O Globo
Os condenados pela tentativa de golpe,
julgados dentro das quatro linhas, assim como a célebre pichadora, são
apresentados como coitados
Diante das mentiras, aleivosias, mutretas
verbais de Bolsonaro & cia., uma certeza se torna concreta — a democracia
não é um bem para essa turma. Até aí, nenhuma novidade. Afinal, eles tentaram
dar um golpe e deixaram o script impresso em papel timbrado. Parece coisa dos
Três Patetas (no caso, a quantidade é um número maior).
O que veio a seguir parece ser pior — se for
possível. Tornaram a desinformação um alimento de vida e de exercício do poder,
com a inverdade (alguns chamam de “narrativa”) sendo instrumento de dominação.
Desde sempre, a mentira andou ao lado da política. Ao povo, essa entidade, jamais chegou sequer uma terça parte da novela. A própria ideia de ideologia se veste de nuances para ganhar ou se manter no poder. Com a diferença de que anteriormente havia algum disfarce.
O Golpe de 64 surge justificado como reação à
tentativa de tornar o Brasil um país comunista. Conversa. João Goulart era
um latifundiário incompetente; no limite de sua Presidência, um tipo de
centro-esquerda. Eleito como vice numa chapa de direita (a maluquice do sistema
eleitoral brasileiro!), logo foi pintado como demônio vermelho ao reivindicar
direitos básicos para os brasileiros — voto para analfabetos, valorização do
magistério e reforma educacional, entre outros. Nada diferente do que veio a
ser colocado na Constituição de 1988, a “cidadã”. Em oposição, passeatas de
católicos carolas, com financiamento de empresários, ajudaram a criar um clima
de desconfiança. O belo livro “O punho e a renda”, de Edgard Telles Ribeiro,
conta como a desestabilização praticada no Brasil terminou por se transformar
em modelo aplicado nos golpes de Estado de Chile, Uruguai e Argentina. Yes,
nós não temos apenas banana. Produzimos golpistas de exportação.
A forma dos militares e dos carolas tinha
alguma sofisticação se comparada à tentativa de golpe de 2022. O 8 de Janeiro
de 2023 se assemelha mais ao pão que cai no chão com a margarina virada para
baixo. Não se procuram esconder as intenções, bastam as fake news como método
de desinformação.
O caso da cabeleireira do Paraná, afamada
pichadora, transformada em pobre coitada. Quase uma vítima! Ela integrava uma
turba movida por intenções golpistas. Dormiu por noites no acampamento onde se
pedia intervenção militar por não concordar com a vitória de Lula da
Silva. Com colegas de ofício, rumou à Praça dos Três Poderes e não ao Estádio
Mané Garrincha ou à Catedral de Brasília. A
destruição dos palácios tinha a simbologia da derrocada da ordem democrática.
Tão certa de um golpe vitorioso, a patriota deixou-se filmar sobre um
monumento. Os nazistas que incendiaram o Reichstag em Berlim ao
menos não posaram para fotos — e jogaram a culpa sobre a esquerda alemã. Uma
manobra igualmente imitada por Bolsonaro & cia. Na desinformação do grupo,
a manifestação foi distorcida por petistas infiltrados, e a famosa polícia de
Brasília fez corpo mole. No caso, aqui há uma verdade: os policiais de Brasília
nada fizeram; afinal, tinham como chefe o bolsonarista Anderson Torres.
Desinformação é poder. Os condenados pela
tentativa de golpe, julgados dentro das quatro linhas, assim como a célebre
pichadora, são apresentados como coitados; assim também aqueles que ouvem vozes
não teriam responsabilidade por seus atos. Não escutam, apenas leem e escrevem
mensagens no habitual mau português que os caracteriza como grupo.
Quando fez água, a ditadura de 1964 viu seus
apoiadores civis pularem do barco. Sobrou para os militares pagarem o pato. Por
agora, volta o filme. Bolsonaro e seus militares de pijama só estão no banco
dos réus, além da rematada incompetência e das más intenções, graças a seus
eleitores. Pesquisas mostram ser 30% de brasileiros. Deve ser número menor de
apoiadores.
A mentira, as fake news e a desinformação do
capitão são espelho de seus simpatizantes. Querem ser enganados. No ódio e na
frustração de Bolsonaro, em seu fraseado primário, encontram retorno afetivo;
há identificação de corpo e alma. Quando o defendem, pensam neles, em seus
pensamentos mais escusos. Seria uma autodefesa.
Se não encontrasse eco, Bolsonaro
permaneceria como deputado do baixo clero. Fosse uma voz solitária, não
reuniria multidões. No golpe de 1964, a população queria acreditar que o
comunismo seria implantado no Brasil. Era um discurso amparado no coro de muitos.
Em 2025, para os netos daqueles golpistas, de novo a democracia e a Justiça são
um adereço, não uma necessidade civilizatória.
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