segunda-feira, 10 de março de 2025

Políticas para mulheres: como ir além do papo-furado? - Bruno Carazza

Valor Econômico

Intenção do governo é positiva, mas falta ênfase para melhorar a condição feminina no Brasil

Numa entrevista que concedeu ao Valor no início da campanha eleitoral de 2022, o candidato Ciro Gomes tentou atacar o seu rival Lula descrevendo como seria a composição do ministério do petista caso ele saísse vitorioso na eleição:

“Ele [Lula] vai botar um banqueiro na Economia, entregar as políticas de papo-furado - mulher, índio e negro - para o PT se divertir, a política e o orçamento pro Centrão e vai passear no estrangeiro”, afirmou Ciro, com a sua habitual falta de senso. Na época pegou bastante mal para o político cearense chamar de “papo-furado” políticas públicas voltadas para importantes contingentes minorizados da população.

No sábado (08), Lula utilizou sua conta no X para “homenagear a luta das mulheres brasileiras”. Dias antes, contudo, ele havia demitido uma ministra com reconhecido perfil técnico como Nísia Trindade sob a justificativa de que faltava a ela “agressividade” na política. Foi inevitável lembrar do controverso Ciro debochando do real compromisso de Lula com a causa feminina.

Ainda na rede social de Elon Musk, Lula elencou algumas das medidas tomadas pelo seu governo, a começar pela criação do Ministério das Mulheres: aprovação da Lei da Igualdade Salarial, a retomada do Programa Mulher Viver Sem Violência e o lançamento do Pacto Nacional de Prevenção de Feminicídios, investimentos na construção de creches e escolas em tempo integral, além da instituição da iniciativa Elas Empreendem e do Prêmio Mulher e Ciência.

De fato, Lula foi o primeiro presidente a dar à Secretaria de Políticas para Mulheres o status de ministério, em 2010. Em 2015, porém, numa reforma ministerial criada para tentar salvar seu governo, Dilma Rousseff rebaixou a importância da área, agrupando diversas temáticas numa única pasta, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, que depois foi rebatizado de Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por Jair Bolsonaro.

O terceiro mandato de Lula tem o mérito não apenas de recuperar o protagonismo da temática feminina na Esplanada - e para isso é bastante simbólico nomear a pasta como Ministério das Mulheres - como é louvável a tentativa do governo de reorientar suas ações, que sob a gestão de Bolsonaro e sua ministra Damares Alves havia conduzido as políticas públicas da área sob um viés conservador, religioso e, é preciso dar o nome certo às coisas, misógino.

Entre o discurso e a prática, porém, há um longo caminho - e é preciso analisar criticamente o que, para além da propaganda das redes sociais, vem sendo feito pela atual administração federal para reduzir a desvantagem política, social e econômica que assola das mulheres.

Começando por aquilo que depende apenas da sua caneta, Lula avançou muito pouco em termos de promoção de mulheres a posições de liderança em seu governo. De acordo com o Painel Estatístico de Pessoal, em janeiro de 2025 apenas 41,6% dos cargos de liderança no governo federal eram ocupados por mulheres, um avanço decepcionante em relação ao índice observado nesta mesma altura do mandato de Bolsonaro (39%).

Muito mais complexo, porém, é mudar a dura realidade que aflige diariamente as mulheres do país. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 cresceram todas as modalidades de violência contra elas, como estupros (6,5%), tentativas de homicídio (9,2%) e feminicídios (0,8%). Embora a reformulação do Disque 180 e a liberação de recursos para o programa Casa da Mulher Brasileira (com 16 unidades entregues, 18 em obra e 28 no projeto) sejam medidas positivas, reduzir o número de atentados contra mulheres exige uma ampla política nacional de segurança pública, item no qual o governo patina.

Lula cumpriu a promessa de recompor o orçamento do Ministério das Mulheres para o nível vigente no governo Dilma, mas esqueceu de dizer que na sua conta não entrava o reajuste da inflação, o que gera uma defasagem real de 67% em relação a 2015. Para piorar, dos R$ 257 milhões alocados para a pasta em 2024 (o terceiro menor orçamento do governo), só 22% foram liquidados, segundo informações do Portal da Transparência.

No que diz respeito à questão econômica, ainda que seja meritória a aprovação da Lei nº 14.611/2023, chamando a atenção para as disparidades salariais de gênero, menos de metade das mulheres com mais de 14 anos estava trabalhando no final de 2024 (49,1%, comparado com 69% dos homens). Além disso, a taxa de desemprego entre as trabalhadoras brasileiras (7,6%) era muito superior à masculina (5,1%).

Dificilmente teremos alteração nesse quadro enquanto, segundo o Inep, ainda faltarem 900 mil vagas para o Brasil atingir a meta pouco ambiciosa de ter 50% das crianças com até três anos matriculadas em creches; ou, ainda, apenas 14,9% dos alunos do ensino fundamental frequentarem escolas em período integral.

A volta de Lula e do PT representa sem dúvidas um olhar mais atento para os problemas que as mulheres enfrentam. Para ir além do “papo-furado”, porém, é preciso muito mais empenho do governo.

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