O Globo
A inflação não é só de alimentos. Está
espalhada. Quando a cada mês aparece um “culpado”, é sinal de que o problema é
geral
Não é a primeira vez que Lula acusa
atravessadores pelo aumento de preços. Ontem o presidente levantou essa
suspeita no caso dos ovos. Antes, havia acusado distribuidores pelo preço dos
combustíveis. A tática é manjada. Trata-se de tirar a responsabilidade do
governo, encontrar um culpado externo e prometer “ir atrás” dele. Disse ontem
que poderia tomar “medidas drásticas”.
Não explicou o que seriam, mas o cardápio é conhecido na história de governos populistas. Uma variável, muito praticada nas gestões peronistas na Argentina, é cobrar imposto sobre os exportadores para encarecer o produto no exterior, de modo que os produtores tenham de vender no mercado interno. Nunca funcionou. O exportador, diante do preço não compensatório, simplesmente deixa de produzir ou produz o mínimo para manter a fazenda funcionando. Fica o pior dos mundos. Negócio ruim para os produtores, perda de divisas para o país, escassez e preço alto para o consumidor.
Não se fez isso por aqui. Mas a proposta foi
considerada dentro do governo. Outra medida extraordinária pode ser o
tabelamento de preços. Deu tão errado quando usada, levando a grave escassez no
Plano Cruzado de 1986, que nenhum outro governo tentou a coisa de novo. Ainda
bem.
Mas a ameaça a atravessadores acende o sinal
de alerta. Mesmo porque não há ninguém atravessando os preços de hoje. O ovo
está caro por uma combinação de fatores: produção menor, até por causa do
calor, demanda maior e custo elevado da ração, o milho. Nos Estados Unidos, o
preço do ovo ficou proibitivo por causa da gripe aviária, que exigiu o
sacrifício de milhões de aves. Sem a produção interna, os americanos foram ao
mercado externo, demanda que causou alta das cotações internacionais.
Por que o milho também ficou caro por aqui?
De novo, baixos estoques, demanda alta, mesmo para a produção de etanol, e
dólar caro. Milho é commodity, com cotações determinadas pelo mercado
internacional.
E os combustíveis? Distribuidores e postos
ficam com uma pequena parte do preço, por um serviço complexo — levar o produto
das refinarias até o consumidor final, passando por este imenso país de
logística cara. Toda semana, a Petrobras publica em seu site a decomposição do
preço nacional médio dos combustíveis. Na informação mais recente, a gasolina
estava em R$ 6,36 por litro, na bomba. Parte da Petrobras: apenas R$ 2,21.
Entre um valor e outro, se há algum
atravessador, é o governo. Os impostos compõem 34% do preço final (ou R$ 2,16).
A maior parte é o ICMS estadual. Depois, há a mistura obrigatória de etanol
(mais 88 centavos). Distribuidores e postos levam apenas R$ 1,11 por litro, que
parece um valor até baixo pela complexidade do negócio.
Nos mercados livres, os preços variam
conforme as diversas circunstâncias. Para a população, entretanto, preço alto é
sempre culpa do governo. Trump ganhou a eleição atacando o alto custo de vida,
embora a inflação estivesse
baixa, rodando pouco acima dos 2%. Mas inflação em queda significa apenas que
os preços sobem menos — não necessariamente que estejam em queda. É possível
ter inflação zero — variação zero de um mês para outro — com preço mantido em
nível alto.
A população nem sempre está errada. Não raro,
políticas equivocadas desarrumam a economia. No caso do Brasil, o governo tem
razoável responsabilidade pela alta do dólar, que eleva a cotação de diversos
produtos. Incertezas geradas pela política econômica levam à compra de dólares,
ativo seguro, até para tirar dinheiro do país.
Além de tudo, a inflação não é só de
alimentos. Está espalhada. Quando a cada mês aparece um “culpado” — ora ovos e
café, depois matrículas escolares, preços de passagens aéreas, entrada de
shows, roupas ou o que for —, é sinal de que o problema é geral. No nosso caso,
isso está ligado ao excesso de gastos do governo, o impulso fiscal que faz o
país consumir mais do que pode produzir e importar. Dá em inflação. Indo atrás
dos culpados, Lula vai parar no Palácio do Planalto.
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