quinta-feira, 3 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil deve reagir com serenidade a tarifaço de Trump

O Globo

À primeira vista, país foi poupado ao ser incluído na menor ‘tarifa recíproca’ — mesmo assim a imposição é injusta

Donald Trump anunciou enfim seu tarifaço sobre importações. O anúncio marca uma inflexão na política comercial americana desde o fim da Segunda Guerra. Em vez de promover o livre-comércio, Trump aposta numa versão mercantilista de protecionismo, com a promessa de elevar investimentos na indústria e criar empregos. Sem dar ouvidos a quem avisa que as tarifas aumentarão a inflação e não resultarão no renascimento industrial prometido, ele deflagrou sua guerra comercial. É esperado — inevitável até — que haja retaliação.

À primeira vista, o Brasil parece ter ficado em posição confortável. As exportações brasileiras foram incluídas na menor “tarifa recíproca”, 10% em média. Mesmo assim, foi uma imposição injusta, já que a balança comercial é favorável aos americanos. O déficit brasileiro em 2024 foi de US$ 250 milhões, em trocas de R$ 81 bilhões. Esse déficit fica ainda maior incluindo a balança de serviços, cujo resultado foi de US$ 3,8 bilhões negativos em 2023 (para transações de US$ 26 bilhões). Em termos comparativos, o Brasil não depende tanto de vendas aos Estados Unidos, terceiro mercado para nossas exportações (12% do total, ou 1,7% do PIB). Uma análise atenta, porém, revela uma realidade mais complexa.

O mercado americano tem sido o principal destino das vendas industriais brasileiras. Bens de maior intensidade tecnológica responderam por 28% das exportações, o dobro da média para outros países. Para segmentos da indústria, o tarifaço de Trump trará dor de cabeça. Sem falar nos riscos intrínsecos à guerra comercial global, como desvio para o Brasil de mercadorias destinadas aos americanos, com reflexos sobre câmbio, inflação e juros.

O que fazer? É possível que Trump esteja disposto a negociar. Se a Organização Mundial do Comércio (OMC) perdeu relevância, a solução é estreitar contatos bilaterais. A tarifa média que incide sobre importações brasileiras de produtos americanos é estimada em 12,4%, bem acima dos 2,7% que os americanos pagavam sobre produtos brasileiros. Carros pagam 35% de tarifa aqui, e Trump impôs 25% lá. O etanol americano paga 18%. Para não falar em eletrônicos ou manufaturados. A economia brasileira é uma das mais fechadas, e há uma oportunidade para reduzir tarifas, de modo a obter concessões americanas. Além de facilitar acesso ao mercado dos Estados Unidos, a medida beneficiaria o consumidor brasileiro com importados mais baratos. Caso a estratégia fracasse, será preciso buscar mercados alternativos.

“O governo brasileiro avalia todas as possibilidades de ação para assegurar a reciprocidade no comércio bilateral”, afirmou o Itamaraty em nota. Sem açodamento, o Brasil deve buscar o entendimento. Se Trump se mostrar irredutível, há armas para retaliar. O Senado aprovou um Projeto de Lei que dá mais musculatura para o governo nas negociações, ao impor reciprocidade de regras ambientais e comerciais (o texto será examinado pela Câmara). Um dos pontos mais relevantes é autorizar retaliação na área de propriedade intelectual, atingindo setores como música, cinema, software e indústria farmacêutica. Tal estratégia já deu certo no passado: uma disputa com os Estados Unidos sobre algodão foi resolvida depois que o Brasil, autorizado pela OMC, impôs tarifas sobre direitos autorais. Desta vez, o ideal é não chegar a tal ponto. Mas é crucial estar preparado para elevar o tom se necessário.

Queda na aprovação do governo reflete desconexão da realidade da população

O Globo

Pondo a culpa na comunicação, Lula apostou em medidas populistas — e sua popularidade naufragou

Parece claro que as mudanças na comunicação e as medidas populistas em série anunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva não têm surtido o efeito desejado. Pela última pesquisa Quaest, o resultado parece o oposto: a desaprovação ao governo registrou a quarta alta consecutiva e alcançou 56%, 15 pontos acima da aprovação, um nível inédito (no levantamento anterior, em janeiro, a diferença era de 2 pontos). Desde julho, a rejeição a Lula subiu 13 pontos.

Por qualquer ângulo que se olhe, os resultados são desastrosos para o governo. A insatisfação se alastra por todas as regiões, mas chama a atenção no Nordeste, conhecido bastião petista. A desaprovação na região saltou de 37% para 46%, enquanto a aprovação caiu de 59% para 52%. No Sudeste, maior colégio eleitoral do país, a desaprovação bateu 60%, ante aprovação de 37%. De modo geral, Lula perdeu apoio sobretudo entre os mais jovens, na população com ensino superior incompleto e de renda média baixa.

Um dado deveria servir para reflexão no Planalto: mais da metade dos brasileiros (53%) considera o terceiro mandato de Lula pior que os anteriores. Na comparação com Jair Bolsonaro, Lula também aparece em desvantagem: 43% dizem que a atual gestão é pior, e 39% a consideram melhor. A escalada na desaprovação revelada pela Quaest está em sintonia com levantamentos recentes de Datafolha e Ipsos-Ipec.

As pesquisas refletem o óbvio: o governo Lula não tem dado respostas satisfatórias aos anseios da população (para 71%, ele não cumpre as promessas de campanha). Nos últimos meses, os eleitores viram disparar os preços em feiras e supermercados. Nem dá para culpar só o ovo e o café. Tudo ficou mais caro. O aumento nos níveis de emprego e renda não tem sido suficiente para se contrapor à carestia. Na segurança, o governo tem sido incapaz de apresentar soluções para a explosão de violência que amedronta os cidadãos. As filas do SUS não diminuem, a despeito das promessas de campanha. Por todos os lados há problemas.

A crise fiscal crônica pode preocupar apenas a parcela mais escolarizada e os estratos mais altos da sociedade, mas é dela que derivam a incerteza que faz disparar os preços e a falta de recursos para políticas públicas consistentes. Lula fez mudanças na comunicação, achando que o maior problema do governo era não saber se comunicar. Mas comunicar o quê? O governo só tem anunciado medidas populistas — e dispendiosas —, como a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e programas sociais reciclados. Pelo que mostram as pesquisas, nada disso tem convencido.

Não se sabe qual será a reação do governo diante de mais uma pesquisa indigesta. O certo seria colocar as contas em ordem e melhorar os serviços à população, sobretudo na área de segurança, hoje maior preocupação dos brasileiros, segundo a Quaest. O errado seria aumentar a gastança com medidas demagógicas na tentativa de aumentar os índices de aprovação. Não há programa ou propaganda capaz de vendar os olhos dos eleitores para a realidade.

Protecionismo de Trump tem efeito oposto ao de ‘libertação’

Valor Econômico

Diante das péssimas expectativas, a carga brasileira foi suave. Mas a desorganização do comércio global, no fim, não é saudável para ninguém

O presidente Donald Trump anunciou o “dia da independência econômica dos EUA” ao disparar uma escalada tarifária global, com piso de 10% para todos os países, 20% para a União Europeia, 34% para a China e 24% para o Japão. No Brics, a África do Sul será taxada em 30%, a Índia, em 26% e o Brasil, em 10%, a tarifa universal mínima — mas mesmo assim uma injustiça, visto que os americanos tiveram superávit de bens e serviços de US$ 28,6 bilhões com o país no ano passado.

Trump apresentou uma lista com supostas tarifas a que produtos americanos são submetidos e afirmou que “como os EUA são muito generosos, cobrarão apenas metade do que cobram de nós”. México e Canadá, aos quais os EUA tinham anunciado, e depois postergado, imposto de 20%, não foram mencionados ontem. Hoje entra em vigor a taxação de 25% sobre carros produzidos fora dos Estados Unidos.

A apresentação da reciprocidade tarifária foi recheada com os clichês do presidente sobre o déficit americano, via pela qual o país, segundo ele, foi roubado e enganado por décadas a fio, e seus empregos sumiram, em proveito do resto do mundo. Trump disse que os preços para o consumidor vão cair, os empregos domésticos, aumentar e que a contribuição tributária das tarifas será muito significativa.

No desenho da guerra tarifária, além da China, os EUA aplicaram altas alíquotas a países aos quais atribui a triangulação ou produção local de mercadorias por empresas chinesas, depois enviadas para o território americano. A tarifa do Vietnã vai a 46%, a do Camboja, a 49%, a da Indonésia, a 32% e da Malásia, a 24%. Taiwan pagará 32%.

Um protecionismo tão acirrado mudará a face dos negócios mundiais, marcada pelo livre comércio nas últimas três décadas. As consequências para os EUA serão bem distintas daquelas que Trump classificou de “libertação”. Por motivos conhecidos, a formação de cadeias produtivas levou a uma disseminação de fornecedores que cobriu várias regiões em busca dos menores custos. A tentativa de quebrar essas cadeias acarretará forte aumento de custos na produção doméstica e global, de forma generalizada.

Apoiada em fiapos de ideias que significam uma volta à era das cavernas na teoria econômica, Trump sequer se deu ao trabalho de distinguir os bens e serviços que podem ser produzidos com vantagens nos EUA daqueles que não. Argumentar com as necessidades de segurança nacional fazem sentido até certo ponto, mas não para justificar a autossuficiência econômica a qualquer custo — e ele será muito alto. Ao anatemizar aliados de décadas, e dizer que “amigos podem ser até piores que inimigos”, o governo dos EUA deixará de contar com o apoio produtivo complementar de países desenvolvidos com os quais sempre manteve relações cordiais e, mais grave ainda, aniquilará a integração com México e Canadá, que passaram a depender do mercado americano após um acordo comercial feito há 30 anos.

Em todas as simulações de consultorias e economistas, as exportações americanas caem ao estabelecer tarifas generalizadas contra o mundo e, ao contrário do que o governo americano espera, as vendas de produtos americanos caem mais do que as importações. Os produtos americanos ficam menos competitivos, porque mais caros com a tarifação. Um estudo da Universidade de Aston, no Reino Unido, simulou vários cenários sobre a guerra comercial, utilizando dados de 132 países, que Trump desencadeou. No mais otimista, em que tarifas de 25% atingem apenas China, México e Canadá, que retaliam os EUA na mesma proporção, as exportações americanas cairiam 37,7% e as importações, 26,7%. Com sanções e resposta igual da União Europeia, as vendas externas americanas recuam 43,1%.

Fazer girar para trás a roda econômica para tornar a “América grande de novo” é uma utopia cara e além de tudo demorada. Se o objetivo é acabar com déficits comerciais, isto não vai acontecer com o encarecimento das exportações, a menos que o dólar se desvalorize significativamente, o contrário do que é esperado. Os demais países têm estímulo para fazer o mesmo com suas moedas, para amenizar o sobrepreço das tarifas, e talvez por isso tenha surgido outra péssima ideia do baú do trumpismo. Um acordo internacional faria com que os países aceitassem um alongamento forçado dos títulos da dívida dos EUA. Para fazer o mundo se afastar do dólar como moeda de reserva talvez não exista maneira melhor.

Trump e seus acólitos flertam também com o caráter arrecadatório dos tarifaços. Peter Navarro, uma das eminências do governo, calculou que a reciprocidade tarifária renderia US$ 6 trilhões em dez anos aos cofres do Tesouro. Mas a prorrogação do corte de impostos feitos por Trump em 2017 e que vence este ano consumiria US$ 4,5 trilhões no mesmo período. Nesse caso, todos os enormes transtornos e perdas que uma guerra comercial dessas proporções causa serviriam para pouco mais que compensar reduções fiscais às grandes corporações americanas, sem aliviar o crescente déficit público (6,6% do PIB).

Diante de péssimas expectativas, a carga brasileira foi suave. O Brasil não perderá competitividade em geral, e poderá até ganhar alguma por ter recebido a taxação mínima, diante de países mais competitivos que receberam carga bem maior. Mas a desorganização do comércio global, no fim, não é saudável para ninguém.

Operação BRB-Master requer esclarecimento e regulação

Folha de S. Paulo

Caberá ao BC avaliar com rigor as condições da compra do banco; boa gestão do sistema é de interesse de toda a sociedade

Em qualquer economia, o setor financeiro demanda atenção especial dos órgãos reguladores. Bancos e outras instituições, afinal, gerem a poupança de famílias e empresas, além de realizarem inúmeras transações entre si. É sempre preciso evitar, pois, que um problema localizado se transforme em crise sistêmica capaz de prejudicar toda a sociedade.

Assim, é com algum alívio e muitas dúvidas que se observa a recém-anunciada compra do Banco Master, sediado em São Paulo, pelo BRB, controlado pelo Governo do Distrito Federal.

Alívio porque a operação afasta riscos decorrentes de desequilíbrios do Master, que começaram a vir à tona; dúvidas porque há muito a esclarecer acerca do negócio, que ainda depende da chancela do Banco Central.

O banco a ser comprado tornou-se conhecido pela atuação agressiva no mercado —em particular, a oferta de taxas muito atraentes em seus CDBs, contando com a cobertura de até R$ 250 mil por cliente do fundo mantido pelo setor para casos de quebra de instituições, o FGC.

Também corre risco em aquisições de precatórios, valores a receber dos cofres públicos em prazos longos e não raro incertos. Por casos assim, o BC apertou nos últimos anos as normas do FGC e da contabilização de precatórios no patrimônio de bancos.

Já o comprador desperta preocupações por se tratar de um ente estatal —um raro sobrevivente, aliás, de tempos funestos em que quase todas as unidades da Federação controlavam um ou mais bancos, contribuindo para a balbúrdia financeira dos tempos de inflação descontrolada.

Não por acaso, o comando do BRB tem se preocupado em negar publicamente que tenha havido ingerência política na operação. Tal hipótese ganhou força com as conexões entre o controlador do Master, Daniel Vorcaro, e nomes como o do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, que por sua vez tem ligações com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

É de interesse público, portanto, que o BC, responsável pela regulação do setor, examine minuciosamente as condições da compra. Por cerca de R$ 2 bilhões, o banco brasiliense ficará com todas as ações preferenciais (sem direito a voto) do Master, mas apenas 49% das ordinárias (com direito a voto), mantendo a maioria com Vorcaro. Parte dos ativos de risco estará fora do negócio.

Deve-se verificar se essa foi uma boa solução de mercado. Mais precisamente, se o BRB é capaz de absorver o Master em boas condições de rentabilidade e liquidez. É necessário zelar, afinal, pela saúde do sistema.

A tarefa é obviamente delicada, uma vez que qualquer decisão não afetará apenas as duas partes envolvidas, e há pressões em potencial tanto do setor privado como da política. Cumpre ainda reavaliar normas e fiscalização para evitar que episódios do tipo se repitam. Esse será mais um teste para o BC autônomo.

A voracidade energética da inteligência artificial

Folha de S. Paulo

Demanda por eletricidade e água traz empresas ao Brasil, mas é necessário planejamento para não pressionar o sistema

O crescimento da inteligência artificial (IA) no mundo já atrai investimentos em infraestrutura de computação para o Brasil. O país, embora distante das usinas de inovação tecnológica na América do Norte e na Ásia, conta com abundância de dois insumos essenciais para o setor: energia limpa e água.

A atividade exige legiões de servidores para computar doses maciças de informações usadas para treinar os grandes modelos de linguagem (LLMs, em inglês) que fornecem as respostas solicitadas pelos usuários. Centros de IA chegam a reunir milhares de unidades de processamento, que consomem muita eletricidade e exigem refrigeração dos chips.

A companhia RT One pretende construir em Maringá (PR) um data center com potência máxima de 400 megawatts (MW). Se atingir o pico de capacidade, consumirá tanta energia elétrica quanto uma cidade brasileira de 640 mil habitantes.

A Scala Data Center planeja montar uma usina de tratamento de dados em Eldorado do Sul (RS). A capacidade instalada será de 60 MW, com perspectiva de expansão para até 4,75 gigawatts (GW), conforme a demanda.

O atrativo brasileiro está na matriz com 85% de fontes renováveis. Trata-se de vantagem comparativa, num planeta que precisa reduzir emissões de combustíveis fósseis —ainda responsáveis por 61% da eletricidade global.

O país tem ainda boa oferta de água para abastecer sistemas de arrefecimento em processadores de tecnologia avançada.

Como os dados processados aqui serão destinados em grande parte a consumidores de outros países, não deixa de ser uma forma de exportar eletricidade e água. Um bônus para a economia local até certo ponto, já que poderá acarretar pressão sobre o sistema elétrico e perda de participação de fontes limpas na matriz.

No mundo todo, a demanda por eletricidade dos data centers se encontra em 55 GW —o que equivale a cerca de um quarto da capacidade de geração instalada no Brasil. A Goldman Sachs Research projeta alta de 165% na procura até 2030, puxada pela proliferação de serviços de IA. Na Europa, por exemplo, isso poderá reverter a tendência de queda de consumo de 3% anuais.

Ainda não se sabe se o ganho de eficiência em processadores obtido na China com o sistema Deepseek atenuará tal apetite voraz. Se não for o caso, eletricidade e água poderão tornar-se gargalo importante para a revolução da IA, que por seu lado também arrisca dificultar a transição energética imprescindível para contra-arrestar a mudança climática.

A chance do Brasil na guerra de Trump

O Estado de S. Paulo

A anunciada guerra comercial de Trump contra o mundo vai gerar incalculável prejuízo, mas também pode representar uma chance de ouro para o Brasil abrir sua economia e seu mercado

Guerras nunca são boas. Na melhor das hipóteses, se forem justas, podem ser um mal necessário. A guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, contra o mundo é só um mal desnecessário. Em sua fantasia mercantilista, Trump crê que está libertando seu país da economia globalizada, que seus predecessores ajudaram a criar, para transformá-lo numa autarquia que, em sua visão delirante, será reindustrializada, independente de importações e pródiga em exportações. Por alguma razão, ele imagina que reeditar as mesmas barreiras protecionistas que foram empregadas por inúmeros países em inúmeras épocas, com consequências sempre ruins, terá desta vez resultados diferentes.

O Brasil conhece essa história. No século passado, políticos e intelectuais imaginaram que a solução para desenvolver uma economia latifundiária e oligárquica dependente de manufaturados internacionais era o Estado erguer barreiras e subsidiar produtores locais. Admitindo-se que essa política tenha estimulado uma certa diversificação das indústrias nascentes, a perpetuação de barreiras comerciais, subsídios, incentivos fiscais e toda a parafernália intervencionista resultou em custos elevados para consumidores e produtores, indústrias pouco competitivas, desconfiança dos investidores internacionais, menos incentivos à inovação e mais incentivos ao clientelismo e à corrupção. Ao contrário do que supunha a “teoria da dependência”, na prática a “substituição das importações” reforçou a dependência de exportações de commodities para financiar a importação de tecnologias.

Glosando essa história, as políticas protecionistas de Trump em seu primeiro mandato se provaram custosas, ineficazes e regressivas: não reduziram déficits comerciais, não recuperaram a indústria e oneraram mais os pobres. Sua nova ofensiva protecionista será ruim para todos. A imprevisibilidade e a desaceleração dos mercados tendem a reduzir a demanda para exportadores de commodities, como o Brasil. Mas o País tem também vantagens comparativas.

Mesmo com uma baixa global da demanda, o Brasil pode ampliar exportações de commodities para países envolvidos em conflitos comerciais com os EUA e também atrair investimentos. No primeiro mandato de Trump, por exemplo, o País ampliou a venda de carne, grãos e minérios para a China, que, em contrapartida, investiu mais na infraestrutura brasileira.

Mas oportunidades como essas serão otimizadas se o Brasil aproveitar o momento para derrubar suas próprias barreiras e reduzir seu isolacionismo. Em razão da paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC), o projeto de lei aprovado pelo Senado para equipar o governo com instrumentos de retaliação é positivo. Mas a retaliação – ou seja, mais protecionismo – deveria ser um último recurso, provisório e excepcional. A regra deve ser a negociação e a abertura.

Trump, por exemplo, é agressivo ao impor tarifas, mas também recua rápido: basta que lhe seja cedido algo com o qual possa clamar vitória. E o Brasil tem muitas coisas para ceder: tarifas elevadas, burocracias regulatórias, exigências de conteúdo local, subsídios. Eliminar essas benesses públicas privatizadas por grupos de interesse seria um ganha-ganha para o Brasil, minimizando barreiras nos EUA e, ao mesmo tempo, livrando-se de pesos que mantêm a economia nacional pouco produtiva e competitiva e de barreiras que encarecem produtos ao consumidor nacional.

Como disse ao jornal Valor o especialista em relações internacionais Matias Spektor: “A crise é um choque para a indústria brasileira e o Brasil tem duas maneiras de responder a isso: se fechando e dando batalha e mantendo a economia fechada embalado numa retórica do interesse nacional, ou, enquanto negocia com Trump (...), (intensificar) a diversificação comercial com outros parceiros para importarmos e exportarmos mais”. Os hábitos das oligarquias nacionais e os instintos do governo de turno pendem para o primeiro caminho. A necessidade e a racionalidade apontam para o último. A rota que o Brasil tomará dependerá em grande medida de pressões de uma sociedade civil esclarecida e dos setores genuinamente produtivos e competitivos.

A democracia francesa num campo minado

O Estado de S. Paulo

Condenação que tira a direitista Marine Le Pen da disputa presidencial, na qual era favorita, é vista como excessiva, o que alimenta a suspeita de que se tratou de um julgamento político

A condenação de Marine Le Pen pela Justiça criminal detonou na já conturbada política francesa um choque sísmico que reverberará com cada vez mais força até as eleições de 2027. Le Pen, líder do partido da direita radical Reunião Nacional, o maior no Parlamento, três vezes candidata à Presidência e favorita nas próximas eleições, foi condenada a quatro anos de prisão e cinco de inelegibilidade.

Imediatamente abriu-se uma clivagem ideológica: correligionários denunciam “perseguição judicial”, opositores celebram o “império da lei”. Mas entre a névoa da guerra é indisfarçável a hipocrisia de ambos os lados, e tiros pela culatra que ferem a sua legitimidade e debilitam os alicerces da República francesa.

Le Pen, 8 ex-eurodeputados e 12 assistentes foram acusados de empregar, entre 2004 e 2016, € 4,1 milhões em recursos do Parlamento Europeu destinados a assessoria parlamentar para financiar funcionários do partido. A base da condenação foi uma lei anticorrupção aprovada em 2016 conforme os ditames punitivistas da direita: endurecimento das penas, “tolerância zero”, caça aos corruptos, moralização da política. Os partidários de Le Pen, acostumados a recriminar a leniência dos juízes, agora acusam seu rigorismo.

Na esquerda, as palavras de ordem são a “igualdade de todos perante a lei” e a “independência do Judiciário”. Mas há indícios de severidade seletiva. Adversários de Le Pen no centro e na centro-direita, como o primeiro-ministro François Bayrou e o ministro da Justiça, Gérald Darmanin, mas também seu principal antagonista na esquerda, o radical Jean-Luc Mélenchon, denunciam um ativismo judicial. Mais do que respeito à soberania do povo, pode haver outras motivações, como o envolvimento desses políticos em irregularidades similares às de Le Pen.

Mas há outros indícios. Os juízes aceitaram todas as demandas maximalistas do Ministério Público, mas nos precedentes judiciais as condenações não foram tão duras. Políticos do Movimento Democrático, partido centrista de Bayrou, por exemplo, foram sentenciados em casos similares com penas mais brandas.

O que torna a sentença de Le Pen particularmente vulnerável à acusação de interferência política é a antecipação da execução da pena. Habitualmente, a condenação só deveria produzir efeitos após uma decisão em segunda instância. A primeira instância pode determinar execuções provisórias, mas só em circunstâncias excepcionais, como riscos à ordem pública, de reincidência ou de danos à instrução penal. Juristas críticos à decisão apontam que não havia nenhuma dessas condições, e a regra teria sido subvertida por uma exceção injustificável. Le Pen certamente vai recorrer da decisão, e o tribunal que julgará seu recurso informou que pode fazê-lo a tempo de permitir que ela se candidate, caso ganhe a apelação. Menos mal.

Para a corte que condenou Le Pen, os atos da líder direitista representam um “ataque sério e duradouro às regras da vida democrática”. Jordan Bardella, de 29 anos, líder do Reunião Nacional, pupilo de Le Pen e cotado para eventualmente substituí-la na corrida presidencial, disse, por sua vez, que a democracia francesa está “sendo executada”.

Pela lei francesa, os crimes pelos quais Le Pen foi condenada justificam a inabilitação política. Mas pela jurisprudência francesa essa inabilitação só deveria ter efeito após esgotados os recursos na segunda instância. Assim, é natural a suspeita de que o processo legal foi distorcido para alijar da disputa eleitoral uma liderança extremista, em nome da proteção da democracia.

Seja como for, a decisão pode ser um tiro pela culatra, que tende a reforçar o vitimismo populista de Le Pen contra um establishment supostamente alienado e hostil à vontade popular, e radicalizar ainda mais a política francesa. Não surpreende que lideranças autoritárias de todas as partes – de Donald Trump a Vladimir Putin, de Jair Bolsonaro a Viktor Orbán – tenham atacado a decisão do Judiciário francês. Mas os magistrados franceses tampouco terão o direito de se surpreender se crescer na população a desconfiança formulada por uma dessas lideranças, o italiano Matteo Salvini: “Aqueles que temem o julgamento dos eleitores frequentemente buscam conforto no julgamento das cortes”.

Alerta nas contas externas

O Estado de S. Paulo

Rápida aceleração do déficit em transações correntes deveria preocupar o governo

O déficit em transações correntes no balanço de pagamentos em fevereiro de 2025 foi de US$ 8,8 bilhões, mais que o dobro do registrado no mesmo período de 2024 (déficit de US$ 3,9 bilhões), de acordo com o relatório Estatísticas do Setor Externo, do Banco Central (BC). Apesar de o governo ter celebrado o fato de os Investimentos Diretos no País (IDP) terem registrado ingressos líquidos de US$ 9,3 bilhões também no mês de fevereiro deste ano, ante US$ 5,3 bilhões em fevereiro de 2024, especialistas demonstram preocupação com o ritmo de deterioração das contas externas do Brasil.

O déficit em transações correntes nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2025 somou US$ 70,2 bilhões (3,28% do PIB), enquanto o IDP acumulado no período totalizou US$ 72,5 bilhões. A diferença entre os dois indicadores é de apenas 0,1 ponto porcentual do PIB, o que, de acordo com análise da corretora Genial Investimentos, não se observava desde maio de 2020, quando o País vivia o auge da pandemia de covid-19. “Esse fato reacende o debate acerca da ocorrência dos chamados ‘déficits gêmeos’, situação na qual uma deterioração nas contas do governo (déficit fiscal) leva a uma piora das contas externas (déficit em conta corrente)”, destacam os economistas da Genial.

Como de praxe, a gestão Lula da Silva dá ênfase extrema a questões que, embora potencialmente positivas, como a melhora das exportações na esteira da supersafra deste ano, não deveriam servir de desculpa para justificar o pendor por gastos do governo.

Se a tendência natural, do lado das importações, é de declínio para conter o aquecimento da economia e ajudar a mitigar a inflação, não é segredo para ninguém que do lado externo a única garantia é de incerteza, já que desde que voltou à Casa Branca Donald Trump não para de entregar o que prometeu: desarranjo e confusão em escala global.

Mas nem tudo é culpa do presidente americano. Internamente, o governo Lula não para de anunciar medidas que vão na contramão de esfriar uma economia superaquecida, o que em nada contribui com o desenvolvimento econômico sustentado.

Também na questão das contas externas, mais uma vez o Banco Central comporta-se como o único adulto sentado à mesa. Numa outra publicação periódica, o Relatório de Política Monetária (RPM), o BC ampliou a projeção de déficit em conta corrente do Brasil em 2025 de US$ 58 bilhões para US$ 62 bilhões (2,8% do PIB).

No RPM, embora projete que o IDP no País em 2025 fique em linha com o registrado no ano passado (na casa de US$ 70 bilhões), o BC reconhece que “os riscos para o cenário, no entanto, aumentaram, com a maior incerteza gerada pela intensificação das disputas no comércio internacional”.

Por mais que se torturem os números para deles extrair uma narrativa mais conveniente para o governo, incerteza global elevada, contas externas estressadas e juros domésticos de dois dígitos não compõem um quadro satisfatório.

Se o governo preferir negar a realidade dos números das contas externas, a taxa de câmbio, que tanto assustou no final do ano, voltará a aterrorizar o País.

Roubo de celular exige respostas mais ágeis

Correio Braziliense

A disposição do governo federal em endurecer a legislação contra o roubo de celulares pode não ser suficiente para trazer tranquilidade à rotina de estudantes e trabalhadores

Estabelecer relações humanas sem o uso dos celulares é exercício complexo — ainda que eles tenham se popularizado há pouco tempo, em meados dos anos 2000. Atividades de comércio, lazer, educação, saúde, troca de informações — incluindo as comunicações oficiais — se concentram cada vez mais nesses dispositivos móveis, despertando o interesse de criminosos. Em mãos erradas, os aparelhos são a porta de entrada para outros delitos, como os golpes virtuais que alimentam organizações criminosas. Não à toa, o Brasil enfrenta uma explosão de roubos e furtos de smartphones marcada pela escalada de desfechos violentos e por respostas morosas do Estado.

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela que, em 2023, quase dois celulares foram roubados ou furtados por minuto no país, somando cerca de 1 milhão de ocorrências registradas nas delegacias. A maioria dos roubos, 78%, ocorre em vias públicas, entre 5h e 7h e das 18h às 22h, quando há maior deslocamento para a escola e o trabalho. A mesma entidade calcula que menos de 10% dos casos são esclarecidos.

Todas essas características favorecem a sensação de impunidade em uma população que se sente acuada pelos criminosos e correndo risco de vida — são recorrentes as notícias de vítimas assassinadas mesmo sem esboçar qualquer reação ao roubo. Nesse sentido, a disposição do governo federal em endurecer a legislação contra esse tipo de crime pode não ser suficiente para trazer tranquilidade à rotina de estudantes e trabalhadores. 

 Um projeto em análise no Planalto prevê o aumento da pena para quem furta celulares em benefício de um terceiro, como um chefe de quadrilha, e para quem compra aparelhos roubados. Como crime qualificado, a pena varia de dois a oito anos de prisão, contra um a quatro anos em furto simples. No caso da receptação, estuda-se um aumento de 50% da pena — chegaria a 12 anos. 

Hoje, porém, o latrocínio tem reclusão de 20 a 30 anos. Ainda assim, parece não intimidar aqueles que matam para subtrair celulares. Fazem à luz do dia, com expedientes detalhados a partir de dados oficiais. Não há dúvidas de que esse reforço pensado pelo Executivo para conter os roubos e furtos é bem-vindo, mas, se apenas um em cada 10 casos é investigado, toda essa armadura jurídica se enfraquece.  

A outra frente do governo tende a ser mais promissora, pois pode aproximar os agentes de segurança dos receptadores. Até sexta-feira, deve estar disponível uma atualização do programa Celular Seguro que passará a enviar mensagem de alerta para aparelhos que foram subtraídos e receberam um novo chip. O usuário deverá ir a uma delegacia e apresentar a nota fiscal  do produto. Quem ignorar o chamado poderá responder por furto, receptação, roubo ou organização criminosa.

O Celular Seguro, lançado em dezembro de 2023, é inspirado em um projeto no Piauí que, em dois anos, recuperou mais de 11 mil aparelhos. De 2022 a 2024, a quantidade de furtos e roubos no estado caiu 40%, e o número de recuperados cresceu seis vezes. Aumentou ainda a quantidade de boletins de ocorrência, sinalizando um arrefecimento da sensação de impunidade. 

Uma população descrente da capacidade do Estado em garantir a sua  segurança tende a recorrer a formas alternativas de justiça — o que parece ter feito o arquiteto morto a tiros, na terça-feira, no Butantã (SP), ao jogar o carro contra um homem que acabara de roubar um celular. São Paulo concentra 32% dos casos de roubo e furto de celulares no país. Lá e nas outras 26 unidades federativas, o que se espera é tranquilidade para manusear uma ferramenta tão indispensável na vida moderna — inclusive para se ter acesso a outros serviços públicos.

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