O Globo
Brasil continua negociando porque acha que já
teve efeito, e que contra nós foi “o mal menor”, mas a bomba nuclear tarifária
atingirá o mundo
A decisão do presidente Trump de erguer muros
contra o mundo não é nova e nunca deu certo. A consequência mais provável é
inflação e queda do crescimento. O Brasil teve a tarifa punitiva mais baixa. No
governo, a avaliação feita durante o anúncio é que os argumentos técnicos
usados nas conversas bilaterais haviam conseguido algum sucesso. De qualquer
maneira, uma bomba nuclear tarifária como essa lançada contra tantos países
terá efeitos globais deletérios.
— Como é uma tarifa alta contra todos os países e o Brasil ficou com a menor tarifa é um mal menor. O Brasil estava sendo muito citado no começo como um país alvo, mas acabou ficando com a tarifa menor dos países que têm relações mais equilibradas com os Estados Unidos — disse uma fonte do governo.
O temor no governo era que houvesse uma
superposição de tarifas, mas não ocorreu no caso do aço. A esperança era de ter
tempo para implementar, mas entrou em vigor imediatamente. O Brasil continuará
negociando. Ontem, na conversa com o ministro das Relações Exteriores, Mauro
Vieira, o representante comercial da Casa Branca Jamieson Greer agradeceu a
disposição e a rapidez do Brasil em conversar. Alguns produtos podem vir a ter
tarifa maior. Madeira, por exemplo.
A estratégia do Brasil é evitar a redução do
comércio com os Estados Unidos, porque é um comércio de qualidade. Os produtos
vendidos para os EUA têm maior valor agregado. Em alguns setores, o Brasil terá
a menor tarifa nos Estados Unidos. Em calçados, por exemplo, o Brasil era um
exportador, perdeu espaço para países do Sudeste Asiático, e agora países como
Vietnã, Indonésia, Malásia e Tailândia terão tarifas de mais de 30%. Isso não é
visto como vantagem, mas “ganho relativo”.
A medida de Donald Trump é
totalmente sem sentido. Atinge até pequenos países. Para se ter uma ideia,
Nauru, um pequeno país ilha na Micronésia, com 20 mil pessoas foi atingido. Um
total sem noção esse presidente americano.
No discurso que fez ontem, Trump garantiu que
haverá US$ 6 trilhões de investimentos nos Estados Unidos, e que só a Apple
investirá US$ 500 bilhões, e isso levará de volta as fábricas e os empregos. A
verdade da economia é que qualquer processo de relocalização da indústria leva
bastante tempo, os empresários olharão outros custos como os do trabalho, os
empregos não podem ser criados na mesma proporção do passado porque houve
automação. Além disso, a integração produtiva hoje existente não desaparecerá.
O carro, mesmo fabricado nos Estados Unidos, precisa importar insumos e peças.
Enfim, Trump exibiu a visão econômica de espantoso primarismo. Economistas
ouvidos pelo blog acham que a medida não dará certo.
—Nunca imaginaria a economia americana
tomando decisões que antes de serem ruins para o Brasil são mais negativas para
a própria economia americana. Enfrentará estagflação — algo com que já
convivemos aqui, mas que há muito tempo não ocorre por lá. A decisão também
limita a queda dos juros americanos. Não há qualquer ganhador desse processo—
diz a economista Silvia Matos, do FGV Ibre.
O documento divulgado ontem pelo presidente
Trump, na parte que se refere ao Brasil, tem reclamações também de outras
barreiras além das tarifas. Os empresários ouvidos apontam “falta de
transparência”, falta de licenciamento automático, imprevisibilidade de regras
atingindo os setores de roupas, calçados e automóveis. Diz que as exigências do
Brasil recaem até em importações temporárias, para exportações.
Em nota, o governo lamentou a decisão, disse
que o terceiro maior superávit comercial americano é com o Brasil e que ao
longo de 15 anos, os Estados Unidos acumularam um superávit de US$ 410 bilhões
em bens e serviços. No Congresso foi aprovado o projeto para que o Brasil possa
retaliar. O problema é que em produtos qualquer elevação de tarifas por aqui
pode trazer problemas porque são, por exemplo, peças para os aviões da Embraer,
ou fertilizantes para a agricultura brasileira.
É certo que o Brasil sentirá o efeito. Direto
e indireto. Será ruim para o mundo e para o Brasil. A direita brasileira que
colocou o boné do “Make America Great Again” — como o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas — precisa fazer autocrítica. E banqueiros — como André
Esteves — que diziam que o governo Trump seria “pró- business” precisam admitir
que erraram.
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