Prisão de Collor é decisão correta diante de evidências
O Globo
Para evitar justiçamento ou impunidade, é
fundamental o respeito a todos os ritos jurídicos
Em razão de um pedido de destaque do ministro
Gilmar Mendes, o plenário do Supremo Tribunal Federal ainda examinará em sessão
presencial a decisão do ministro Alexandre
de Moraes que determinou a prisão do ex-presidente e ex-senador Fernando
Collor de Mello por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crimes
revelados pela Operação Lava-Jato. Na sessão virtual, ela já conta com maioria
de seis ministros. Trata-se de uma decisão correta. A Justiça ofereceu todos os
caminhos possíveis para Collor se defender, e as evidências reunidas ao longo
do processo justificam a prisão. Diante delas, causaria espanto se mais esse
caso da Lava-Jato não desse em nada.
Em 2023, Collor foi condenado a oito anos e dez meses de prisão, sob a acusação de participar de um esquema de corrupção na BR-Distribuidora. As investigações foram aprofundadas depois de delações premiadas do doleiro Alberto Youssef, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e do empresário Ricardo Pessoa. As denúncias foram corroboradas por provas recolhidas pela Polícia Federal. Esgotados todos os recursos, Collor foi detido na madrugada desta sexta-feira, em Maceió (AL), e aguardará preso a decisão do plenário.
De acordo com as investigações, entre 2010 e
2014, ele recebeu pelo menos R$ 20 milhões em propina para facilitar contratos
irregulares da BR Distribuidora com a UTC Engenharia, destinados à construção
de bases de distribuição de combustíveis. A vantagem indevida, segundo a
acusação, foi dada em troca de apoio político para indicação e manutenção de
diretores da empresa.
Collor já esteve implicado em outros
escândalos. Nos anos 1990, sofreu impeachment e foi alvo de acusações de
envolvimento no esquema armado por seu tesoureiro de campanha, Paulo César
Farias, o PC Farias. Foi absolvido pelo Supremo depois do impeachment, apesar
de comprovada a compra de um Fiat Elba Weekend com recursos desviados, além de
obras superfaturadas na Casa da Dinda.
A corrupção é uma chaga que lamentavelmente o
Brasil não consegue derrotar. A despeito da profusão de casos, o enfrentamento
aos crimes tem arrefecido. A Lava-Jato, maior operação contra corruptos e
corruptores já empreendida no país, vem sendo desmontada de forma consistente
em decisões do Supremo. É certo que houve erros do Ministério Público e da
Justiça. Mas causa perplexidade a anulação de tantos processos, sobretudo
depois de empresários confessarem seus crimes em depoimentos gravados em vídeo
e até de devolverem dinheiro.
Collor é o terceiro ex-presidente a ser preso
como resultado de investigações da Lava-Jato. Os outros dois (Luiz Inácio Lula
da Silva e Michel Temer) depois foram libertados, ou porque as acusações se
revelaram inconsistentes ou em razão de falhas na condução dos processos. Para
evitar novos erros que resultem em justiçamento prematuro ou em impunidade, é
fundamental a garantia de amplo direito de defesa e o respeito a todos os ritos
jurídicos.
MEC demorou a intervir para pôr ordem no
ensino à distância
O Globo
Governo não deve provocar ruptura, mas
precisa regular modalidade que já reúne metade dos universitários
Tecnologia existe para ser usada, e não pode
ser diferente com o ensino à distância (EaD). Trata-se, em princípio, de um
método prático para aproximar os alunos do conhecimento. Mas o crescimento
explosivo da modalidade preocupa, dada a dificuldade intrínseca de manter a
qualidade do aprendizado. Pelos dados de 2023, 49% dos estudantes em
universidades, ou 4,9 milhões de 9,9 milhões, estavam matriculados em cursos à
distância. O aumento nos últimos oito anos foi de 179%, com 66,4% dos alunos
(3,2 milhões) matriculados em instituições privadas. Era inevitável e esperada
a ação do governo – na realidade, ela até demorou.
No ano passado, o MEC suspendeu
temporariamente o credenciamento de novas instituições que usam EaD e a
autorização para novos cursos. A intenção, correta, é criar um marco
regulatório que estabeleça exigências na avaliação dos alunos, nas regras para
as aulas e na estrutura mínima dos polos que dão apoio aos estudantes. Em
novembro, o MEC apresentou diretrizes ao Conselho Consultivo para o
Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão do Ensino Superior,
criado no ano passado. Nele, estão representados empresas que atuam no setor,
reitores de universidades públicas e estudantes.
Entre as propostas, há ideias sensatas que
encontram resistência no setor privado. Uma delas é a obrigatoriedade de provas
presenciais com um terço das questões discursivas, a melhor forma de aferir o
conhecimento e a capacidade de articulação do aluno. Outra é o controle de
presença nas aulas on-line, para que haja um mínimo de estudantes. Também se
quer evitar o oposto: cursos que chegam a ter um professor para 500 alunos.
Estão na mira do MEC, além disso, artifícios para facilitar a aprovação e assim
evitar a evasão e a queda de faturamento das universidades. Há também a
preocupação com a estrutura dos polos em que os alunos têm apoio presencial. Em
pequenas cidades, mais de uma instituição costuma dividir o mesmo polo, algo
que o MEC deseja proibir. A depender da área de ensino, tais polos também
teriam de contar com laboratórios.
Existem ainda aberrações, como o curso de
enfermagem à distância. A intenção do ministério é proibi-lo. Em 2017, ele
reunia 10 mil alunos. Com o EaD, passou para 193 mil. Atividades como medicina,
enfermagem e outras que exigem interação pessoal não podem ser aprendidas à
distância.
O setor pressiona o governo para divulgar
logo as novas regras. “A gente precisa sair da lógica da modalidade e pensar na
metodologia de ensino. Se [a modalidade] à distância proporcionar a
aprendizagem, por que proibir o uso da tecnologia?”, pergunta Bruno Coimbra,
diretor jurídico da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
(ABMES), representante de instituições privadas de ensino.
O governo não deve provocar ruptura, mas
precisa pôr ordem num segmento que reúne metade dos estudantes universitários
brasileiros. É preciso impedir que o EaD se torne apenas uma fábrica de
diplomas sem valor.
Taxa de ex-presidentes presos no Brasil é
alarmante
Folha de S. Paulo
Com Collor, foram 3 dos 8 ex-mandatários
desde a redemocratização; Justiça precisa atuar de modo rigoroso e estável
A prisão de Fernando
Collor de Mello, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, torna-o
o terceiro ex-presidente do ciclo democrático iniciado há 40 anos a ser
recolhido numa cela. Como oito políticos ocuparam o Palácio do Planalto nesse
período, a taxa de encarceramento de 38% não projeta boa imagem da função.
O mesmo indicador para os Estados
Unidos, com mais de 230 anos de sucessões presidenciais democráticas
ininterruptas, aproxima-se de zero. Debate-se se Ulysses Grant, que governou de
1869 a 1877, chegou a ser detido por abusar da velocidade no comando de uma
carruagem.
Infelizmente não foram assim menores,
beirando o anedótico, as motivações para a prisão dos ex-mandatários
brasileiros. Nos três casos, suspeitas de corrupção embasaram
as iniciativas do Ministério
Público que, sob a arbitragem do Poder Judiciário, culminaram nas
detenções.
Na mais efêmera passagem de um desses
ex-presidentes pela cadeia, Michel Temer (MDB)
esteve nove dias em prisão cautelar em 2019 por alegadamente representar ameaça
a investigações de um esquema de desvio de recursos públicos. A prisão foi logo
revogada, e a denúncia, mais tarde recusada pela Justiça.
No caso do então ex-presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT), a
ordem de prisão, de 2018, seguiu-se à sua condenação em segunda instância, em
obediência ao entendimento que à época prevalecia no Supremo Tribunal Federal,
por corrupção no âmbito da Operação
Lava Jato.
Lula passou 580 dias numa cela especial da
Polícia Federal em Curitiba e foi solto quando o STF mudou sua
jurisprudência. Mais tarde a corte constitucional procedeu a uma revisão
radical da Lava Jato, invertendo o endosso efusivo que emprestara à operação em
seus primeiros anos, e as
ações contra Lula, bem como contra outros condenados, foram derrubadas.
Collor foi um dos poucos que não se safaram
após o revisionismo promovido pelo Supremo.
Sentenciado a 8 anos e 10 meses de reclusão por
beneficiar-se de propinas na BR Distribuidora durante as gestões
petistas de Lula e Dilma
Rousseff (PT), o ex-presidente, que perdeu por 6 a 4 o recurso para
rever a decisão, está desde a manhã desta sexta-feira (25) sob
custódia de autoridades federais.
Convertido em réu pelo STF sob a acusação de
conspirar contra a democracia, Jair Bolsonaro (PL) poderá elevar para 50% a
taxa de encarceramento de ex-presidentes na Nova República se for considerado
culpado.
Numa democracia madura, o exercício do mais
alto cargo representativo não deveria associar-se a tamanho risco de
constrangimento penal. Se isso ocorre, é porque persistem desajustes de
incentivos seja para políticos limitarem-se às balizas da lei, seja para
procuradores e juízes sustentarem um sistema de investigação e punição ao mesmo
tempo rigoroso, garantista e estável.
Reservatório de incompetência ameaça
barragens
Folha de S. Paulo
Relatório da ANA revela irresponsabilidade
com segurança; tragédias como as de Brumadinho e Mariana poderão se repetir
Não haveria maior evidência do descaso do
poder público com a segurança de barramentos do que a tragédia
de Brumadinho (MG), em 2019, ter ocorrido pouco mais de três anos
após o
desastre no subdistrito de Bento Rodrigues em Mariana (MG). Talvez só o
fato de populações vizinhas às obras seguirem sob risco desconhecido.
Dos 28.086 diques cadastrados no Sistema
Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, nada
menos que 14.916 jamais foram alvo de inspeções para verificar se
estão em consonância com as normas legais. O dado assombroso foi revelado em
recente reportagem da Folha, que apresenta um compêndio de
irresponsabilidades em todas as esferas de governo.
Num país que se orgulha do destaque
internacional de sua matriz energética limpa propiciada por hidrelétricas e da
produção de minérios, atividades que abusam de barramentos para reservar água e
rejeitos, tanta incúria é sintoma da imprevidência de sucessivas
administrações.
A leitura do Relatório de Segurança de
Barragens 2024-2025 obtido pelo jornal, que será divulgado em julho pela
Agência Nacional de Águas (ANA), é instrutiva, para não dizer lúgubre. O Brasil
desconhece até mesmo a altura de dois terços dos barramentos, e sobre um quarto
deles se ignora o volume represado.
A Política Nacional de Segurança de Barragens
de 2010 estipula o conceito de Dano Potencial Associado (DPA) para estimar o
prejuízo social, ambiental e econômico em caso de rompimento. Ocorre que 14.589
delas não contam com DPA, classificação decisiva para priorizar ações de
prevenção. Meros 1.463 barramentos possuem plano de segurança cadastrado no
sistema nacional.
Só 601 deles foram objeto de inspeção em
2024. No setor de minérios, apenas 472 das 922 barragens na alçada da Agência
Nacional de Mineração estão enquadradas na política de segurança oficial, e só
180 foram inspecionadas pela agência no ano passado.
Em suma, falta informação e sobra descontrole
nos 33 órgãos de fiscalização estaduais e federais. O relatório arrola 345
profissionais ocupados com segurança de barragens, cada um responsável em média
por 81 dessas estruturas, mas 180 deles não estão dedicados exclusivamente a
elas.
Para cúmulo do descaso, o número de fiscalizações vem diminuindo. Após 3.064 inspeções presenciais em 2023, no ano passado foram 2.859. Tudo se passa como se o Brasil não se importasse com os 289 mortos de Mariana e Brumadinho e estivesse disposto a vivenciar novas tragédias.
Collor na cadeia
O Estado de S. Paulo
A trajetória do ‘caçador de marajás’ até a
prisão é uma espécie de inventário das mazelas políticas brasileiras, mas
também serve para mostrar a força institucional do País
Fernando Collor de Mello, primeiro presidente
eleito pelo voto direto no Brasil depois da ditadura militar, agora é um
presidiário, condenado por corrupção. Seu nome já estava na História como o
primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment, também sob acusação de
corrupção. Sua trajetória, portanto, é uma espécie de livro-texto para os que
quiserem estudar as mazelas políticas brasileiras desde o renascimento da
democracia. E serve também – porque nem tudo é tragédia, afinal – para
simbolizar a capacidade institucional brasileira de punir quem conspurca a
República. Não é pouca coisa.
Primeiro, às mazelas. Collor foi condenado em
maio de 2023 a oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. Na ocasião, o Supremo Tribunal
Federal (STF) considerou que, entre 2010 e 2014, Collor usou sua influência
sobre a presidência e a diretoria da BR Distribuidora, então subsidiária da
Petrobras, para direcionar contratos de construção de bases de distribuição de
combustíveis para a UTC Engenharia em troca de propina. O caso, portanto, ilustra
com perfeição como as numerosas estatais do País são vulneráveis aos mercadores
da política, que cavoucam cargos, oportunidades e contratos para se
locupletarem.
Collor era apenas um dos tantos usufrutuários
do monstruoso escândalo do petrolão, que foi a dilapidação da Petrobras pelos
governos petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Com isso, acabou se
associando à corrupção do PT, o partido que ele mesmo combateu com denodo ao se
tornar presidente, em 1989, derrotando Lula da Silva no segundo turno.
Não é a única ironia da trajetória de Collor,
que foi afastado da Presidência em meio a um escândalo de corrupção depois de
ter chegado ao poder prometendo moralizar a vida pública e caçar os “marajás”
do Estado. Como este jornal sublinhou à época, Collor traiu os brasileiros que
acreditaram em suas promessas de prosperidade e honestidade no trato da coisa
pública, e “renunciou não em aras da Pátria, mas pensando no seu futuro
político pessoal”, desejando que, “em breve ou a médio prazo, seus malfeitos sejam
esquecidos e ele possa voltar ao cenário político”.
O vaticínio do Estadão foi
certeiro: o alívio viria dois anos depois, quando o STF o inocentou da acusação
de corrupção passiva, e logo o ex-presidente voltaria à ribalta política. Não
se encerraram ali, entretanto, os problemas de Collor com a Justiça. Durante as
três décadas seguintes, ele continuamente enfrentou processos criminais – e
saiu-se livre de todos eles, elegendo-se senador em 2006. Foi nessa condição, e
fazendo parte da base de “aliados” de Lula e Dilma, que Collor manteve seus
tentáculos políticos destinados à obtenção de dividendos, vamos chamar assim,
singulares. Segundo a denúncia que o levou à condenação, o ex-presidente
recebeu R$ 20 milhões em propina, dinheiro que supostamente “apareceu” do nada
em sua conta, enquanto ele dizia não fazer “a menor ideia” de sua origem, de
acordo com entrevistas que concedeu durante o processo.
Mas nem tudo nessa história são mazelas.
Collor, afinal, está preso, depois de um processo em que teve amplo direito de
defesa. Isso significa que as barreiras republicanas erguidas pela Constituição
de 1988 estão em vigor e, bem ou mal, funcionam. No caso de Collor, aliás, isso
já havia ficado claro logo no primeiro teste da Constituição recém-promulgada,
com seu processo de impeachment. O Congresso, estimulado pelas manifestações de
cidadãos indignados nas ruas, abreviou o mandato de quem estava transformando a
Presidência em balcão de negócios escusos. Tudo dentro da lei.
Ademais, as reinações lulopetistas (e
colloridas) levaram o Congresso a aprovar, em 2016, uma lei para pôr cobro à
exploração política (e pecuniária) das empresas estatais. Trata-se de um avanço
gigantesco, que se mantém mesmo diante de manobras espertas dos petistas para
enfraquecê-la.
Collor estará preso até decisão definitiva do
plenário do STF. Seja qual for seu destino, no entanto, o Brasil sairá melhor.
O STF que Barroso não quer ver
O Estado de S. Paulo
Em nota repleta de falácias, presidente do
STF rebate editorial da ‘The Economist’ que disse apenas o óbvio: que na atual
toada a Corte corre o risco de perder ainda mais credibilidade
Como fez recentemente com este jornal, o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu
rebater críticas da tradicional revista britânica The Economist à
Corte. O ministro faria melhor se optasse pelo silêncio.
Num editorial intitulado A Suprema Corte
do Brasil está sob julgamento, acompanhado de uma reportagem (O juiz que
governaria a internet, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes), a
publicação britânica denunciou a concentração de poder no Supremo, apontando
três riscos: a deterioração da qualidade de suas decisões em razão da expansão
de suas competências, a degradação da confiança pública e a violação de
liberdades fundamentais.
Nada do que já não tenhamos notado nesta
página e nada do que comentaristas de boa-fé já não tenham alertado, na
esperança de que houvesse uma correção de rumo, para o bem do próprio Supremo e
da democracia. Como se vê, debalde.
Em nota eivada de diversionismos, sofismas e
até inverdades, Barroso tentou desmentir os fatos listados pela The
Economist. Ao fazê-lo, apenas os ratificou. Tentou desmoralizar a revista, mas
acabou desmoralizando a si e à Corte que preside.
Barroso afirma que os acusados pelos
atentados do 8 de Janeiro estão sendo processados conforme o devido processo
legal. Mas, para começar, essas pessoas, incluindo o ex-presidente Jair
Bolsonaro, nem sequer deveriam estar sendo julgadas pelo STF. Se estão, é só
porque a Corte alterou casuisticamente sua própria jurisprudência sobre regras
constitucionais, como a do foro privilegiado.
A revista criticou, corretamente, a derrubada
arbitrária de contas de bolsonaristas na rede social X por parte do ministro
Moraes, o que obviamente configura censura. Em sua resposta, Barroso diz que
houve “remoção de conteúdo”. Ora, suspender uma conta numa rede social,
impedindo seu dono de se manifestar ali, é muito diferente de remover apenas
“conteúdo”. Isso deveria ser claro para o presidente do principal tribunal do
País.
Ao contestar a The Economist por
ter criticado a ordem de Moraes que bloqueou a rede X no Brasil, Barroso
enfatizou a legalidade da decisão do ministro. Mas o presidente do STF
convenientemente não rebateu a informação de que o mesmo Moraes, em sua queda
de braço com Elon Musk, dono do X, mandou congelar as contas bancárias da
Starlink, empresa de Musk que nada tem a ver com a rede social, até que as
multas impostas ao X fossem pagas.
Além disso, a The Economist questiona
por que razão o julgamento de Bolsonaro e dos demais acusados de tentativa de
golpe vai ocorrer numa turma do STF, e não no plenário. É uma boa pergunta,
sobretudo quando se considera, como faz a revista, que dos cinco ministros
dessa turma, pelo menos três deveriam se declarar suspeitos: o próprio Moraes,
por constar como vítima do suposto complô golpista; Flávio Dino, que foi
ministro da Justiça do presidente Lula da Silva, antípoda de Bolsonaro; e
Cristiano Zanin, que foi advogado de Lula.
Para Barroso, contudo, “a regra de
procedimento penal em vigor no tribunal é a de que ações penais contra altas
autoridades sejam julgadas por uma das duas turmas do tribunal, e não pelo
plenário” e que “mudar isso é que seria excepcional”. Ora, essa regra
regimental não valia no julgamento do mensalão, por exemplo. O que não deveria
mudar é a regra constitucional do foro privilegiado, mas aqui parece ter valido
o princípio da “excepcionalidade”.
A título de questionar a imparcialidade do
tribunal, a revista disse que Barroso declarou em 2023 que “nós derrotamos
Bolsonaro”. Trata-se de uma imprecisão – a frase correta é “nós derrotamos o
bolsonarismo”. Foi o bastante para que Barroso alegasse que “nunca disse” tal
coisa. O truque retórico do presidente do Supremo chega a ser ofensivo à
inteligência alheia. Quem quiser pode procurar o vídeo em que um animado
Barroso discursa, como se estivesse num comício, dizendo “nós derrotamos o
bolsonarismo”, o que deveria bastar para atestar sua parcialidade no julgamento
do ex-presidente.
Mas nem é preciso se dar a esse trabalho:
basta ler o último parágrafo da nota de Barroso, em que ele acusa a The
Economist de se alinhar “à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado”,
para saber que os réus já estão condenados.
O caso da Favela do Moinho
O Estado de S. Paulo
Remoção de moradores exige sensibilidade das
autoridades, com a oferta de um futuro melhor
Começou a remoção das famílias da Favela do
Moinho para que a área dê lugar a um parque. Pode ser o início do fim da última
favela na região central de São Paulo. Mas, como quase tudo o que envolve essa
comunidade, o processo tem sido marcado por disputas e erros do poder público
estadual, municipal e federal.
A ideia é tirar as mais de 800 famílias da
favela erguida nos anos 1990 entre o Bom Retiro e os Campos Elíseos. Trata-se
de um terreno da União praticamente inabitável, entre duas linhas de trens
metropolitanos, por onde também circulam trens de carga. Há um único acesso de
entrada e saída da comunidade, e parte dos imóveis fica sob um viaduto.
Essa combinação de fatores coloca os
moradores em risco. São paulistanos que já se viram nos últimos dez anos
cercados por grandes incêndios que deixaram mortos e feridos. Além disso, o
isolamento da área e sua proximidade da Cracolândia fizeram com que a favela
virasse uma espécie de “quartel-general” do Primeiro Comando da Capital (PCC),
que dali comanda o tráfico de drogas na região.
Essa realidade mostra como é penosa a vida na
Favela do Moinho, que, embora precária para moradia, é rodeada de
oportunidades. Se hoje famílias moram ali é porque encontram no entorno ofertas
de trabalho e renda, escolas para seus filhos e equipamentos de saúde. São
compreensíveis, portanto, as preocupações e os protestos daqueles que terão de
deixar a favela. Por isso essa saída exige muita sensibilidade das autoridades.
O plano em marcha é capitaneado pelo governo
Tarcísio de Freitas, que também quer construir por ali a Estação Bom Retiro,
além de transferir a sede do Executivo paulista para a região da Cracolândia.
Aos moradores são oferecidos apartamentos da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano (CDHU), distantes muitos quilômetros do centro, como na
Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, ou na Penha, na zona leste. Alguns
deles, segundo moradores ouvidos pelo Estadão, têm apenas 32 metros
quadrados.
Enquanto esperam pela entrega das unidades,
os moradores receberão, além de um auxílio-mudança de R$ 2,4 mil, um
auxílio-aluguel mensal de R$ 800, que, por óbvio, é insuficiente para cobrir os
custos de locação de um imóvel decente. Esses recursos são bancados pelo Estado
e pela Prefeitura.
Dono da área, o governo federal, que pouco
tem contribuído nesse processo, passou a questionar essas medidas. A Secretaria
do Patrimônio da União (SPU) quer saber detalhes do plano, como o
reassentamento proposto e o projeto do parque, além de rejeitar o uso de força
policial. Só assim a gestão federal afirmou que será possível avançar no
contrato de cessão.
Tanta polêmica só explicita os equívocos passados e presentes na Favela do Moinho. Houve negligência da União, ao não zelar por uma área que lhe pertence, houve conivência do Estado, que, dono da CPTM, deixou a situação degringolar, e houve ausência do Município, ao não implementar um planejamento urbano adequado. As autoridades agora têm a chance de oferecer a esses moradores um futuro melhor. Basta que não errem mais.
Transparência do INSS precisa ser restaurada
Correio Braziliense
O INSS, ao longo dos anos, transformou-se em
um labirinto burocrático vulnerável ao crime e inóspito para o cidadão honesto.
Romper com esse padrão é tarefa urgente e civilizatória
O governo deu um passo importante ao
deflagrar a Operação Sem Desconto, mirando um dos maiores esquemas de corrupção
já instalados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O desvio
bilionário é mais um capítulo de uma velha história: a captura de estruturas
públicas por quadrilhas especializadas em fraudar os mais vulneráveis — neste
caso, aposentados e pensionistas.
Acerta o Executivo ao mobilizar a
Controladoria Geral da União (CGU) para investigar os malfeitos e a
Advocacia-Geral da União (AGU) para atuar na linha de frente do ressarcimento
às vítimas. Agora, é um caso de polícia a cargo das investigações da Polícia
Federal (PF). É o mínimo a se fazer diante do descaso institucional que
permitiu o desconto sistemático de valores em nome de associações fantasmas e
serviços jamais contratados durante tantos anos.
Mas o mérito da ação só será completo se os
responsáveis — dentro e fora do Estado — forem exemplarmente punidos. A
transparência deve ser restaurada. A eficiência, perseguida com seriedade. O
INSS, ao longo dos anos, transformou-se em um labirinto burocrático vulnerável
ao crime e inóspito para o cidadão honesto. Romper com esse padrão é tarefa
urgente e civilizatória.
O caso revelado pela Operação Sem Desconto
escancara essa corrupção endêmica. A CGU identificou um aumento significativo
nos valores descontados dos benefícios do INSS por entidades associativas,
passando de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 2,8 bilhões em 2024. Era um esquema
de descontos associativos não autorizados, feitos por entidades e sindicatos,
totalizando cerca de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
A cada nova operação, o enredo se repete:
corrupção entranhada, conluio entre servidores e fraudadores, prejuízo
bilionário aos cofres públicos — e às vítimas, quase sempre os mais pobres e
desprotegidos. Em setembro de 2024, a PF havia desarticulado uma organização
criminosa que obtinha ilegalmente dados de beneficiários do INSS para
comercialização. O grupo era composto por hackers que invadiam os sistemas do
INSS, servidores que vendiam suas credenciais de acesso e intermediários que
comercializavam as informações obtidas.
Na década de 1990, a advogada Jorgina de
Freitas Fernandes e uma quadrilha composta por juízes, advogados e servidores
públicos fraudavam processos judiciais para desviar recursos do INSS,
resultando em um prejuízo estimado em aproximadamente R$ 2 bilhões. Jorgina foi
condenada a 14 anos de prisão.
A Operação Miquéias, em 2013, investigou duas
organizações criminosas — uma especializada em lavagem de dinheiro e outra em
má gestão de recursos de entidades previdenciárias públicas — e revelou
que prefeitos e gestores de regimes próprios de Previdência Social eram
aliciados para aplicar recursos em fundos de investimentos geridos pela
quadrilha, resultando em prejuízos significativos.
Em 2015 e 2016, a Operação Nenhures, também
da PF, desmantelou uma quadrilha que falsificava certidões de nascimento para
obter ilegalmente pensões por morte do INSS. A investigação, realizada em Minas
Gerais e na Bahia, estimou um prejuízo de aproximadamente R$ 6,5 milhões aos
cofres públicos. Diversas pessoas foram presas, incluindo servidores públicos e
intermediários.
A corrupção endêmica é mais do que um problema administrativo — é um desafio civilizatório. Que a operação deflagrada nesta semana marque o início de uma faxina moral e funcional em um dos órgãos mais estratégicos para a dignidade da população brasileira.
Famílias em situação de rua, um desafio a ser
enfrentado
O Povo
As propostas até agora implementadas
mostram-se insuficientes para superar ou mesmo reduzir o problema
Levantamentos realizados ao longo dos anos
mostram aumento do número de brasileiros vivendo em situação de rua. Apesar dos
diversos programas sociais do governo federal, complementados em muitos estados
e municípios, a situação permanece grave.
O problema é complexo, pois são várias as
causas que levam a pessoa a viver precariamente — e não apenas dificuldades
financeiras —, como pode sugerir uma análise superficial do fenômeno. Além do
desemprego, com a perda da renda, questões como saúde mental, dependência
química, conflitos e violência familiar são motivos para as pessoas deixarem
suas casas, mesmo quando a alternativa é viver precariamente nas ruas.
Em qualquer grande cidade do País o fenômeno
é visível, com muita gente dormindo em calçadas, embaixo de viadutos e em
praças públicas. Os serviços sociais dos municípios são insuficientes para dar
conta de tamanha demanda, afora a dificuldade que muitas pessoas em situação de
rua têm de seguir as regras rígidas dos abrigos.
Reportagem publicada na edição de ontem
mostra que em Fortaleza existem 9.657 famílias vivendo em situação de rua, o
maior número do Nordeste. A quantidade se refere apenas às famílias com
registro no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, portanto a cifra de
desabrigados pode ser bem maior. Depois de Fortaleza, vem Salvador (9.215),
Recife (3.626), São Luiz (1.967) e Maceió (1.761).
Considerando-se todo o País, Fortaleza
aparece como a quarta cidade com o maior número de famílias em situação de rua,
depois de São Paulo (90.425), Rio de Janeiro (21,630) e Belo Horizonte
(14,384). O levantamento foi realizado pelo Observatório Brasileiro de
Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), com dados do CadÚnico.
Em outro estudo, divulgado em janeiro,
verificou-se que o número de pessoas vivendo em situação no Brasil aumentou
25%. Em dezembro de 2023, havia 261.653 pessoas nessa categoria, número que
saltou para 327.925 no final do ano passado.
A prefeitura de Fortaleza foi consultada
sobre o assunto e informou que, além dos programas em curso, prepara outros
projetos dirigidos às pessoas em situação de rua. Segundo a vice-prefeita
Gabriela Aguiar, titular da Secretaria de Direitos Humanos, também serão
realizados fóruns temáticos para ouvir diretamente quem vive essa realidade.
Reconheça-se o esforço de algumas
administrações, nos três níveis de poder, em enfrentar esse desafio. Mas, pelo
que se apresenta até agora, as propostas implementadas mostram-se insuficientes
para superar, ou mesmo reduzir o problema.
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