Por Mariana Muniz e Thiago Bronzatto / O Globo
Ministro do Supremo Tribunal Federal afirma
que penas aplicadas aos condenados pelos atos às sedes dos Poderes não deverão
ser revisadas
Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o
ministro Gilmar Mendes tem sido um dos interlocutores do Congresso nas
discussões sobre o futuro dos condenados pelos atos golpistas do 8 de janeiro.
Em entrevista ao GLOBO, o magistrado diz que o movimento pró-anistia
impulsionado pelo partido de Jair Bolsonaro tem como pano de fundo beneficiar
os mentores da trama antidemocrática. Dentre eles, está o próprio
ex-presidente, entusiasta da proposta de revisão das penas e réu por arquitetar
um plano para reverter a derrota nas eleições em 2022.
— A minha experiência política, nesses anos
todos, revela que esse projeto só tem impulso com o objetivo de beneficiar os
mentores — afirma o ministro do STF, que está há mais de duas décadas na Corte.
Em resposta às críticas das penas aplicadas
pelo STF aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, Gilmar pontua que
acredita que a Corte não revisará os julgamentos. Segundo ele, “o que poderá
haver é a análise de situações individualizadas que justifiquem a progressão,
que já está prevista na legislação, ou a aplicação de prisão domiciliar”. O
ministro destaca ainda que tem mantido diálogo constante com o Congresso e que
“tem muito espuma” nessa discussão.
Como o senhor vê a pressão para o STF discutir a redução das penas para os condenados e denunciados pelos atos golpistas do 8 de janeiro?
As pessoas estão minimizando aquilo que
ocorreu. Se viu nessa investigação que havia ameaças muito sérias, inclusive de
matar pessoas. Então, não estamos falando de um passeio no parque. É algo
grave. Nossa missão é esclarecer que não se trata de algo banal. É claro que
essas pessoas foram instrumentalizadas, mas obviamente elas se deixaram
instrumentalizar. Há uma discussão sobre a possibilidade de aplicação da
progressão da pena, que é natural. Certamente muitos já são beneficiados ou
serão beneficiados pela progressão. Já houve decisões em vários casos sobre
prisão domiciliar e imagino que esse trabalho vai ter continuidade. As pessoas
não falam, por exemplo, que mais de 500 foram beneficiados por acordos de não
persecução penal. Eu mesmo recebi há algum tempo um apelo do bispo da minha
cidade para olhar um caso de uma pessoa do Paraná que eu reconhecia. Mandaram
um calhamaço de assinaturas. Era uma pessoa religiosa, e eu fui olhar o caso
para tentar entender. E ele é visto, filmado, com algum tipo de instrumento
quebrando coisas dentro do espaço do Supremo.
O ministro Luiz Fux disse, a respeito do
julgamento da mulher que pichou a estátua de batom, que o STF julgou os
primeiros casos do 8 de janeiro "sob forte emoção". O senhor concorda
com essa visão?
Não concordo. Não acho que nós sejamos
pessoas submetidas a fortes emoções. Normalmente, não é o nosso caso. É
evidente que era um fato muito grave. Eu mesmo acompanhei, acho que na gestão
ainda do ministro Fux, aquela descida da rampa pelos manifestantes, aquele 7 de
setembro de 2021. Vimos todo o risco. Eu imaginava que se essas pessoas
tivessem rompido aquela barreira do Itamaraty e acessado a Praça dos Três
Poderes poderiam eventualmente invadir o Supremo. Certamente, ele deve ter
memórias disso. O STF entendeu de fazer o rigor que era necessário, porque
também não é todos os dias que você tem esse tipo de ensaio. Nós já vimos
manifestações graves dentro de ministérios, no próprio Congresso Nacional,
pessoas se acorrentando, mas com essa dimensão foi a primeira vez. Dentro de um
quadro extremamente preocupante, com omissão da polícia, é todo um conluio que
justificava os temores que depois foram infelizmente confirmados, que se
tratava de uma trama. A turba agiu esperando que houvesse outras ações dentro de
uma sequência, dentro de um processo.
O STF pode revisar as penas dos condenados
pelo 8/1?
Eu não espero que isso se dê. O que poderá
haver é a análise de situações individualizadas que justifiquem ou progressão,
que já está prevista na legislação, ou a aplicação de prisão domiciliar em
casos previstos na lei.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem
tentado buscar uma solução para a proposta de anistia aos envolvidos no 8 de
janeiro. O senhor falou com ele sobre isso?
Temos conversado com alguma frequência e ele
tem sido sempre muito ponderado e respeitoso para com o Tribunal. Então, vamos
aguardar os possíveis desdobramentos dessas conversas. Vamos aguardar. Temos um
ambiente institucional muito tranquilo. Tem muita espuma, mas nós estamos num
momento de bom diálogo dos Poderes, do Supremo com o Congresso. Temos muita
interlocução com o Davi Alcolumbre (presidente do Senado), com Hugo Motta e com
a Presidência da República.
Há elementos para o STF declarar
inconstitucional o projeto de anistia do 8/1?
É uma questão grave quando nulifica, dentro
de um quadro de absurda normalidade institucional, decisões dos tribunais e
isso acaba sendo um estímulo para novas práticas desse mesmo jaez.
Responsável pela articulação política do
governo, Gleisi Hoffmann deixou claro numa fala pública recente que o Planalto
está à mesa com o Congresso negociando uma solução para a anistia do 8/1. O que
o senhor achou disso?
Ela já fez uma retificação. Obviamente que
ela é articuladora política do governo e pode estar conversando com o Congresso
Nacional. São temas sensíveis, e essa questão também é muito sensível na nossa
perspectiva.
De que forma o projeto de anistia do 8/1 pode
beneficiar os mentores intelectuais da trama golpista?
A minha experiência política, nesses anos
todos, revela que esse projeto só tem impulso com o objetivo de beneficiar os
mentores. Veja que a sua própria nascença e impulsionamento está associado à
conclusão das investigações e ao oferecimento da denúncia nesse processo.
Então, ainda que o melhor invólucro seja a Débora do Batom, para supostas
justificativas de exageros do Supremo, o projeto tem outra mira. Não podemos
minimizar se pensamos em matar o presidente da República (Lula), o ministro do
Supremo (Alexandre de Moraes), o vice-presidente da República (Geraldo
Alckmin), eliminar a cúpula do Poder Executivo. Não sei se podemos imaginar
fatos mais graves do que esses. Imaginemos que eles tivessem tentado ou
exercido parte desta execução. Onde estaríamos hoje? Certamente nos culpando de
não termos nos prevenido. É algo de profunda gravidade. Nesses 40 anos de
democracia que nós estamos celebrando agora, nos últimos anos, não há nada
assemelhado. O que caracteriza a democracia, entre várias questões, é a aceitação
do resultado das eleições e a possibilidade de alternância de poder.
Na
medida em que alguém perde a eleição e não
aceita a alternância de poder, encerrou-se o ciclo democrático
tal como nós o conhecemos. Adversários não
são inimigos. Essa é a lógica.
Tanto é que aquela ação do PL foi criticada
de A a Z, em termos de ambiente político e jurídico.
Porque ele pedia anulação apenas dos votos para o presidente da República, mas
mantidas as bancadas eleitas para Câmara e Senado e de governadores. Então, é
um quadro caricato, para se dizer o mínimo.
Pelo ritmo atual, o senhor acha que é
possível julgar o caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro ainda neste
ano?
Sim, mas vamos aguardar.
O ministro Alexandre de Moraes disse em
entrevista à New Yorker que acha difícil e remota a possibilidade de Bolsonaro
reverter suas penas de inelegibilidade impostas pela Justiça Eleitoral no
recurso apresentado ao STF. O senhor concorda com ele?
Se olharmos os casos de discussão e decisões
do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), são raros os casos de reversão. Mas vamos
aguardar.
A partir de 2027, o Congresso pode ter mais
parlamentares conservadores eleitos. Como isso afetaria a relação do Congresso
com o STF no futuro?
Nós temos tido já agora um Congresso mais
conservador. Ao longo dos anos, sempre lidamos com pessoas de diferentes perfis
em um ambiente de diálogo. Espero que no futuro também, seja qual for a
maioria, vamos continuar tendo esses diálogos. Acho que o fundamental é que nós
tenhamos apreço pelos valores da democracia constitucional e das instituições.
Isso é fundamental.
O STF tem relatado inquéritos que apuram
suspeita de desvios de emendas parlamentares. Qual a extensão e a gravidade
desses casos?
Temos que examinar. Há casos que estão em
tramitação. Eu tenho um caso relativo a emendas do estado do Ceará. Mas há
vários colegas com outros inquéritos. Houve até uma denúncia recente oferecida
pelo procurador-geral da República em relação a um parlamentar que também era
ministro de Estado. Mas também não posso dizer que se trata de algo
generalizado. Temos que examinar. Mas imagino que até as medidas que já foram
tomadas vão servir de medidas preventivas, talvez em relação a eventuais abusos
que tenham ocorrido. A ideia é de acabar com o modelo secreto das emendas pix.
Então, acho que é possível que haja uma evolução. Acho que é no interesse de
todos que haja procedimentos mais seguros nessa matéria. Ninguém quer
deslegitimar a participação dos parlamentares no processo de emendas. Acho que
no futuro nós vamos ter que rediscutir esse modelo das emendas impositivas e
buscar algum tipo de novo equilíbrio.
O senhor determinou a suspensão de todos os
processos que discutem na Justiça a contratação de trabalhadores que atuam como
pessoa jurídica em prestação de serviços. Por que o senhor tomou essa decisão?
Estão se acumulando contradições a propósito dessa temática. E nós estamos acumulando reclamações no STF, gerando debates em torno desse assunto. A mim parece, então, que é fundamental que nós nos entendamos sobre isso e possamos ter um diálogo na Corte e, eventualmente, um diálogo com a própria Justiça do trabalho. Porque nós temos proferido várias decisões. Então, me pareceu que essa era uma questão importante. Todos nós clamamos por segurança jurídica. Não devemos ser nós do Judiciário que produzamos insegurança jurídica. É bom que nós estabeleçamos algum tipo de coerência e integridade nas nossas decisões.
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