerador
também ficou difícil de enfrentar. Não dá para empurrar a conta para o mandato
seguinte, um clássico na política, com a inflação à
porta. Toda pressão extra no gasto federal vira carestia, toda heterodoxia
populista impulsiona a cotação do dólar e as
taxas de juros da
praça.
Esse será o efeito de qualquer "atitude
mais drástica", palavras de Lula, que o presidente vier a tomar para frear
na marra a inflação da comida. A ida ao supermercado não deixará tão cedo de
ser uma experiência desagradável para milhões de brasileiros.
Diante desse quadro desfavorável, o chefe do
governo tem basicamente duas linhas de resposta.
A mais promissora, embora desconfortável para
um líder vaidoso, passa pelo exercício da autocrítica e pela inculcação da
necessidade de alterar a rota. Trata-se de se reaproximar das racionalidades
econômica —que exige neste momento austeridade fiscal— e política —a aliança
com as forças moderadas na sociedade e no Congresso.
A segunda vereda é a de reforçar o que já se
provou um equívoco. Dar as costas à agenda do controle da dívida pública e
encastelar-se entre forças sociais e políticas de ideias envelhecidas e pouca
representatividade parlamentar foi a escolha de Lula.
Ele preferiu a familiaridade de assessores e
aduladores que atribuem o declínio da popularidade à má comunicação do governo,
e não à desconexão com o Brasil atual. Nomeou uma imoderada, Gleisi
Hoffmann, para
articular as pautas do governo no Legislativo e cogita nomear
outro, Guilherme
Boulos (PSOL),
para o ministério.
Os titulares da Previdência e do Trabalho
ainda não superaram o século 20 nas suas mentalidades. O mandatário continua
achando que posar de pai dos pobres, de provedor-geral da nação, vai lhe render
dividendos eleitorais.
Sem inspiração, sem projeto, sem tirocínio,
sem nem sequer a sagacidade de outras passagens do maior líder da moderna
esquerda brasileira, a terceira Presidência Luiz Inácio Lula da Silva corre
grande risco de ser a pior.
A punição do racismo no futebol não pode
esperar
Folha de S. Paulo
Atos discriminatórios exigem sanção severa,
que não depende da Justiça; já há normas para repreender clubes e torcedores
Jogador do time sub-20 do Palmeiras,
Luighi Hanri foi alvo de racismo durante
partida da Copa Libertadores no Paraguai.
Torcedores do Cerro Porteño —um deles com uma criança no colo— dirigiram-se
ao brasileiro imitando um macaco.
O gestual, que visa humilhar pessoas negras,
é grave e merece sanção severa por parte dos clubes e da Confederação
Sul-Americana de Futebol (Conmebol),
organizadora do evento.
Em nota, a entidade condenou todo ato de
racismo ou discriminação e se comprometeu a adotar medidas disciplinares. O
Palmeiras qualificou o episódio de "inadmissível" e
"repugnante".
Notas de repúdio, entretanto, são
insuficientes. Dirigentes não precisam esperar a conclusão de investigação
criminal pela Justiça. Com base no Código Disciplinar da Fifa, por exemplo,
e outras normativas do futebol, clubes e confederações podem agir para
identificar e punir responsáveis.
O código disciplinar da própria Conmebol
determina que um
clube pode ser multado em US$ 100 mil (R$ 576,8 mil) se um de seus
torcedores agir de modo discriminatório —em caso de reincidência, o valor chega
a US$ 400 mil (R$ 2,3 milhões).
Mas a condenação esbarra numa cultura que,
por vezes, considera tais comportamentos como mera provocação, quando na
verdade são manifestações racistas.
O
ataque reiterado contra o brasileiro Vini Jr., do Real Madrid,
revela o árduo caminho para a responsabilização. No final de fevereiro, o
jogador foi insultado com imitação de macaco por um torcedor da Real Sociedad.
A liga espanhola já apresentou 48 queixas sobre discriminação no esporte, sendo
que em 23 desses processos o alvo foi Vini Jr.
Também é necessário fortalecer as campanhas
contra o preconceito no futebol e as regras disciplinares de clubes e
entidades, além de instituir uma rede de apoio aos jogadores que são vítimas de
preconceito.
Desde o ano passado, a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) adota o
protocolo de gesto antirracismo da Fifa, pelo qual a pessoa que for alvo de
discriminação pode fazer um sinal de protesto para que a partida possa ser
interrompida imediatamente.
Com a lei 14.532, de 2023, o ordenamento
jurídico sobre o tema no Brasil passou a incluir penalização específica no
contexto de atividades esportivas, que prevê a proibição de entrada em estádios
por três anos a quem for condenado por racismo.
Repúdio por meio de notas é apenas o início.
Cabe aos dirigentes mostrarem que punição e educação fazem parte do jogo.
Reconhecimento facial traz mais ganhos que
danos
O Globo
É inequívoco benefício na elucidação de
crimes, mas é preciso haver controle para evitar uso malicioso
Nos carnavais de Rio, São Paulo, Minas, Bahia
e Pernambuco, o
reconhecimento facial ajudou a polícia a prender mais de 140 foragidos e
suspeitos, segundo noticiou O GLOBO. Em São Paulo, o programa Smart
Sampa resultou, segundo a Prefeitura, na prisão de pelo menos 13 criminosos. O
prefeito Ricardo Nunes (MDB) até inaugurou, perto da Prefeitura, um totem
batizado Prisômetro, com o total de detidos. No Rio, a tecnologia ajudou em 13
das 52 prisões feitas no carnaval. Em
Salvador, o reconhecimento facial localizou 42 foragidos em circuitos
carnavalescos. Outros quatro foram detidos no Recife, além de mais 72 em Belo
Horizonte.
Em apenas três meses, o programa de
vigilância da PM fluminense já deteve 500 suspeitos, auxiliado por um sistema
de monitoramento com mais de 260 mil dispositivos digitais. As imagens foram
usadas para desbaratar uma quadrilha especializada no furto de celulares em
blocos de rua, com a prisão de quatro suspeitos e recuperação de 17 aparelhos.
Mas, se é inequívoco o benefício da tecnologia no trabalho da polícia, ela
também levanta preocupações sensatas sobre a preservação da privacidade e o uso
das imagens.
Não faz muito tempo, câmeras de rua eram
usadas exclusivamente para monitorar o trânsito. A evolução tecnológica e
consequente redução de custos fez com que empresas privadas as espalhassem
pelas cidades, firmando acordos com estados e prefeituras para análise das
imagens de vigilância de casas e condomínios. Graças à inteligência artificial,
elas podem identificar atividades ilícitas, rostos de criminosos e placas de
veículos. Em apenas cinco anos, uma das maiores empresas do setor já instalou
mais de 10,5 mil câmeras entre Rio e São Paulo. Ajudou até agora na elucidação
de 8,7 mil crimes, com a prisão de 524 suspeitos. Apenas oito foram
inocentados.
Toda vez que o sistema identifica um veículo
roubado, a PM do Rio é avisada. A polícia ainda tem acesso em tempo real ao
monitoramento. Começa a haver uma nova rotina nas delegacias: feito o registro
de uma ocorrência, a polícia procura a empresa, que cede as imagens do delito.
De posse delas, tem sido possível elucidar metade dos crimes — 40% contra
clientes da própria empresa e 10% contra outras vítimas. A colaboração também
ocorre em São Paulo.
Já houve, contudo, casos no Rio em que, por
falha na identificação, inocentes passaram pelo dissabor de uma abordagem
policial. A onipresença da vigilância também aumenta a preocupação com os
limites que devem ser impostos ao uso das imagens privadas. “A gente tem uma
resposta ruim a um problema sério, que cria ainda mais ruído quando as soluções
não são acompanhadas de uma regulamentação que diga exatamente quais são os
limites, as possibilidades de uso e a responsabilidade caso haja mau uso”, diz
o pesquisador Pablo Nunes, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Não há dúvida de que é preciso estabelecer regras claras para preservar a privacidade dos cidadãos filmados, além de impedir as empresas de usar as imagens para fins privados sem consentimento. Não é difícil imaginar situações absurdas que podem ser criadas com o uso malicioso do vasto material gerado pelo Big Brother nas ruas. Sem regulação que proteja os direitos individuais, há enorme potencial para danos que, no limite, porão em risco as inegáveis contribuições da tecnologia para a segurança pública.
Cabe aos pais evitar uso excessivo de celular e eletrônicos pelos filhos
O Globo
Em dez anos, dobrou a quantidade de crianças
entre 6 e 8 anos que acessam a internet, revela pesquisa
No momento em que a preocupação com o uso
excessivo de telas leva escolas de todo o país a banir celulares, as crianças
brasileiras de 6 a 8 anos usando a internet dobraram entre 2015 e 2024, de 41%
para 82% do total na faixa etária. Nas classes A e B, são 97%, segundo
levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade
da Informação (Cetic.br), produzido a partir das pesquisas TIC Kids Online
Brasil e TIC Domicílios. Os números podem ser ainda maiores, uma vez que os
adultos, responsáveis pelas informações, tendem a subestimar o uso da internet
pelos menores. No grupo até 2 anos, ele aumentou de 9% para 44%. Entre 3 e 5
anos, de 26% para 71%. A pesquisa mostra ainda que os pequenos ganham celulares
cada vez mais cedo. As crianças de 6 a 8 anos que já têm seus próprios
aparelhos passaram de 18% para 36%.
O uso de telas por crianças e adolescentes
está no centro de um debate nacional que envolve educadores, pais de alunos e
organizações da sociedade civil. Em janeiro, foi sancionada uma lei proibindo
celulares não só em salas de aula, mas também nos intervalos em escolas
públicas e privadas. A iniciativa federal surgiu na esteira de legislações
municipais e estaduais restringindo o aparelho nas escolas. A tramitação do
projeto no Congresso obteve raro consenso entre as diversas forças políticas.
Em 2023, um relatório da Unesco já alertara sobre distração e prejuízos ao
aprendizado pelo uso de celulares.
Se, nas escolas, a questão parece pacificada,
no ambiente doméstico a regulação fica por conta dos pais ou responsáveis.
Pesquisas mostram que o uso da internet por menores costuma estar ligado a
trabalhos escolares. Mas as mesmas telas que ampliam as fronteiras do
conhecimento embutem riscos, como disseminação de desinformação, preconceito,
ódio, pornografia, contatos com desconhecidos mal- intencionados e outras
mazelas.
O excesso de uso de eletrônicos pode ter
efeitos nocivos. Crianças de 1 ano que passam de uma a quatro horas por dia na
frente das telas têm maior risco de sofrer atraso no desenvolvimento de
comunicação, resolução de problemas, capacidade motora e habilidades pessoais e
sociais. A entrada de menores no mundo digital deveria, pela recomendação dos
pesquisadores, ser adiada ao máximo. Redes sociais deveriam ser liberadas
apenas a partir dos 16 anos, como as próprias plataformas sugerem.
Num mundo em que a tecnologia impõe mudanças
na educação e
no mercado de trabalho, o contato com celulares pode contribuir para melhorar a
formação, desde que com critério, bom senso e seguindo as orientações
científicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que menores de 2
anos fiquem longe das telas. Nas faixas de 2 a 5 anos e de 6 a 10, o máximo
recomendado é uma e duas horas, respectivamente. Fora da escola, cabe aos pais
supervisionar as crianças, levando em conta que os filhos também precisam ter
interação social. Existe vida fora das telas.
O mito do encarceramento em massa
O Estado de S. Paulo
O Brasil não prende demais. Prende mal.
Violência e corrupção endêmicas evidenciam impunidade. Se os presídios se
tornaram usinas de crimes, precisam ser reformados, e não esvaziados
O sistema penitenciário tem três
finalidades: proteger a sociedade dos criminosos, desencorajar aspirantes ao
crime e reabilitar os apenados. Mas os cárceres brasileiros fracassam
miseravelmente nesses fins e promovem seu exato oposto. Transformados em usinas
do crime, os presídios, que deveriam ser o símbolo máximo do poder do
Estado, são o emblema gritante de sua falência.
Contribuem para a calamidade falhas
crônicas: o déficit de vagas e a consequente superlotação; a baixa oferta
de trabalho ou educação e o consequente ócio destrutivo; a convivência de
delinquentes contumazes de alta periculosidade com condenados por delitos de
baixo potencial ofensivo ou presos provisórios e o consequente recrutamento
para as “academias do crime”; enfim, as condições desumanas de detenção e a
consequente bestialização dos detentos.
Mas um diagnóstico seletivo motivado por
ideologias delirantes produz soluções contraproducentes. A obsessão
progressista com “estruturas de poder” e “sistemas
de opressão” esvazia as responsabilidades individuais e reduz a
criminalidade a um problema de “justiça social”
e o criminoso, a “vítima do sistema”. O sonho de uma
esquerda hegemônica nos departamentos de humanidades produz monstros
como o “abolicionismo penal”, segundo o qual as
prisões e, no limite, todas as penas deveriam ser abolidas e substituídas por
programas de reeducação e assistência
social.
Dados são torturados para legitimar mitos
como o “encarceramento em massa” e seu consequente remédio: o
desencarceramento em massa. Ao mantra do “Brasil prende demais” aplica-se um
verniz científico com estatísticas como “a terceira maior população
carcerária do mundo”.
A falácia dos números absolutos é
facilmente refutável: qual é o grande escândalo, se o Brasil tem a sétima
maior população do mundo e o maior número de homicídios do mundo? Como
dizer que o País prende “demais” quando, na melhor das hipóteses, apenas
pouco mais de um terço desses homicídios é esclarecido, e, na pior, menos de
um décimo?
Dos 849 mil apenados, segundo a Secretaria
Nacional de Políticas Penais, 201 mil estão em liberdade, e metade não
utiliza tornozeleira eletrônica. Os 663 mil presos de fato colocam o Brasil na
31.ª posição global em encarceramento per capita – não parece
“demais” para um país que, em termos per capita, oscila entre os 20
países do mundo em que há mais homicídios. De resto, só 359 mil estão em
regime fechado, os demais estão em regime semiaberto (112 mil), aberto (4 mil)
ou são provisórios.
Ainda que os ideólogos mais extremistas
estejam confinados às torres de marfim da academia, o proselitismo
abolicionista insufla o ideário de boa parte das elites do sistema de Justiça. A Súmula
Vinculante 56 da Suprema Corte, normatizada na reforma da Lei de Execução Penal,
estabeleceu que os presos podem ser colocados em liberdade quando faltam vagas
no sistema prisional. É como resolver a falta de leitos no Sistema Único de
Saúde (SUS) enxotando doentes das enfermarias, ou extinguir os erros médicos
e a violência policial extinguindo os hospitais e a polícia.
Em artigo no site jurídico Jota, o
criminalista Fillipe Azevedo Rodrigues evidenciou como a mendacidade
abolicionista alimenta um ecossistema de impunidades: o regime semiaberto, que
deveria proporcionar uma transição segura e gradual, garantindo que os
apenados trabalhem e contribuam para a sociedade, se transformou num
instrumento de desencarceramento e negligência estatal à pena
de prisão.
O problema não é o excesso de
encarceramento, é a falta de cárceres. O País precisa construir mais e
melhores presídios e colônias penais que garantam um regime de progressão de
pena realmente justo e reabilitante, atendendo às finalidades retributivas,
preventivas e educativas do Direito Penal. A mistura explosiva de violência,
corrupção e impunidade alimenta a descrença da população no Estado de
Direito e a revolta com suas autoridades. A cada delito de um criminoso que
deveria estar detido, a chaga se aprofunda. A solução não é prender
muito, como quer uma direita truculenta, nem prender pouco, como quer uma
esquerda leviana. A solução é prender bem.
O mais difícil para o governo está por vir
O Estado de S. Paulo
As primeiras trocas de ministros – e os
sinais que Lula emitiu – tornam mais penosa a segunda etapa da reforma
ministerial, quando o governo precisará agradar a aliados centristas
Quando, no fim de dezembro, reuniu seus
ministros no Palácio da Alvorada e admitiu que faria mudanças no primeiro
escalão, o presidente Lula da Silva deflagrou um processo no qual poderia
escolher entre dois caminhos prováveis: um muito difícil e o outro ainda
pior. Realizá-las de uma só vez ou fatiá-las, trocar ministros em profusão
ou optar por trocas pontuais, pouco importa – tempos difíceis se
avizinhavam para uma reforma anunciada como tábua de salvação de um governo sem
rumo e sem ideias. Afinal, reformas ministeriais costumam dar dor de cabeça a quem as promove,
em razão da complexa tarefa de acomodar novos e antigos aliados,
redistribuir cargos e orçamentos, recuperar ou
adquirir musculatura política para aprovar agendas prioritárias ou preparar a
coalizão para a próxima disputa. No atual estágio de Lula da Silva, a essas
dificuldades seriam acrescidas outras, como a ineficiência
do Ministério e a impopularidade do governo e do presidente, agravando ainda
mais o que já é difícil.
Passados mais de dois meses daquela reunião,
Lula da Silva conseguiu surpreender negativamente até mesmo os mais céticos.
No lugar de realizar uma reforma ministerial de uma só vez, resolveu
fatiá-la, estendendo o período de calvário dos ministros candidatos à
demissão. Alguns deles (já trocados, como Nísia Trindade, ou com potencial
para serem demitidos, como ao menos uma dezena de inquilinos da Esplanada dos
Ministérios) foram empurrados para a fritura pública palaciana por mais tempo
do que deveriam – algo que, no cotidiano de suas pastas, paralisa programas e
amplifica a inércia do governo. E o mais grave da reforma a conta-gotas: o
presidente preferiu iniciá-la para resolver problemas internos do PT, imerso
numa disputa fratricida entre grupos antagônicos e às vésperas da sucessão
do comando do partido, hoje dirigido por Gleisi Hoffmann, agora promovida a
ministra. E, na deliberação dos conflitos petistas, Lula da Silva pareceu
pender ainda mais para a esquerda, levando consigo o governo e o País.
Essa escolha tornou ainda mais complicada a
segunda etapa da reforma ministerial, destinada a reacomodar aliados
governistas que não são meros satélites do universo petista. Obcecado com a
popularidade perdida e ansioso pela eleição, Lula da Silva intuiu que precisa
acelerar as pautas da esquerda – o que obviamente
torna ainda mais penosa a tarefa de manter legendas centristas tradicionais,
como o PSD, e partidos do Centrão, como União Brasil, PP e Republicanos,
todos integrantes do governo, mas com porta-vozes cada vez mais ferozes na
crítica ao terceiro mandato lulopetista. Na cosmologia do poder, quanto mais
difícil o apoio, mais caro é obtê-lo e, portanto, maior prejuízo ao País.
Trata-se do que este jornal já chamou de quadratura do círculo da sua reforma
ministerial: um Executivo enfraquecido e impopular que espera agradar a aliados
centristas enquanto deseja acelerar uma agenda de esquerda e resiste a dividir
o poder.
Não só Lula da Silva não entendeu até
aqui a natureza da frente democrática que o elegeu, como também não
demonstrou ter aprendido alguma coisa com as sequelas deixadas pelas derrotas
no Congresso. Seu Ministério não refletiu nem representou a frente que se
dispôs a apoiá-lo. Sua fragilidade na articulação política tornou ainda
mais evidente a carência de ideias novas vindas dele e do PT. E sua
dificuldade de entender as mudanças no Brasil e no mundo aprofundou a
incapacidade de enxergar soluções
compatíveis com os novos tempos. Com uma base parlamentar inchada, fragmentada
e hostil, um Executivo frágil e impopular e um Legislativo fortalecido pelas
emendas parlamentares, Lula da Silva terá de distribuir mais poder, o que
nunca fez. Afinal, quanto maior e mais heterogênea a coalizão
governista, mais difícil seu manejo e mais frágil a governabilidade.
Resta saber se o presidente compreenderá
esses limites e exigências ao promover as próximas mudanças. Os sinais que
emitiu até aqui desabonam prognósticos animadores, e o que já é complexo em
tempos normais pode se tornar uma missão quase impossível diante de
condições anormais e de um presidente que continua a acreditar em seus
poderes políticos sobrenaturais.
Semeando vento
O Estado de S. Paulo
Estímulo do governo ao consumo incrementa o
PIB, mas pode criar tempestade econômica
Para enaltecer o crescimento de 3,4% do
Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, Lula da Silva profetizou em redes sociais
que “2025 será o ano da colheita”, mas não especificou a que safra se
referia. Diz a sabedoria popular que quem semeia vento colhe tempestade, e é a
esse “plantio” que o presidente vem se dedicando com afinco desde o início de
seu terceiro mandato, como comprova a disparada de 4,8% no consumo das
famílias em 2024, o maior propulsor do PIB.
Com a maior alta em 11 anos, os gastos dos
brasileiros empurraram a economia, embalados pelas políticas de incentivo do
governo. Por óbvio, trouxeram o efeito colateral de aumento da inflação –
que não preocuparia Lula não fosse o nível de espalhamento que atinge
indistintamente os alimentos e, por tabela, sua popularidade. Recente pesquisa
da AtlasIntel mostra que já passa de 50% a parcela de eleitores que avaliam o
governo Lula como ruim ou péssimo.
É fato que o investimento também subiu em
2024, especialmente no último período do ano, quando a alta de 7,3% na formação bruta de capital
fixo (investimento em máquinas, equipamentos, construções diversas e obras
de infraestrutura) em relação
ao quarto trimestre do ano passado levou a taxa de investimento do ano a 17%. A
alta é boa notícia, mas o patamar é ainda pífio, insuficiente para garantir
um crescimento econômico sustentável. Para manter a alta de 3,5% ao ano por
ao menos uma década, como o País precisa para acelerar o desenvolvimento, a
taxa teria de ficar ao redor de 25%.
O PIB de 2024, que mantém o Brasil entre as
dez maiores economias do mundo, é a parte boa e visível de uma economia
aquecida. O problema está na fórmula de crescimento, baseada em incentivo ao
crédito, incremento de gastos públicos, ampliação de programas de transferência
de renda e baixíssima contrapartida com aumento de capacidade produtiva. Está
aí a receita do sobreaquecimento econômico que leva ao
descontrole da inflação e, em última
instância, à recessão.
O consumo caiu 1% no quarto trimestre de 2024
em razão basicamente do processo inflacionário. Foi a primeira queda no ano
depois de três trimestres em franca expansão. Em condições normais, deveria
continuar moderado para que a inflação convergisse para a meta de 3% e a
economia buscasse sua real dimensão para tornar viável a queda dos juros,
possibilitar um aumento natural do investimento e do crédito e, aí sim,
crescer de forma sustentável.
Mas Lula da Silva tem pressa para granjear um
bom resultado eleitoral, mesmo que à custa do comprometimento econômico
futuro. A desaceleração buscada pela política monetária do Banco Central,
que caminha para uma taxa de juros acima de 15% ao ano, como prevê o mercado
financeiro, dificilmente será obtida com o governo jogando contra, insistindo
em suas políticas de estímulo ao crédito e ao consumo, ao estilo do crédito
consignado privado e da distribuição do FGTS. Lula persiste na ladainha de que
vai botar “dinheiro rodando na mão do povo”, o que pode até lhe render um
punhado de votos, mas só servirá para criar legiões de endividados.
É preciso punir o racismo no futebol
Correio Braziliense
O Brasil, como potência no futebol e país que
adota uma legislação específica contra o racismo, precisa estar à frente do
movimento para punir aqueles que disseminam o ódio contra a cor da pele
Na última quinta-feira, mais um atleta
brasileiro foi alvo de ofensas racistas nos estádios de futebol. Desta vez, o
episódio ocorreu no Paraguai, durante partida entre o Palmeiras e o Cerro
Porteño, pela Libertadores sub-20. Além de sofrer cusparadas da torcida
adversária, o atacante Luighi, 18 anos, viu e ouviu uma agressão tão
inaceitável quanto recorrente: um homem se dirigiu a ele imitando gestos de um
macaco. O racista segurava uma criança de colo, que infelizmente não tem
consciência do alcance desse comportamento tão abjeto.
Luighi não escondeu a revolta. Chorou quando
foi para o banco de reservas. E, também em lágrimas, em entrevista após o jogo
para a Conmebol, disparou contra o segundo ato de violência que se tornou
contumaz nesses momentos: a tentativa de normalizar o racismo. "É sério
isso? Você vai perguntar sobre o jogo mesmo? A Conmebol vai fazer o que sobre
isso? Você não ia perguntar sobre isso, né? Fizeram um crime comigo",
protestou o jogador ao repórter.
Já passou da hora de os dirigentes do esporte
mais popular do mundo tomarem medidas efetivas para que episódios ultrajantes
como esses não se repitam. É preciso punir, sim, com rigor as federações e os
clubes como resposta à conduta criminosa de torcedores. Assim como
encontraram-se soluções para coibir a violência física em jogos de futebol —
conhecida como hooliganismo —, é urgente adotar práticas que afastem dos
estádios atos repugnantes como esse ocorrido no Paraguai. Na América do Sul, na
Europa ou em vários outros cantos do planeta, o racismo continua presente.
Trata-se da antítese dos princípios do esporte, que busca premiar os melhores
atletas, independentemente de raça ou religião.
O presidente da República, a Confederação
Brasileira de Futebol, a presidente do Palmeiras e os principais clubes
brasileiros se juntaram ao movimento de repúdio ao ato racista contra Luighi.
Entre as reivindicações, defende-se a retirada do Cerro Porteño da competição.
Mas não basta. Enquanto prevalecer o entendimento de que punições pontuais são
a solução para "casos isolados", atletas serão submetidos a toda
sorte de humilhação, desrespeito e crimes quando estiverem em campo ou fora
dele. É preciso uma ação mais ampla e rigorosa, que efetivamente faça a
diferença no cotidiano do futebol.
O racismo é implacável até mesmo com atletas
consagrados. Eleito melhor jogador do mundo em 2024, há muito o brasileiro Vini
Jr. trava uma batalha, muitas vezes solitária, contra a intolerância racial.
Mesmo quando recebeu o título da Fifa, o craque do Real Madrid e da Seleção
Brasileira continuou a ser alvo de ofensas, particularmente nas redes sociais.
E continua a ser ofendido quando está em campo, como se viu na semana passada.
Em um exemplo de determinação, Vini Jr. tem reiterado que não pretende recuar
ante os ataques racistas. E enviou uma mensagem de solidariedade ao jovem
atacante Luighi.
Diga-se: na fatídica partida contra o Cerro Porteño, o Palmeiras venceu por categóricos 3x0. Sem ofensas e com gols. Na bola e no futebol. O Brasil, como potência no esporte de apelo global e país que adota uma legislação específica contra o racismo, precisa estar à frente do movimento para punir aqueles que disseminam o ódio contra a cor da pele. Basta de racismo. Nos estádios e fora deles.
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