Folha de S. Paulo
O que fazer de arcabouço à beira do fim,
invasão de sobras chinesas, perdas com petróleo e juros?
Desde 2023, sabia-se que o gasto do governo
explodiria o arcabouço fiscal em algum momento em torno de 2027. Isto é, a
coisa iria para o vinagre ao final de Lula 3 se não
houvesse mudança maior no ritmo de crescimento de despesas, grosso modo
determinado por leis, "gasto obrigatório", piorado desde fins de
2022.
Pois bem. Nesta semana, o roteiro da explosão
até 2029 foi desenhado pelo próprio governo, que apresentou as linhas gerais do
Orçamento de 2026 (o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Prestou-se atenção ao fato de que, em 2027, será preciso incluir nas contas (de despesa, de saldo primário) o gasto inteiro com sentenças judiciais ("precatórios"). Até lá, para certos fins fiscais oficiais, finge-se que um gasto de uns R$ 50 bilhões não existe (reaparece no aumento sem limite da dívida pública). Note-se, porém, que, pelo menos a partir de 2028, o que sobra para o governo gastar, além do obrigatório, é achatado com ou sem precatório. Ou se muda o limite de gastos, ou a meta de superávit primário ou se faz alguma gambiarra ou não vai sobrar nada. Bum.
Vai ter mudança já em 2026, ano eleitoral? De
que tipo? Reforma fiscal? Empurra-se com a barriga? Lula 4, caso eleito, diria,
em 2027, "olha, deu ruim"? Como Dilma Rousseff em 2015?
Seria bom pensar no assunto, parece, né. Mas
o Brasil político, "oficial", parece esquecido de si. O Congresso não
voltou do recesso, afora para resolver seus dinheiros de emendas e para tocar a
anistia, a lei pró-golpe. O governo apareceu com o projeto da isenção do
Imposto de Renda. O ano agora começa depois da Páscoa?
Muito ainda se fala de como o Brasil pretende
negociar o aumento do imposto americano de importação do aço nacional, como se
o caldo não fosse muito mais grosso —um espanto. Pelo menos, não falam mais da
tolice de retaliar os EUA tributando batom, óculos de sol ou sei lá. E daí?
Houve meses de aviso. Deveríamos estar
tratando do que fazer das relações com a China. Do que fazer do risco de
desova, por aqui, de produtos chineses ou sabe-se lá mais quem. Deve haver
superoferta global —concorrência com indústria doméstica, com um pequeno bônus
de queda de preços. Vamos esperar chover?
A provável perda de ritmo da economia tende a
criar algum problema para a receita do governo. Preços menores de commodities,
em especial petróleo, tiram outro pedaço da receita e da atividade. Sim, pode
haver o bônus da redução do preço dos combustíveis, quando alguém tiver noção
vaga no que var dar a baderna
sinistra de Trump. Mas não estamos otimistas demais com essa receita
prevista no Orçamento? É um modo ameno de perguntar.
Pode ser que a desaceleração global,
superoferta e, talvez, dólar mais barato permitam que o Banco Central não leve
a Selic além de 15% e, quem sabe, baixe juros até o final do ano.
Para pensar nisso tudo, é preciso levar em
conta o efeito direto da redução de comércio com os EUA, dos desvios de
comércio, do destino dos juros americanos e do dólar no mundo, do preço das
commodities, do efeito geral da incerteza e das condições financeiras do mundo.
Logo, está muito mais difícil de dar chutes informados do que de costume. Mas o
mundo está do avesso e nossos problemas profundos mais imediatos permanecem, e
graves ("o fiscal"). Vamos acordar?
O Brasil oficial parece no decúbito eterno —deitado em berço esplêndido.
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