quinta-feira, 3 de abril de 2025

O erro de Trump atingirá o mundo - Míriam Leitão

O Globo

Brasil continua negociando porque acha que já teve efeito, e que contra nós foi “o mal menor”, mas a bomba nuclear tarifária atingirá o mundo

A decisão do presidente Trump de erguer muros contra o mundo não é nova e nunca deu certo. A consequência mais provável é inflação e queda do crescimento. O Brasil teve a tarifa punitiva mais baixa. No governo, a avaliação feita durante o anúncio é que os argumentos técnicos usados nas conversas bilaterais haviam conseguido algum sucesso. De qualquer maneira, uma bomba nuclear tarifária como essa lançada contra tantos países terá efeitos globais deletérios.

— Como é uma tarifa alta contra todos os países e o Brasil ficou com a menor tarifa é um mal menor. O Brasil estava sendo muito citado no começo como um país alvo, mas acabou ficando com a tarifa menor dos países que têm relações mais equilibradas com os Estados Unidos — disse uma fonte do governo.

O temor no governo era que houvesse uma superposição de tarifas, mas não ocorreu no caso do aço. A esperança era de ter tempo para implementar, mas entrou em vigor imediatamente. O Brasil continuará negociando. Ontem, na conversa com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o representante comercial da Casa Branca Jamieson Greer agradeceu a disposição e a rapidez do Brasil em conversar. Alguns produtos podem vir a ter tarifa maior. Madeira, por exemplo.

A estratégia do Brasil é evitar a redução do comércio com os Estados Unidos, porque é um comércio de qualidade. Os produtos vendidos para os EUA têm maior valor agregado. Em alguns setores, o Brasil terá a menor tarifa nos Estados Unidos. Em calçados, por exemplo, o Brasil era um exportador, perdeu espaço para países do Sudeste Asiático, e agora países como Vietnã, Indonésia, Malásia e Tailândia terão tarifas de mais de 30%. Isso não é visto como vantagem, mas “ganho relativo”.

A medida de Donald Trump é totalmente sem sentido. Atinge até pequenos países. Para se ter uma ideia, Nauru, um pequeno país ilha na Micronésia, com 20 mil pessoas foi atingido. Um total sem noção esse presidente americano.

No discurso que fez ontem, Trump garantiu que haverá US$ 6 trilhões de investimentos nos Estados Unidos, e que só a Apple investirá US$ 500 bilhões, e isso levará de volta as fábricas e os empregos. A verdade da economia é que qualquer processo de relocalização da indústria leva bastante tempo, os empresários olharão outros custos como os do trabalho, os empregos não podem ser criados na mesma proporção do passado porque houve automação. Além disso, a integração produtiva hoje existente não desaparecerá. O carro, mesmo fabricado nos Estados Unidos, precisa importar insumos e peças. Enfim, Trump exibiu a visão econômica de espantoso primarismo. Economistas ouvidos pelo blog acham que a medida não dará certo.

—Nunca imaginaria a economia americana tomando decisões que antes de serem ruins para o Brasil são mais negativas para a própria economia americana. Enfrentará estagflação — algo com que já convivemos aqui, mas que há muito tempo não ocorre por lá. A decisão também limita a queda dos juros americanos. Não há qualquer ganhador desse processo— diz a economista Silvia Matos, do FGV Ibre.

O documento divulgado ontem pelo presidente Trump, na parte que se refere ao Brasil, tem reclamações também de outras barreiras além das tarifas. Os empresários ouvidos apontam “falta de transparência”, falta de licenciamento automático, imprevisibilidade de regras atingindo os setores de roupas, calçados e automóveis. Diz que as exigências do Brasil recaem até em importações temporárias, para exportações.

Em nota, o governo lamentou a decisão, disse que o terceiro maior superávit comercial americano é com o Brasil e que ao longo de 15 anos, os Estados Unidos acumularam um superávit de US$ 410 bilhões em bens e serviços. No Congresso foi aprovado o projeto para que o Brasil possa retaliar. O problema é que em produtos qualquer elevação de tarifas por aqui pode trazer problemas porque são, por exemplo, peças para os aviões da Embraer, ou fertilizantes para a agricultura brasileira.

É certo que o Brasil sentirá o efeito. Direto e indireto. Será ruim para o mundo e para o Brasil. A direita brasileira que colocou o boné do “Make America Great Again” — como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas — precisa fazer autocrítica. E banqueiros — como André Esteves — que diziam que o governo Trump seria “pró- business” precisam admitir que erraram.

 

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