segunda-feira, 21 de abril de 2025

Como enganar o povo - Miguel de Almeida

O Globo

Os condenados pela tentativa de golpe, julgados dentro das quatro linhas, assim como a célebre pichadora, são apresentados como coitados

Diante das mentiras, aleivosias, mutretas verbais de Bolsonaro & cia., uma certeza se torna concreta — a democracia não é um bem para essa turma. Até aí, nenhuma novidade. Afinal, eles tentaram dar um golpe e deixaram o script impresso em papel timbrado. Parece coisa dos Três Patetas (no caso, a quantidade é um número maior).

O que veio a seguir parece ser pior — se for possível. Tornaram a desinformação um alimento de vida e de exercício do poder, com a inverdade (alguns chamam de “narrativa”) sendo instrumento de dominação.

Desde sempre, a mentira andou ao lado da política. Ao povo, essa entidade, jamais chegou sequer uma terça parte da novela. A própria ideia de ideologia se veste de nuances para ganhar ou se manter no poder. Com a diferença de que anteriormente havia algum disfarce.

O Golpe de 64 surge justificado como reação à tentativa de tornar o Brasil um país comunista. Conversa. João Goulart era um latifundiário incompetente; no limite de sua Presidência, um tipo de centro-esquerda. Eleito como vice numa chapa de direita (a maluquice do sistema eleitoral brasileiro!), logo foi pintado como demônio vermelho ao reivindicar direitos básicos para os brasileiros — voto para analfabetos, valorização do magistério e reforma educacional, entre outros. Nada diferente do que veio a ser colocado na Constituição de 1988, a “cidadã”. Em oposição, passeatas de católicos carolas, com financiamento de empresários, ajudaram a criar um clima de desconfiança. O belo livro “O punho e a renda”, de Edgard Telles Ribeiro, conta como a desestabilização praticada no Brasil terminou por se transformar em modelo aplicado nos golpes de Estado de ChileUruguai e Argentina. Yes, nós não temos apenas banana. Produzimos golpistas de exportação.

A forma dos militares e dos carolas tinha alguma sofisticação se comparada à tentativa de golpe de 2022. O 8 de Janeiro de 2023 se assemelha mais ao pão que cai no chão com a margarina virada para baixo. Não se procuram esconder as intenções, bastam as fake news como método de desinformação.

O caso da cabeleireira do Paraná, afamada pichadora, transformada em pobre coitada. Quase uma vítima! Ela integrava uma turba movida por intenções golpistas. Dormiu por noites no acampamento onde se pedia intervenção militar por não concordar com a vitória de Lula da Silva. Com colegas de ofício, rumou à Praça dos Três Poderes e não ao Estádio Mané Garrincha ou à Catedral de Brasília. A destruição dos palácios tinha a simbologia da derrocada da ordem democrática. Tão certa de um golpe vitorioso, a patriota deixou-se filmar sobre um monumento. Os nazistas que incendiaram o Reichstag em Berlim ao menos não posaram para fotos — e jogaram a culpa sobre a esquerda alemã. Uma manobra igualmente imitada por Bolsonaro & cia. Na desinformação do grupo, a manifestação foi distorcida por petistas infiltrados, e a famosa polícia de Brasília fez corpo mole. No caso, aqui há uma verdade: os policiais de Brasília nada fizeram; afinal, tinham como chefe o bolsonarista Anderson Torres.

Desinformação é poder. Os condenados pela tentativa de golpe, julgados dentro das quatro linhas, assim como a célebre pichadora, são apresentados como coitados; assim também aqueles que ouvem vozes não teriam responsabilidade por seus atos. Não escutam, apenas leem e escrevem mensagens no habitual mau português que os caracteriza como grupo.

Quando fez água, a ditadura de 1964 viu seus apoiadores civis pularem do barco. Sobrou para os militares pagarem o pato. Por agora, volta o filme. Bolsonaro e seus militares de pijama só estão no banco dos réus, além da rematada incompetência e das más intenções, graças a seus eleitores. Pesquisas mostram ser 30% de brasileiros. Deve ser número menor de apoiadores.

A mentira, as fake news e a desinformação do capitão são espelho de seus simpatizantes. Querem ser enganados. No ódio e na frustração de Bolsonaro, em seu fraseado primário, encontram retorno afetivo; há identificação de corpo e alma. Quando o defendem, pensam neles, em seus pensamentos mais escusos. Seria uma autodefesa.

Se não encontrasse eco, Bolsonaro permaneceria como deputado do baixo clero. Fosse uma voz solitária, não reuniria multidões. No golpe de 1964, a população queria acreditar que o comunismo seria implantado no Brasil. Era um discurso amparado no coro de muitos. Em 2025, para os netos daqueles golpistas, de novo a democracia e a Justiça são um adereço, não uma necessidade civilizatória.

 

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