sábado, 26 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prisão de Collor é decisão correta diante de evidências

O Globo

Para evitar justiçamento ou impunidade, é fundamental o respeito a todos os ritos jurídicos

Em razão de um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, o plenário do Supremo Tribunal Federal ainda examinará em sessão presencial a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a prisão do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crimes revelados pela Operação Lava-Jato. Na sessão virtual, ela já conta com maioria de seis ministros. Trata-se de uma decisão correta. A Justiça ofereceu todos os caminhos possíveis para Collor se defender, e as evidências reunidas ao longo do processo justificam a prisão. Diante delas, causaria espanto se mais esse caso da Lava-Jato não desse em nada.

Em 2023, Collor foi condenado a oito anos e dez meses de prisão, sob a acusação de participar de um esquema de corrupção na BR-Distribuidora. As investigações foram aprofundadas depois de delações premiadas do doleiro Alberto Youssef, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e do empresário Ricardo Pessoa. As denúncias foram corroboradas por provas recolhidas pela Polícia Federal. Esgotados todos os recursos, Collor foi detido na madrugada desta sexta-feira, em Maceió (AL), e aguardará preso a decisão do plenário.

De acordo com as investigações, entre 2010 e 2014, ele recebeu pelo menos R$ 20 milhões em propina para facilitar contratos irregulares da BR Distribuidora com a UTC Engenharia, destinados à construção de bases de distribuição de combustíveis. A vantagem indevida, segundo a acusação, foi dada em troca de apoio político para indicação e manutenção de diretores da empresa.

Collor já esteve implicado em outros escândalos. Nos anos 1990, sofreu impeachment e foi alvo de acusações de envolvimento no esquema armado por seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, o PC Farias. Foi absolvido pelo Supremo depois do impeachment, apesar de comprovada a compra de um Fiat Elba Weekend com recursos desviados, além de obras superfaturadas na Casa da Dinda.

A corrupção é uma chaga que lamentavelmente o Brasil não consegue derrotar. A despeito da profusão de casos, o enfrentamento aos crimes tem arrefecido. A Lava-Jato, maior operação contra corruptos e corruptores já empreendida no país, vem sendo desmontada de forma consistente em decisões do Supremo. É certo que houve erros do Ministério Público e da Justiça. Mas causa perplexidade a anulação de tantos processos, sobretudo depois de empresários confessarem seus crimes em depoimentos gravados em vídeo e até de devolverem dinheiro.

Collor é o terceiro ex-presidente a ser preso como resultado de investigações da Lava-Jato. Os outros dois (Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer) depois foram libertados, ou porque as acusações se revelaram inconsistentes ou em razão de falhas na condução dos processos. Para evitar novos erros que resultem em justiçamento prematuro ou em impunidade, é fundamental a garantia de amplo direito de defesa e o respeito a todos os ritos jurídicos.

MEC demorou a intervir para pôr ordem no ensino à distância

O Globo

Governo não deve provocar ruptura, mas precisa regular modalidade que já reúne metade dos universitários

Tecnologia existe para ser usada, e não pode ser diferente com o ensino à distância (EaD). Trata-se, em princípio, de um método prático para aproximar os alunos do conhecimento. Mas o crescimento explosivo da modalidade preocupa, dada a dificuldade intrínseca de manter a qualidade do aprendizado. Pelos dados de 2023, 49% dos estudantes em universidades, ou 4,9 milhões de 9,9 milhões, estavam matriculados em cursos à distância. O aumento nos últimos oito anos foi de 179%, com 66,4% dos alunos (3,2 milhões) matriculados em instituições privadas. Era inevitável e esperada a ação do governo – na realidade, ela até demorou.

No ano passado, o MEC suspendeu temporariamente o credenciamento de novas instituições que usam EaD e a autorização para novos cursos. A intenção, correta, é criar um marco regulatório que estabeleça exigências na avaliação dos alunos, nas regras para as aulas e na estrutura mínima dos polos que dão apoio aos estudantes. Em novembro, o MEC apresentou diretrizes ao Conselho Consultivo para o Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão do Ensino Superior, criado no ano passado. Nele, estão representados empresas que atuam no setor, reitores de universidades públicas e estudantes.

Entre as propostas, há ideias sensatas que encontram resistência no setor privado. Uma delas é a obrigatoriedade de provas presenciais com um terço das questões discursivas, a melhor forma de aferir o conhecimento e a capacidade de articulação do aluno. Outra é o controle de presença nas aulas on-line, para que haja um mínimo de estudantes. Também se quer evitar o oposto: cursos que chegam a ter um professor para 500 alunos. Estão na mira do MEC, além disso, artifícios para facilitar a aprovação e assim evitar a evasão e a queda de faturamento das universidades. Há também a preocupação com a estrutura dos polos em que os alunos têm apoio presencial. Em pequenas cidades, mais de uma instituição costuma dividir o mesmo polo, algo que o MEC deseja proibir. A depender da área de ensino, tais polos também teriam de contar com laboratórios.

Existem ainda aberrações, como o curso de enfermagem à distância. A intenção do ministério é proibi-lo. Em 2017, ele reunia 10 mil alunos. Com o EaD, passou para 193 mil. Atividades como medicina, enfermagem e outras que exigem interação pessoal não podem ser aprendidas à distância.

O setor pressiona o governo para divulgar logo as novas regras. “A gente precisa sair da lógica da modalidade e pensar na metodologia de ensino. Se [a modalidade] à distância proporcionar a aprendizagem, por que proibir o uso da tecnologia?”, pergunta Bruno Coimbra, diretor jurídico da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), representante de instituições privadas de ensino.

O governo não deve provocar ruptura, mas precisa pôr ordem num segmento que reúne metade dos estudantes universitários brasileiros. É preciso impedir que o EaD se torne apenas uma fábrica de diplomas sem valor.

Taxa de ex-presidentes presos no Brasil é alarmante

Folha de S. Paulo

Com Collor, foram 3 dos 8 ex-mandatários desde a redemocratização; Justiça precisa atuar de modo rigoroso e estável

A prisão de Fernando Collor de Mello, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, torna-o o terceiro ex-presidente do ciclo democrático iniciado há 40 anos a ser recolhido numa cela. Como oito políticos ocuparam o Palácio do Planalto nesse período, a taxa de encarceramento de 38% não projeta boa imagem da função.

O mesmo indicador para os Estados Unidos, com mais de 230 anos de sucessões presidenciais democráticas ininterruptas, aproxima-se de zero. Debate-se se Ulysses Grant, que governou de 1869 a 1877, chegou a ser detido por abusar da velocidade no comando de uma carruagem.

Infelizmente não foram assim menores, beirando o anedótico, as motivações para a prisão dos ex-mandatários brasileiros. Nos três casos, suspeitas de corrupção embasaram as iniciativas do Ministério Público que, sob a arbitragem do Poder Judiciário, culminaram nas detenções.

Na mais efêmera passagem de um desses ex-presidentes pela cadeia, Michel Temer (MDB) esteve nove dias em prisão cautelar em 2019 por alegadamente representar ameaça a investigações de um esquema de desvio de recursos públicos. A prisão foi logo revogada, e a denúncia, mais tarde recusada pela Justiça.

No caso do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ordem de prisão, de 2018, seguiu-se à sua condenação em segunda instância, em obediência ao entendimento que à época prevalecia no Supremo Tribunal Federal, por corrupção no âmbito da Operação Lava Jato.

Lula passou 580 dias numa cela especial da Polícia Federal em Curitiba e foi solto quando o STF mudou sua jurisprudência. Mais tarde a corte constitucional procedeu a uma revisão radical da Lava Jato, invertendo o endosso efusivo que emprestara à operação em seus primeiros anos, e as ações contra Lula, bem como contra outros condenados, foram derrubadas.

Collor foi um dos poucos que não se safaram após o revisionismo promovido pelo Supremo.
Sentenciado a 8 anos e 10 meses de reclusão por beneficiar-se de propinas na BR Distribuidora durante as gestões petistas de Lula e Dilma Rousseff (PT), o ex-presidente, que perdeu por 6 a 4 o recurso para rever a decisão, está desde a manhã desta sexta-feira (25) sob custódia de autoridades federais.

Convertido em réu pelo STF sob a acusação de conspirar contra a democracia, Jair Bolsonaro (PL) poderá elevar para 50% a taxa de encarceramento de ex-presidentes na Nova República se for considerado culpado.

Numa democracia madura, o exercício do mais alto cargo representativo não deveria associar-se a tamanho risco de constrangimento penal. Se isso ocorre, é porque persistem desajustes de incentivos seja para políticos limitarem-se às balizas da lei, seja para procuradores e juízes sustentarem um sistema de investigação e punição ao mesmo tempo rigoroso, garantista e estável.

Reservatório de incompetência ameaça barragens

Folha de S. Paulo

Relatório da ANA revela irresponsabilidade com segurança; tragédias como as de Brumadinho e Mariana poderão se repetir

Não haveria maior evidência do descaso do poder público com a segurança de barramentos do que a tragédia de Brumadinho (MG), em 2019, ter ocorrido pouco mais de três anos após o desastre no subdistrito de Bento Rodrigues em Mariana (MG). Talvez só o fato de populações vizinhas às obras seguirem sob risco desconhecido.

Dos 28.086 diques cadastrados no Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, nada menos que 14.916 jamais foram alvo de inspeções para verificar se estão em consonância com as normas legais. O dado assombroso foi revelado em recente reportagem da Folha, que apresenta um compêndio de irresponsabilidades em todas as esferas de governo.

Num país que se orgulha do destaque internacional de sua matriz energética limpa propiciada por hidrelétricas e da produção de minérios, atividades que abusam de barramentos para reservar água e rejeitos, tanta incúria é sintoma da imprevidência de sucessivas administrações.

A leitura do Relatório de Segurança de Barragens 2024-2025 obtido pelo jornal, que será divulgado em julho pela Agência Nacional de Águas (ANA), é instrutiva, para não dizer lúgubre. O Brasil desconhece até mesmo a altura de dois terços dos barramentos, e sobre um quarto deles se ignora o volume represado.

A Política Nacional de Segurança de Barragens de 2010 estipula o conceito de Dano Potencial Associado (DPA) para estimar o prejuízo social, ambiental e econômico em caso de rompimento. Ocorre que 14.589 delas não contam com DPA, classificação decisiva para priorizar ações de prevenção. Meros 1.463 barramentos possuem plano de segurança cadastrado no sistema nacional.

Só 601 deles foram objeto de inspeção em 2024. No setor de minérios, apenas 472 das 922 barragens na alçada da Agência Nacional de Mineração estão enquadradas na política de segurança oficial, e só 180 foram inspecionadas pela agência no ano passado.

Em suma, falta informação e sobra descontrole nos 33 órgãos de fiscalização estaduais e federais. O relatório arrola 345 profissionais ocupados com segurança de barragens, cada um responsável em média por 81 dessas estruturas, mas 180 deles não estão dedicados exclusivamente a elas.

Para cúmulo do descaso, o número de fiscalizações vem diminuindo. Após 3.064 inspeções presenciais em 2023, no ano passado foram 2.859. Tudo se passa como se o Brasil não se importasse com os 289 mortos de Mariana e Brumadinho e estivesse disposto a vivenciar novas tragédias.

Collor na cadeia

O Estado de S. Paulo

A trajetória do ‘caçador de marajás’ até a prisão é uma espécie de inventário das mazelas políticas brasileiras, mas também serve para mostrar a força institucional do País

Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo voto direto no Brasil depois da ditadura militar, agora é um presidiário, condenado por corrupção. Seu nome já estava na História como o primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment, também sob acusação de corrupção. Sua trajetória, portanto, é uma espécie de livro-texto para os que quiserem estudar as mazelas políticas brasileiras desde o renascimento da democracia. E serve também – porque nem tudo é tragédia, afinal – para simbolizar a capacidade institucional brasileira de punir quem conspurca a República. Não é pouca coisa.

Primeiro, às mazelas. Collor foi condenado em maio de 2023 a oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que, entre 2010 e 2014, Collor usou sua influência sobre a presidência e a diretoria da BR Distribuidora, então subsidiária da Petrobras, para direcionar contratos de construção de bases de distribuição de combustíveis para a UTC Engenharia em troca de propina. O caso, portanto, ilustra com perfeição como as numerosas estatais do País são vulneráveis aos mercadores da política, que cavoucam cargos, oportunidades e contratos para se locupletarem.

Collor era apenas um dos tantos usufrutuários do monstruoso escândalo do petrolão, que foi a dilapidação da Petrobras pelos governos petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Com isso, acabou se associando à corrupção do PT, o partido que ele mesmo combateu com denodo ao se tornar presidente, em 1989, derrotando Lula da Silva no segundo turno.

Não é a única ironia da trajetória de Collor, que foi afastado da Presidência em meio a um escândalo de corrupção depois de ter chegado ao poder prometendo moralizar a vida pública e caçar os “marajás” do Estado. Como este jornal sublinhou à época, Collor traiu os brasileiros que acreditaram em suas promessas de prosperidade e honestidade no trato da coisa pública, e “renunciou não em aras da Pátria, mas pensando no seu futuro político pessoal”, desejando que, “em breve ou a médio prazo, seus malfeitos sejam esquecidos e ele possa voltar ao cenário político”.

O vaticínio do Estadão foi certeiro: o alívio viria dois anos depois, quando o STF o inocentou da acusação de corrupção passiva, e logo o ex-presidente voltaria à ribalta política. Não se encerraram ali, entretanto, os problemas de Collor com a Justiça. Durante as três décadas seguintes, ele continuamente enfrentou processos criminais – e saiu-se livre de todos eles, elegendo-se senador em 2006. Foi nessa condição, e fazendo parte da base de “aliados” de Lula e Dilma, que Collor manteve seus tentáculos políticos destinados à obtenção de dividendos, vamos chamar assim, singulares. Segundo a denúncia que o levou à condenação, o ex-presidente recebeu R$ 20 milhões em propina, dinheiro que supostamente “apareceu” do nada em sua conta, enquanto ele dizia não fazer “a menor ideia” de sua origem, de acordo com entrevistas que concedeu durante o processo.

Mas nem tudo nessa história são mazelas. Collor, afinal, está preso, depois de um processo em que teve amplo direito de defesa. Isso significa que as barreiras republicanas erguidas pela Constituição de 1988 estão em vigor e, bem ou mal, funcionam. No caso de Collor, aliás, isso já havia ficado claro logo no primeiro teste da Constituição recém-promulgada, com seu processo de impeachment. O Congresso, estimulado pelas manifestações de cidadãos indignados nas ruas, abreviou o mandato de quem estava transformando a Presidência em balcão de negócios escusos. Tudo dentro da lei.

Ademais, as reinações lulopetistas (e colloridas) levaram o Congresso a aprovar, em 2016, uma lei para pôr cobro à exploração política (e pecuniária) das empresas estatais. Trata-se de um avanço gigantesco, que se mantém mesmo diante de manobras espertas dos petistas para enfraquecê-la.

Collor estará preso até decisão definitiva do plenário do STF. Seja qual for seu destino, no entanto, o Brasil sairá melhor.

O STF que Barroso não quer ver

O Estado de S. Paulo

Em nota repleta de falácias, presidente do STF rebate editorial da ‘The Economist’ que disse apenas o óbvio: que na atual toada a Corte corre o risco de perder ainda mais credibilidade

Como fez recentemente com este jornal, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu rebater críticas da tradicional revista britânica The Economist à Corte. O ministro faria melhor se optasse pelo silêncio.

Num editorial intitulado A Suprema Corte do Brasil está sob julgamento, acompanhado de uma reportagem (O juiz que governaria a internet, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes), a publicação britânica denunciou a concentração de poder no Supremo, apontando três riscos: a deterioração da qualidade de suas decisões em razão da expansão de suas competências, a degradação da confiança pública e a violação de liberdades fundamentais.

Nada do que já não tenhamos notado nesta página e nada do que comentaristas de boa-fé já não tenham alertado, na esperança de que houvesse uma correção de rumo, para o bem do próprio Supremo e da democracia. Como se vê, debalde.

Em nota eivada de diversionismos, sofismas e até inverdades, Barroso tentou desmentir os fatos listados pela The Economist. Ao fazê-lo, apenas os ratificou. Tentou desmoralizar a revista, mas acabou desmoralizando a si e à Corte que preside.

Barroso afirma que os acusados pelos atentados do 8 de Janeiro estão sendo processados conforme o devido processo legal. Mas, para começar, essas pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, nem sequer deveriam estar sendo julgadas pelo STF. Se estão, é só porque a Corte alterou casuisticamente sua própria jurisprudência sobre regras constitucionais, como a do foro privilegiado.

A revista criticou, corretamente, a derrubada arbitrária de contas de bolsonaristas na rede social X por parte do ministro Moraes, o que obviamente configura censura. Em sua resposta, Barroso diz que houve “remoção de conteúdo”. Ora, suspender uma conta numa rede social, impedindo seu dono de se manifestar ali, é muito diferente de remover apenas “conteúdo”. Isso deveria ser claro para o presidente do principal tribunal do País.

Ao contestar a The Economist por ter criticado a ordem de Moraes que bloqueou a rede X no Brasil, Barroso enfatizou a legalidade da decisão do ministro. Mas o presidente do STF convenientemente não rebateu a informação de que o mesmo Moraes, em sua queda de braço com Elon Musk, dono do X, mandou congelar as contas bancárias da Starlink, empresa de Musk que nada tem a ver com a rede social, até que as multas impostas ao X fossem pagas.

Além disso, a The Economist questiona por que razão o julgamento de Bolsonaro e dos demais acusados de tentativa de golpe vai ocorrer numa turma do STF, e não no plenário. É uma boa pergunta, sobretudo quando se considera, como faz a revista, que dos cinco ministros dessa turma, pelo menos três deveriam se declarar suspeitos: o próprio Moraes, por constar como vítima do suposto complô golpista; Flávio Dino, que foi ministro da Justiça do presidente Lula da Silva, antípoda de Bolsonaro; e Cristiano Zanin, que foi advogado de Lula.

Para Barroso, contudo, “a regra de procedimento penal em vigor no tribunal é a de que ações penais contra altas autoridades sejam julgadas por uma das duas turmas do tribunal, e não pelo plenário” e que “mudar isso é que seria excepcional”. Ora, essa regra regimental não valia no julgamento do mensalão, por exemplo. O que não deveria mudar é a regra constitucional do foro privilegiado, mas aqui parece ter valido o princípio da “excepcionalidade”.

A título de questionar a imparcialidade do tribunal, a revista disse que Barroso declarou em 2023 que “nós derrotamos Bolsonaro”. Trata-se de uma imprecisão – a frase correta é “nós derrotamos o bolsonarismo”. Foi o bastante para que Barroso alegasse que “nunca disse” tal coisa. O truque retórico do presidente do Supremo chega a ser ofensivo à inteligência alheia. Quem quiser pode procurar o vídeo em que um animado Barroso discursa, como se estivesse num comício, dizendo “nós derrotamos o bolsonarismo”, o que deveria bastar para atestar sua parcialidade no julgamento do ex-presidente.

Mas nem é preciso se dar a esse trabalho: basta ler o último parágrafo da nota de Barroso, em que ele acusa a The Economist de se alinhar “à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado”, para saber que os réus já estão condenados.

O caso da Favela do Moinho

O Estado de S. Paulo

Remoção de moradores exige sensibilidade das autoridades, com a oferta de um futuro melhor

Começou a remoção das famílias da Favela do Moinho para que a área dê lugar a um parque. Pode ser o início do fim da última favela na região central de São Paulo. Mas, como quase tudo o que envolve essa comunidade, o processo tem sido marcado por disputas e erros do poder público estadual, municipal e federal.

A ideia é tirar as mais de 800 famílias da favela erguida nos anos 1990 entre o Bom Retiro e os Campos Elíseos. Trata-se de um terreno da União praticamente inabitável, entre duas linhas de trens metropolitanos, por onde também circulam trens de carga. Há um único acesso de entrada e saída da comunidade, e parte dos imóveis fica sob um viaduto.

Essa combinação de fatores coloca os moradores em risco. São paulistanos que já se viram nos últimos dez anos cercados por grandes incêndios que deixaram mortos e feridos. Além disso, o isolamento da área e sua proximidade da Cracolândia fizeram com que a favela virasse uma espécie de “quartel-general” do Primeiro Comando da Capital (PCC), que dali comanda o tráfico de drogas na região.

Essa realidade mostra como é penosa a vida na Favela do Moinho, que, embora precária para moradia, é rodeada de oportunidades. Se hoje famílias moram ali é porque encontram no entorno ofertas de trabalho e renda, escolas para seus filhos e equipamentos de saúde. São compreensíveis, portanto, as preocupações e os protestos daqueles que terão de deixar a favela. Por isso essa saída exige muita sensibilidade das autoridades.

O plano em marcha é capitaneado pelo governo Tarcísio de Freitas, que também quer construir por ali a Estação Bom Retiro, além de transferir a sede do Executivo paulista para a região da Cracolândia. Aos moradores são oferecidos apartamentos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), distantes muitos quilômetros do centro, como na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, ou na Penha, na zona leste. Alguns deles, segundo moradores ouvidos pelo Estadão, têm apenas 32 metros quadrados.

Enquanto esperam pela entrega das unidades, os moradores receberão, além de um auxílio-mudança de R$ 2,4 mil, um auxílio-aluguel mensal de R$ 800, que, por óbvio, é insuficiente para cobrir os custos de locação de um imóvel decente. Esses recursos são bancados pelo Estado e pela Prefeitura.

Dono da área, o governo federal, que pouco tem contribuído nesse processo, passou a questionar essas medidas. A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) quer saber detalhes do plano, como o reassentamento proposto e o projeto do parque, além de rejeitar o uso de força policial. Só assim a gestão federal afirmou que será possível avançar no contrato de cessão.

Tanta polêmica só explicita os equívocos passados e presentes na Favela do Moinho. Houve negligência da União, ao não zelar por uma área que lhe pertence, houve conivência do Estado, que, dono da CPTM, deixou a situação degringolar, e houve ausência do Município, ao não implementar um planejamento urbano adequado. As autoridades agora têm a chance de oferecer a esses moradores um futuro melhor. Basta que não errem mais.

Transparência do INSS precisa ser restaurada

Correio Braziliense

O INSS, ao longo dos anos, transformou-se em um labirinto burocrático vulnerável ao crime e inóspito para o cidadão honesto. Romper com esse padrão é tarefa urgente e civilizatória

O governo deu um passo importante ao deflagrar a Operação Sem Desconto, mirando um dos maiores esquemas de corrupção já instalados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O desvio bilionário é mais um capítulo de uma velha história: a captura de estruturas públicas por quadrilhas especializadas em fraudar os mais vulneráveis — neste caso, aposentados e pensionistas.

Acerta o Executivo ao mobilizar a Controladoria Geral da União (CGU) para investigar os malfeitos e a Advocacia-Geral da União (AGU) para atuar na linha de frente do ressarcimento às vítimas. Agora, é um caso de polícia a cargo das investigações da Polícia Federal (PF). É o mínimo a se fazer diante do descaso institucional que permitiu o desconto sistemático de valores em nome de associações fantasmas e serviços jamais contratados durante tantos anos.

Mas o mérito da ação só será completo se os responsáveis — dentro e fora do Estado — forem exemplarmente punidos. A transparência deve ser restaurada. A eficiência, perseguida com seriedade. O INSS, ao longo dos anos, transformou-se em um labirinto burocrático vulnerável ao crime e inóspito para o cidadão honesto. Romper com esse padrão é tarefa urgente e civilizatória.

O caso revelado pela Operação Sem Desconto escancara essa corrupção endêmica. A CGU identificou um aumento significativo nos valores descontados dos benefícios do INSS por entidades associativas, passando de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 2,8 bilhões em 2024. Era um esquema de descontos associativos não autorizados, feitos por entidades e sindicatos, totalizando cerca de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.

A cada nova operação, o enredo se repete: corrupção entranhada, conluio entre servidores e fraudadores, prejuízo bilionário aos cofres públicos — e às vítimas, quase sempre os mais pobres e desprotegidos. Em setembro de 2024, a PF havia desarticulado uma organização criminosa que obtinha ilegalmente dados de beneficiários do INSS para comercialização. O grupo era composto por hackers que invadiam os sistemas do INSS, servidores que vendiam suas credenciais de acesso e intermediários que comercializavam as informações obtidas.

Na década de 1990, a advogada Jorgina de Freitas Fernandes e uma quadrilha composta por juízes, advogados e servidores públicos fraudavam processos judiciais para desviar recursos do INSS, resultando em um prejuízo estimado em aproximadamente R$ 2 bilhões. Jorgina foi condenada a 14 anos de prisão. 

A Operação Miquéias, em 2013, investigou duas organizações criminosas — uma especializada em lavagem de dinheiro e outra em má gestão de recursos de entidades previdenciárias públicas — e  revelou que prefeitos e gestores de regimes próprios de Previdência Social eram aliciados para aplicar recursos em fundos de investimentos geridos pela quadrilha, resultando em prejuízos significativos.

Em 2015 e 2016, a Operação Nenhures, também da PF, desmantelou uma quadrilha que falsificava certidões de nascimento para obter ilegalmente pensões por morte do INSS. A investigação, realizada em Minas Gerais e na Bahia, estimou um prejuízo de aproximadamente R$ 6,5 milhões aos cofres públicos. Diversas pessoas foram presas, incluindo servidores públicos e intermediários.

A corrupção endêmica é mais do que um problema administrativo — é um desafio civilizatório. Que a operação deflagrada nesta semana marque o início de uma faxina moral e funcional em um dos órgãos mais estratégicos para a dignidade da população brasileira.

Famílias em situação de rua, um desafio a ser enfrentado

O Povo

As propostas até agora implementadas mostram-se insuficientes para superar ou mesmo reduzir o problema

Levantamentos realizados ao longo dos anos mostram aumento do número de brasileiros vivendo em situação de rua. Apesar dos diversos programas sociais do governo federal, complementados em muitos estados e municípios, a situação permanece grave.

O problema é complexo, pois são várias as causas que levam a pessoa a viver precariamente — e não apenas dificuldades financeiras —, como pode sugerir uma análise superficial do fenômeno. Além do desemprego, com a perda da renda, questões como saúde mental, dependência química, conflitos e violência familiar são motivos para as pessoas deixarem suas casas, mesmo quando a alternativa é viver precariamente nas ruas.

Em qualquer grande cidade do País o fenômeno é visível, com muita gente dormindo em calçadas, embaixo de viadutos e em praças públicas. Os serviços sociais dos municípios são insuficientes para dar conta de tamanha demanda, afora a dificuldade que muitas pessoas em situação de rua têm de seguir as regras rígidas dos abrigos.

Reportagem publicada na edição de ontem mostra que em Fortaleza existem 9.657 famílias vivendo em situação de rua, o maior número do Nordeste. A quantidade se refere apenas às famílias com registro no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, portanto a cifra de desabrigados pode ser bem maior. Depois de Fortaleza, vem Salvador (9.215), Recife (3.626), São Luiz (1.967) e Maceió (1.761).

Considerando-se todo o País, Fortaleza aparece como a quarta cidade com o maior número de famílias em situação de rua, depois de São Paulo (90.425), Rio de Janeiro (21,630) e Belo Horizonte (14,384). O levantamento foi realizado pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com dados do CadÚnico.

Em outro estudo, divulgado em janeiro, verificou-se que o número de pessoas vivendo em situação no Brasil aumentou 25%. Em dezembro de 2023, havia 261.653 pessoas nessa categoria, número que saltou para 327.925 no final do ano passado.

A prefeitura de Fortaleza foi consultada sobre o assunto e informou que, além dos programas em curso, prepara outros projetos dirigidos às pessoas em situação de rua. Segundo a vice-prefeita Gabriela Aguiar, titular da Secretaria de Direitos Humanos, também serão realizados fóruns temáticos para ouvir diretamente quem vive essa realidade.

Reconheça-se o esforço de algumas administrações, nos três níveis de poder, em enfrentar esse desafio. Mas, pelo que se apresenta até agora, as propostas implementadas mostram-se insuficientes para superar, ou mesmo reduzir o problema.

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