O Estado de S. Paulo
Já são 2,5% do PIB ao ano, porcentagem que
pode parecer pequena, mas o PIB é de cerca de R$ 11 trilhões, fazendo com que
elas alcançam centenas de bilhões
Até aqui, o noticiário sobre esse tema despertou muito a minha atenção para os chamados precatórios. Essas e outras condenações foram objeto de um detalhado, interessante e inédito estudo de quatro pesquisadores do Insper: Marcos Mendes, Cristiane Coelho, Marcos Lisboa e Leonardo Barbosa, que motivou uma extensa e esclarecedora reportagem do jornal Valor Econômico (9/4, página 10), de autoria da jornalista Jéssica Sant’Ana. O estudo vai muito além dos precatórios e entendo que merece maior divulgação, inclusive para implementar suas recomendações.
Farei um resumo da reportagem com trechos
entre aspas e adicionando comentários pessoais. “O impacto fiscal total das
condenações judiciais da União no Orçamento do Executivo passou de 1% do
Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 para 2,5% ao ano, a partir de 2020.” As
porcentagens citadas podem parecer pequenas, mas o PIB é enorme, cerca de R$ 11
trilhões, fazendo com que esse custo chegue a centenas de bilhões de reais. Em
2023, o custo total foi de R$ 366 bilhões e atingiu 3,2% do PIB, um número
“(...) distorcido pelo pagamento do estoque de precatórios represado. (...)
Embora elevado e crescente, o gasto com precatórios e requisições de pequeno
valor (RPVs) é uma parte menor desse custo, que inclui despesas pagas
diretamente na folha além de perdas de receitas. A maior parte do impacto vem
dos benefícios previdenciários e assistenciais concedidos mediante decisão
judicial e pagos diretamente via Orçamento Geral da União, ou seja, sem
expedição de precatórios e RPVs.” “(...) Enquanto a despesa com precatórios e
RPVs cresce a partir de 2014, a com benefícios previdenciários e assistenciais
concedidos mediante decisão judicial aumenta todo ano na série histórica,
ultrapassando a cifra de R$ 100 bilhões por ano desde 2022”. “(...) Em 2010,
por exemplo, eram R$ 48,6 bilhões. (...) Há, ainda, a possibilidade de que os
números estejam subestimados, porque o INSS não registra como sendo de
decorrência judicial os benefícios concedidos em virtude de ação pública. O
instituto trata esses benefícios como concessões administrativas.”
“O estudo aponta algumas possíveis causas para o elevado número de benefícios via ação judicial. Uma delas é o problema histórico da fila do INSS que faz com que mais pessoas entrem na Justiça. Também há uma tendência de o Judiciário ser mais benevolente ao analisar os pedidos, abrindo espaço para concessões a indivíduos não elegíveis”. “(...) Por fim, eles apontam também as fragilidades das legislações previdenciária e assistencial e nos critérios dos exames periciais, o que incentiva uma ‘indústria de ações judiciais, com escritórios especializados em explorar novas teses que eventualmente encontram tribunais receptivos’”. Eu acrescentaria que também seria preciso verificar se os advogados da União que tratam do assunto existem em número suficiente e são bem treinados para defendê-la na Justiça.
Mais um impacto vem das compensações
tributárias. “Quando um contribuinte vence uma ação contra a União referente a
uma questão tributária, ele tem a opção de escolher entre receber os valores
via precatórios ou abater o valor de tributos devidos, (...) que representa uma
perda de receita para a União”. (...) O impacto dessas compensações era de R$
4,2 bilhões em 2010, saltando para R$ 30,4 bilhões em 2019 e, desde então,
crescendo vertiginosamente. O pico foi 2021, com impacto de R$ 111,2 bilhões.
Em 2023, foram R$ 85,9 bilhões, em valores corrigidos pela inflação”. “(...)
Esse problema é acompanhado de perto pelo governo federal, que em 2023 editou
uma medida provisória que limitou o uso das compensações estabelecendo (...)
prazos para suas realizações”.
Noutro trecho, “(...) Os pesquisadores
afirmam que soluções para esses problemas não são triviais. ‘Procedimentos
protelatórios, como teto de pagamento de precatórios ou limitação da
compensação de tributos não são soluções, porque não atacam as causas do
problema e estimulam mais judicializações’”.
Concordo com essas afirmações e também me abalo com a percepção de que centenas de bilhões de reais estão sendo perdidos e que o governo deveria aplicá-los em investimentos em infraestrutura e programas sociais, entre outras finalidades. De fato, trata-se de um dos mais complexos problemas que já vi no âmbito das finanças públicas e foi por isso que me interessei tanto por ele. Também concordo com os autores do estudo quanto ao fato de que as soluções até aqui tentadas não atacam as verdadeiras causas do problema e apenas adiam parte do seu impacto. Espero que o estudo chegue aos que cuidam do assunto na esfera federal e a quem possa cuidar das causas para que atue no sentido de eliminá-las ou reduzi-las substancialmente. Afinal, uma pergunta ainda sem resposta é esta: quem vai encarar o problema e buscar efetivas soluções? E, talvez para complicar ainda mais as coisas, seria o caso de examinar o assunto nos âmbitos estadual e municipal.
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