Valor Econômico
Signatários da anistia somam o triplo da
bancada do PL. São de partidos que integram o governo Lula mas querem enfrentar
o STF para recuperar prerrogativas usufruídas sob Bolsonaro
Em menos de três meses desde sua volta à Casa
Branca, a extrema-direita foi capaz de deixar em apuros o mercado de títulos
públicos, reserva da poupança americana, desvalorizar o dólar frente às
principais moedas e desmantelar cadeias mundiais de produção com as idas e
vindas de seu tarifaço.
O Brasil tem conseguido escapar relativamente
ileso, com chances de vir a ganhar mercados anteriormente ocupados pelos
chineses, graças ao pragmatismo e à capacidade de negociação do Itamaraty e do
vice-presidente Geraldo
Alckmin.
O que resta por ser explicado é como, neste momento de demonstração inequívoca de incúria administrativa de Donald Trump, o bolsonarismo, que nele se espelha, dê sinais tão contundentes de vitalidade, como o alcance das assinaturas necessárias para a urgência do projeto que anistia os golpistas do 8/1, protocolado na tarde desta segunda na Câmara.
As 264 assinaturas alcançadas, sete a mais do
que o necessário, somam quase o triplo da bancada do PL. Quem dá sobrevida ao
bolsonarismo são parlamentares espalhados por siglas como PP, União e PSD, que
compõem o governo Luiz Inácio Lula da
Silva.
Como a maioria dos brasileiros refuta a
anistia é difícil entender por que o tema alcança apoio majoritário na Câmara.
Some-se a isso o interesse dos caciques desses partidos em lançar nomes
alternativos na disputa
presidencial de 2026, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e de
Goiás, Ronaldo Caiado,
para que reste por ser explicado o alcance tão eloquente da causa.
O aparente contrassenso se explica no apelo
que o bolsonarismo tem na eleição proporcional. De que outra maneira o PL teria
conseguido fazer a maior bancada da Câmara com nomes como o subtenente Hélio Lopes (PL-RJ) como o
deputado federal mais votado do Rio em 2018, quando adotou o nome de “Hélio
Bolsonaro”? Reeleito, com 200 mil votos a menos depois que o TRE-RJ vetou o uso
de sobrenome fantasia, apresentou um projeto pelo “Dia Nacional da Facada Nunca
Mais”.
Não se trata de
devolver a elegibilidade de Jair Bolsonaro, mas de se valer de sua
condição de puxador de votos, tanto para candidaturas proporcionais quanto
majoritárias da direita. Tornou-se lugar comum a crença de que nenhum
candidato de direita chega ao Palácio do Planalto sem os votos do
ex-presidente. A incapacidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus
aliados em explorar a repulsa à ameaça extremista completa a charada.
Esta perspectiva parece desautorizar a aposta
num acordo entre a presidência da Câmara e o Supremo Tribunal Federal pela
modulação da dosimetria do 8/1. O ministro Alexandre de Moraes mandou a Débora “do batom” Santos para casa mas nem
assim foi capaz de convencer que a reclusão pode parecer longa, mas a chance
progressão de pena é alta.
Um presidente de partido envolvido na
negociação de um acordo explica que a assinatura da urgência bastaria para
Bolsonaro atestar o engajamento dos parlamentares na causa. Este acordo levou a
ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, a externar como “defensável” uma
redução de pena dos golpistas e voltar atrás depois da reação do STF.
A ministra acabou por expor a dificuldade do
deputado Hugo Motta (Republicanos-PB)
de se impor perante a Casa que preside. Motta mostra-se incapaz de resistir à
pressão de seu principal eleitor, o deputado Arthur Lira (PP-AL), pela cassação do
deputado Glauber Braga (Psol-RJ).
A mesma legislatura que permite ao
deputado Chiquinho Brazão (sem
partido-RJ) manter seu mandato um ano depois de ter sido preso como mandante da
morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, caminha
para cassar o mandato de um parlamentar esquentado.
Além de chutar um militante do MBL que xingou
sua mãe, Braga denuncia dia sim e o outro também o achaque das emendas parlamentares. Brazão passou nove meses preso recebendo salário e verbas
de gabinete da Câmara sob a gestão Lira e o faz há quase quatro sob Motta.
Pesa a favor de um acordo com o STF a disposição da
Corte em derrubar qualquer anistia que venha a ser aprovada. Pesa contra a
indisposição parlamentar em relação a uma Corte que não lhes cortou as emendas
mas cerceou a liberalidade de gastá-las e tem 80 ações contra parlamentares na
fila de julgamento.
Ao subscrever a anistia, o parlamentar dá um
voto de censura a este poder cerceador do Supremo. Quem
lhes garante que Tarcísio, se um dia chegar a presidente, vai apoiar um
movimento por impeachment no STF como um presidente de sobrenome Bolsonaro o
faria?
O caldo engrossou demais ou ainda cabe mais
um ingrediente? Como se explica que um parlamentar anunciado como o escolhido
pelo presidente para ocupar um ministério diga que vai consultar a bancada? A
Pasta das Comunicações é o que menos importa. O que vale é quem vai substituir
o deputado Pedro Lucas
Fernandes (MA) na liderança do União na Câmara. O
presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP) quer colocar o ex-ministro Juscelino Filho (MA), no
cargo para ditar a alocação de emendas também na Casa ao lado. A bancada de deputados se rebelou e deixou Lula com a caneta na
mão.
A defesa da anistia é, portanto, apenas a bandeira
mais vistosa do movimento majoritário de parlamentares que cresceram e
apareceram sob o bolsonarismo. Associam-se ao golpismo para continuar
subvertendo a separação dos Poderes, o Orçamento e as leis da República.
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