Brasil deve reagir com serenidade a tarifaço de Trump
O Globo
À primeira vista, país foi poupado ao ser
incluído na menor ‘tarifa recíproca’ — mesmo assim a imposição é injusta
Donald Trump anunciou
enfim seu tarifaço sobre importações. O anúncio marca uma inflexão na política
comercial americana desde o fim da Segunda Guerra. Em vez de promover o
livre-comércio, Trump aposta numa versão mercantilista de protecionismo, com a
promessa de elevar investimentos na indústria e criar empregos. Sem dar ouvidos
a quem avisa que as tarifas aumentarão a inflação e não resultarão no
renascimento industrial prometido, ele deflagrou sua guerra comercial. É
esperado — inevitável até — que haja retaliação.
À primeira vista, o Brasil parece ter ficado em posição confortável. As exportações brasileiras foram incluídas na menor “tarifa recíproca”, 10% em média. Mesmo assim, foi uma imposição injusta, já que a balança comercial é favorável aos americanos. O déficit brasileiro em 2024 foi de US$ 250 milhões, em trocas de R$ 81 bilhões. Esse déficit fica ainda maior incluindo a balança de serviços, cujo resultado foi de US$ 3,8 bilhões negativos em 2023 (para transações de US$ 26 bilhões). Em termos comparativos, o Brasil não depende tanto de vendas aos Estados Unidos, terceiro mercado para nossas exportações (12% do total, ou 1,7% do PIB). Uma análise atenta, porém, revela uma realidade mais complexa.
O mercado americano tem sido o principal
destino das vendas industriais brasileiras. Bens de maior intensidade
tecnológica responderam por 28% das exportações, o dobro da média para outros
países. Para segmentos da indústria, o tarifaço de Trump trará dor de cabeça.
Sem falar nos riscos intrínsecos à guerra comercial global, como desvio para o
Brasil de mercadorias destinadas aos americanos, com reflexos sobre câmbio,
inflação e juros.
O que fazer? É possível que Trump esteja
disposto a negociar. Se a Organização Mundial do Comércio (OMC) perdeu
relevância, a solução é estreitar contatos bilaterais. A tarifa média que
incide sobre importações brasileiras de produtos americanos é estimada em
12,4%, bem acima dos 2,7% que os americanos pagavam sobre produtos brasileiros.
Carros pagam 35% de tarifa aqui, e Trump impôs 25% lá. O etanol americano paga
18%. Para não falar em eletrônicos ou manufaturados. A economia brasileira é
uma das mais fechadas, e há uma oportunidade para reduzir tarifas, de modo a
obter concessões americanas. Além de facilitar acesso ao mercado dos Estados
Unidos, a medida beneficiaria o consumidor brasileiro com importados mais
baratos. Caso a estratégia fracasse, será preciso buscar mercados alternativos.
“O governo brasileiro avalia todas as
possibilidades de ação para assegurar a reciprocidade no comércio bilateral”,
afirmou o Itamaraty em nota. Sem açodamento, o Brasil deve buscar o
entendimento. Se Trump se mostrar irredutível, há armas para retaliar. O Senado
aprovou um Projeto de Lei que dá mais musculatura para o governo nas
negociações, ao impor reciprocidade de regras ambientais e comerciais (o texto
será examinado pela Câmara). Um dos pontos mais relevantes é autorizar
retaliação na área de propriedade intelectual, atingindo setores como música,
cinema, software e indústria farmacêutica. Tal estratégia já deu certo no
passado: uma disputa com os Estados Unidos sobre algodão foi resolvida depois
que o Brasil, autorizado pela OMC, impôs tarifas sobre direitos autorais. Desta
vez, o ideal é não chegar a tal ponto. Mas é crucial estar preparado para
elevar o tom se necessário.
Queda na aprovação do governo reflete
desconexão da realidade da população
O Globo
Pondo a culpa na comunicação, Lula apostou em
medidas populistas — e sua popularidade naufragou
Parece claro que as mudanças na comunicação e
as medidas populistas em série anunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva não têm surtido o efeito desejado. Pela última pesquisa Quaest, o
resultado parece o oposto: a desaprovação ao governo registrou a quarta alta
consecutiva e alcançou 56%, 15 pontos acima da aprovação, um nível inédito (no
levantamento anterior, em janeiro, a diferença era de 2 pontos). Desde julho, a
rejeição a Lula subiu 13 pontos.
Por qualquer ângulo que se olhe, os
resultados são desastrosos para o governo. A insatisfação se alastra por todas
as regiões, mas chama a atenção no Nordeste, conhecido bastião petista. A
desaprovação na região saltou de 37% para 46%, enquanto a aprovação caiu de 59%
para 52%. No Sudeste, maior colégio eleitoral do país, a desaprovação bateu
60%, ante aprovação de 37%. De modo geral, Lula perdeu apoio sobretudo entre os
mais jovens, na população com ensino superior incompleto e de renda média
baixa.
Um dado deveria servir para reflexão no
Planalto: mais da metade dos brasileiros (53%) considera o terceiro mandato de
Lula pior que os anteriores. Na comparação com Jair Bolsonaro, Lula também
aparece em desvantagem: 43% dizem que a atual gestão é pior, e 39% a consideram
melhor. A escalada na desaprovação revelada pela Quaest está em sintonia com
levantamentos recentes de Datafolha e Ipsos-Ipec.
As pesquisas refletem o óbvio: o governo Lula
não tem dado respostas satisfatórias aos anseios da população (para 71%, ele
não cumpre as promessas de campanha). Nos últimos meses, os eleitores viram
disparar os preços em feiras e supermercados. Nem dá para culpar só o ovo e o
café. Tudo ficou mais caro. O aumento nos níveis de emprego e renda não tem
sido suficiente para se contrapor à carestia. Na segurança, o governo tem sido
incapaz de apresentar soluções para a explosão de violência que amedronta os
cidadãos. As filas do SUS não diminuem, a despeito das promessas de campanha.
Por todos os lados há problemas.
A crise fiscal crônica pode preocupar apenas
a parcela mais escolarizada e os estratos mais altos da sociedade, mas é dela
que derivam a incerteza que faz disparar os preços e a falta de recursos para
políticas públicas consistentes. Lula fez mudanças na comunicação, achando que
o maior problema do governo era não saber se comunicar. Mas comunicar o quê? O
governo só tem anunciado medidas populistas — e dispendiosas —, como a isenção
de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e programas sociais reciclados.
Pelo que mostram as pesquisas, nada disso tem convencido.
Não se sabe qual será a reação do governo
diante de mais uma pesquisa indigesta. O certo seria colocar as contas em ordem
e melhorar os serviços à população, sobretudo na área de segurança, hoje maior
preocupação dos brasileiros, segundo a Quaest. O errado seria aumentar a
gastança com medidas demagógicas na tentativa de aumentar os índices de
aprovação. Não há programa ou propaganda capaz de vendar os olhos dos eleitores
para a realidade.
Protecionismo de Trump tem efeito oposto ao
de ‘libertação’
Valor Econômico
Diante das péssimas expectativas, a carga
brasileira foi suave. Mas a desorganização do comércio global, no fim, não é
saudável para ninguém
O presidente Donald Trump anunciou o “dia da
independência econômica dos EUA” ao disparar uma escalada tarifária global, com
piso de 10% para todos os países, 20% para a União Europeia, 34% para a China e
24% para o Japão. No Brics, a África do Sul será taxada em 30%, a Índia, em 26%
e o Brasil, em 10%, a tarifa universal mínima — mas mesmo assim uma injustiça,
visto que os americanos tiveram superávit de bens e serviços de US$ 28,6
bilhões com o país no ano passado.
Trump apresentou uma lista com supostas
tarifas a que produtos americanos são submetidos e afirmou que “como os EUA são
muito generosos, cobrarão apenas metade do que cobram de nós”. México e Canadá,
aos quais os EUA tinham anunciado, e depois postergado, imposto de 20%, não
foram mencionados ontem. Hoje entra em vigor a taxação de 25% sobre carros
produzidos fora dos Estados Unidos.
A apresentação da reciprocidade tarifária foi
recheada com os clichês do presidente sobre o déficit americano, via pela qual
o país, segundo ele, foi roubado e enganado por décadas a fio, e seus empregos
sumiram, em proveito do resto do mundo. Trump disse que os preços para o
consumidor vão cair, os empregos domésticos, aumentar e que a contribuição
tributária das tarifas será muito significativa.
No desenho da guerra tarifária, além da
China, os EUA aplicaram altas alíquotas a países aos quais atribui a
triangulação ou produção local de mercadorias por empresas chinesas, depois
enviadas para o território americano. A tarifa do Vietnã vai a 46%, a do
Camboja, a 49%, a da Indonésia, a 32% e da Malásia, a 24%. Taiwan pagará 32%.
Um protecionismo tão acirrado mudará a face
dos negócios mundiais, marcada pelo livre comércio nas últimas três décadas. As
consequências para os EUA serão bem distintas daquelas que Trump classificou de
“libertação”. Por motivos conhecidos, a formação de cadeias produtivas levou a
uma disseminação de fornecedores que cobriu várias regiões em busca dos menores
custos. A tentativa de quebrar essas cadeias acarretará forte aumento de custos
na produção doméstica e global, de forma generalizada.
Apoiada em fiapos de ideias que significam
uma volta à era das cavernas na teoria econômica, Trump sequer se deu ao
trabalho de distinguir os bens e serviços que podem ser produzidos com
vantagens nos EUA daqueles que não. Argumentar com as necessidades de segurança
nacional fazem sentido até certo ponto, mas não para justificar a
autossuficiência econômica a qualquer custo — e ele será muito alto. Ao
anatemizar aliados de décadas, e dizer que “amigos podem ser até piores que
inimigos”, o governo dos EUA deixará de contar com o apoio produtivo
complementar de países desenvolvidos com os quais sempre manteve relações
cordiais e, mais grave ainda, aniquilará a integração com México e Canadá, que
passaram a depender do mercado americano após um acordo comercial feito há 30
anos.
Em todas as simulações de consultorias e
economistas, as exportações americanas caem ao estabelecer tarifas
generalizadas contra o mundo e, ao contrário do que o governo americano espera,
as vendas de produtos americanos caem mais do que as importações. Os produtos
americanos ficam menos competitivos, porque mais caros com a tarifação. Um
estudo da Universidade de Aston, no Reino Unido, simulou vários cenários sobre
a guerra comercial, utilizando dados de 132 países, que Trump desencadeou. No
mais otimista, em que tarifas de 25% atingem apenas China, México e Canadá, que
retaliam os EUA na mesma proporção, as exportações americanas cairiam 37,7% e
as importações, 26,7%. Com sanções e resposta igual da União Europeia, as
vendas externas americanas recuam 43,1%.
Fazer girar para trás a roda econômica para
tornar a “América grande de novo” é uma utopia cara e além de tudo demorada. Se
o objetivo é acabar com déficits comerciais, isto não vai acontecer com o
encarecimento das exportações, a menos que o dólar se desvalorize
significativamente, o contrário do que é esperado. Os demais países têm
estímulo para fazer o mesmo com suas moedas, para amenizar o sobrepreço das
tarifas, e talvez por isso tenha surgido outra péssima ideia do baú do
trumpismo. Um acordo internacional faria com que os países aceitassem um
alongamento forçado dos títulos da dívida dos EUA. Para fazer o mundo se
afastar do dólar como moeda de reserva talvez não exista maneira melhor.
Trump e seus acólitos flertam também com o
caráter arrecadatório dos tarifaços. Peter Navarro, uma das eminências do
governo, calculou que a reciprocidade tarifária renderia US$ 6 trilhões em dez
anos aos cofres do Tesouro. Mas a prorrogação do corte de impostos feitos por
Trump em 2017 e que vence este ano consumiria US$ 4,5 trilhões no mesmo
período. Nesse caso, todos os enormes transtornos e perdas que uma guerra
comercial dessas proporções causa serviriam para pouco mais que compensar
reduções fiscais às grandes corporações americanas, sem aliviar o crescente
déficit público (6,6% do PIB).
Diante de péssimas expectativas, a carga
brasileira foi suave. O Brasil não perderá competitividade em geral, e poderá
até ganhar alguma por ter recebido a taxação mínima, diante de países mais
competitivos que receberam carga bem maior. Mas a desorganização do comércio
global, no fim, não é saudável para ninguém.
Operação BRB-Master requer esclarecimento e
regulação
Folha de S. Paulo
Caberá ao BC avaliar com rigor as condições
da compra do banco; boa gestão do sistema é de interesse de toda a sociedade
Em qualquer economia, o setor financeiro
demanda atenção especial dos órgãos reguladores. Bancos e outras instituições,
afinal, gerem a poupança de famílias e empresas, além de realizarem inúmeras
transações entre si. É sempre preciso evitar, pois, que um problema localizado
se transforme em crise sistêmica capaz de prejudicar toda a sociedade.
Assim, é com algum alívio e muitas
dúvidas que
se observa a recém-anunciada compra do Banco Master,
sediado em São
Paulo, pelo BRB, controlado pelo Governo do Distrito
Federal.
Alívio porque a operação afasta riscos
decorrentes de desequilíbrios do Master, que começaram a vir à tona; dúvidas
porque há muito a esclarecer acerca do negócio, que ainda depende da chancela
do Banco
Central.
O banco a ser comprado tornou-se conhecido
pela atuação agressiva no mercado —em particular, a oferta de taxas
muito atraentes em seus CDBs, contando com a cobertura de até R$ 250 mil
por cliente do fundo mantido pelo setor para casos de quebra de instituições, o
FGC.
Também corre risco em aquisições de
precatórios, valores a receber dos cofres públicos em prazos longos e não raro
incertos. Por casos assim, o BC apertou nos últimos anos as normas do FGC e da
contabilização de precatórios no patrimônio de bancos.
Já o comprador desperta preocupações por se
tratar de um ente estatal —um raro sobrevivente, aliás, de tempos funestos em
que quase todas as unidades da Federação controlavam um ou mais bancos,
contribuindo para a balbúrdia financeira dos tempos de inflação descontrolada.
Não por acaso, o comando do BRB tem se
preocupado em negar publicamente que tenha havido ingerência política na
operação. Tal hipótese ganhou força com as conexões entre o controlador do
Master, Daniel Vorcaro, e nomes como o do senador Ciro Nogueira (PI),
presidente do PP,
que por sua vez tem ligações com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
É de interesse público, portanto, que o BC,
responsável pela regulação do setor, examine minuciosamente as condições da
compra. Por cerca de R$ 2 bilhões, o banco brasiliense ficará com todas as
ações preferenciais (sem direito a voto) do Master, mas apenas 49% das
ordinárias (com direito a voto), mantendo a maioria com Vorcaro. Parte dos
ativos de risco estará fora do negócio.
Deve-se verificar se essa foi uma boa solução
de mercado. Mais precisamente, se o BRB é capaz de absorver o Master em boas
condições de rentabilidade e liquidez. É necessário zelar, afinal, pela saúde
do sistema.
A tarefa é obviamente delicada, uma vez que
qualquer decisão não afetará apenas as duas partes envolvidas, e há pressões em
potencial tanto do setor privado como da política. Cumpre ainda reavaliar
normas e fiscalização para evitar que episódios do tipo se repitam. Esse
será mais
um teste para o BC autônomo.
A voracidade energética da inteligência
artificial
Folha de S. Paulo
Demanda por eletricidade e água traz empresas
ao Brasil, mas é necessário planejamento para não pressionar o sistema
O crescimento da inteligência
artificial (IA) no mundo já atrai investimentos em infraestrutura de
computação para o Brasil. O país, embora distante das usinas de inovação
tecnológica na América do Norte e na Ásia, conta com
abundância de dois insumos essenciais para o setor: energia limpa e água.
A atividade exige legiões de servidores para
computar doses maciças de informações usadas para treinar os grandes modelos de
linguagem (LLMs, em inglês) que fornecem as respostas solicitadas pelos
usuários. Centros de IA chegam a reunir milhares de unidades de processamento,
que consomem muita eletricidade e exigem refrigeração dos chips.
A companhia RT One pretende construir em
Maringá (PR) um
data center com potência máxima de 400 megawatts (MW). Se atingir o pico de
capacidade, consumirá tanta energia elétrica quanto uma cidade brasileira de
640 mil habitantes.
A Scala Data Center planeja montar uma usina
de tratamento de dados em Eldorado do Sul (RS). A capacidade instalada será de
60 MW, com perspectiva de expansão para até 4,75 gigawatts (GW), conforme a
demanda.
O atrativo brasileiro está na matriz com 85%
de fontes renováveis. Trata-se de vantagem comparativa, num planeta que precisa
reduzir emissões de combustíveis fósseis —ainda responsáveis por 61% da
eletricidade global.
O país tem ainda boa oferta de água para
abastecer sistemas de arrefecimento em processadores de tecnologia avançada.
Como os dados processados aqui serão
destinados em grande parte a consumidores de outros países, não deixa de ser
uma forma de exportar eletricidade e água. Um bônus para a economia local até
certo ponto, já que poderá acarretar pressão sobre o sistema elétrico e perda
de participação de fontes limpas na matriz.
No mundo todo, a demanda por eletricidade dos
data centers se encontra em 55 GW —o que equivale a cerca de um quarto da
capacidade de geração instalada no Brasil. A Goldman Sachs Research projeta
alta de 165% na procura até 2030, puxada pela proliferação de serviços de IA.
Na Europa,
por exemplo, isso poderá reverter a tendência de queda de consumo de 3% anuais.
Ainda não se sabe se o ganho de eficiência em
processadores obtido
na China com o sistema Deepseek atenuará tal apetite voraz. Se não for
o caso, eletricidade e água poderão tornar-se gargalo importante para a
revolução da IA, que por seu lado também arrisca dificultar a transição
energética imprescindível para contra-arrestar a mudança
climática.
A chance do Brasil na guerra de Trump
O Estado de S. Paulo
A anunciada guerra comercial de Trump contra
o mundo vai gerar incalculável prejuízo, mas também pode representar uma chance
de ouro para o Brasil abrir sua economia e seu mercado
Guerras nunca são boas. Na melhor das
hipóteses, se forem justas, podem ser um mal necessário. A guerra comercial do
presidente americano, Donald Trump, contra o mundo é só um mal desnecessário.
Em sua fantasia mercantilista, Trump crê que está libertando seu país da
economia globalizada, que seus predecessores ajudaram a criar, para
transformá-lo numa autarquia que, em sua visão delirante, será
reindustrializada, independente de importações e pródiga em exportações. Por
alguma razão, ele imagina que reeditar as mesmas barreiras protecionistas que
foram empregadas por inúmeros países em inúmeras épocas, com consequências
sempre ruins, terá desta vez resultados diferentes.
O Brasil conhece essa história. No século
passado, políticos e intelectuais imaginaram que a solução para desenvolver uma
economia latifundiária e oligárquica dependente de manufaturados internacionais
era o Estado erguer barreiras e subsidiar produtores locais. Admitindo-se que
essa política tenha estimulado uma certa diversificação das indústrias
nascentes, a perpetuação de barreiras comerciais, subsídios, incentivos fiscais
e toda a parafernália intervencionista resultou em custos elevados para consumidores
e produtores, indústrias pouco competitivas, desconfiança dos investidores
internacionais, menos incentivos à inovação e mais incentivos ao clientelismo e
à corrupção. Ao contrário do que supunha a “teoria da dependência”, na prática
a “substituição das importações” reforçou a dependência de exportações de
commodities para financiar a importação de tecnologias.
Glosando essa história, as políticas
protecionistas de Trump em seu primeiro mandato se provaram custosas,
ineficazes e regressivas: não reduziram déficits comerciais, não recuperaram a
indústria e oneraram mais os pobres. Sua nova ofensiva protecionista será ruim
para todos. A imprevisibilidade e a desaceleração dos mercados tendem a reduzir
a demanda para exportadores de commodities, como o Brasil. Mas o País tem
também vantagens comparativas.
Mesmo com uma baixa global da demanda, o
Brasil pode ampliar exportações de commodities para países envolvidos em
conflitos comerciais com os EUA e também atrair investimentos. No primeiro
mandato de Trump, por exemplo, o País ampliou a venda de carne, grãos e
minérios para a China, que, em contrapartida, investiu mais na infraestrutura
brasileira.
Mas oportunidades como essas serão otimizadas
se o Brasil aproveitar o momento para derrubar suas próprias barreiras e
reduzir seu isolacionismo. Em razão da paralisia da Organização Mundial do
Comércio (OMC), o projeto de lei aprovado pelo Senado para equipar o governo
com instrumentos de retaliação é positivo. Mas a retaliação – ou seja, mais
protecionismo – deveria ser um último recurso, provisório e excepcional. A
regra deve ser a negociação e a abertura.
Trump, por exemplo, é agressivo ao impor
tarifas, mas também recua rápido: basta que lhe seja cedido algo com o qual
possa clamar vitória. E o Brasil tem muitas coisas para ceder: tarifas
elevadas, burocracias regulatórias, exigências de conteúdo local, subsídios.
Eliminar essas benesses públicas privatizadas por grupos de interesse seria um
ganha-ganha para o Brasil, minimizando barreiras nos EUA e, ao mesmo tempo,
livrando-se de pesos que mantêm a economia nacional pouco produtiva e
competitiva e de barreiras que encarecem produtos ao consumidor nacional.
Como disse ao jornal Valor o
especialista em relações internacionais Matias Spektor: “A crise é um choque
para a indústria brasileira e o Brasil tem duas maneiras de responder a isso:
se fechando e dando batalha e mantendo a economia fechada embalado numa
retórica do interesse nacional, ou, enquanto negocia com Trump (...), (intensificar)
a diversificação comercial com outros parceiros para importarmos e exportarmos
mais”. Os hábitos das oligarquias nacionais e os instintos do governo de turno
pendem para o primeiro caminho. A necessidade e a racionalidade apontam para o
último. A rota que o Brasil tomará dependerá em grande medida de pressões de
uma sociedade civil esclarecida e dos setores genuinamente produtivos e
competitivos.
A democracia francesa num campo minado
O Estado de S. Paulo
Condenação que tira a direitista Marine Le
Pen da disputa presidencial, na qual era favorita, é vista como excessiva, o
que alimenta a suspeita de que se tratou de um julgamento político
A condenação de Marine Le Pen pela Justiça
criminal detonou na já conturbada política francesa um choque sísmico que
reverberará com cada vez mais força até as eleições de 2027. Le Pen, líder do
partido da direita radical Reunião Nacional, o maior no Parlamento, três vezes
candidata à Presidência e favorita nas próximas eleições, foi condenada a
quatro anos de prisão e cinco de inelegibilidade.
Imediatamente abriu-se uma clivagem
ideológica: correligionários denunciam “perseguição judicial”, opositores
celebram o “império da lei”. Mas entre a névoa da guerra é indisfarçável a
hipocrisia de ambos os lados, e tiros pela culatra que ferem a sua legitimidade
e debilitam os alicerces da República francesa.
Le Pen, 8 ex-eurodeputados e 12 assistentes
foram acusados de empregar, entre 2004 e 2016, € 4,1 milhões em recursos do
Parlamento Europeu destinados a assessoria parlamentar para financiar
funcionários do partido. A base da condenação foi uma lei anticorrupção
aprovada em 2016 conforme os ditames punitivistas da direita: endurecimento das
penas, “tolerância zero”, caça aos corruptos, moralização da política. Os
partidários de Le Pen, acostumados a recriminar a leniência dos juízes, agora
acusam seu rigorismo.
Na esquerda, as palavras de ordem são a
“igualdade de todos perante a lei” e a “independência do Judiciário”. Mas há
indícios de severidade seletiva. Adversários de Le Pen no centro e na
centro-direita, como o primeiro-ministro François Bayrou e o ministro da
Justiça, Gérald Darmanin, mas também seu principal antagonista na esquerda, o
radical Jean-Luc Mélenchon, denunciam um ativismo judicial. Mais do que
respeito à soberania do povo, pode haver outras motivações, como o envolvimento
desses políticos em irregularidades similares às de Le Pen.
Mas há outros indícios. Os juízes aceitaram
todas as demandas maximalistas do Ministério Público, mas nos precedentes
judiciais as condenações não foram tão duras. Políticos do Movimento
Democrático, partido centrista de Bayrou, por exemplo, foram sentenciados em
casos similares com penas mais brandas.
O que torna a sentença de Le Pen
particularmente vulnerável à acusação de interferência política é a antecipação
da execução da pena. Habitualmente, a condenação só deveria produzir efeitos
após uma decisão em segunda instância. A primeira instância pode determinar
execuções provisórias, mas só em circunstâncias excepcionais, como riscos à
ordem pública, de reincidência ou de danos à instrução penal. Juristas críticos
à decisão apontam que não havia nenhuma dessas condições, e a regra teria sido
subvertida por uma exceção injustificável. Le Pen certamente vai recorrer da
decisão, e o tribunal que julgará seu recurso informou que pode fazê-lo a tempo
de permitir que ela se candidate, caso ganhe a apelação. Menos mal.
Para a corte que condenou Le Pen, os atos da
líder direitista representam um “ataque sério e duradouro às regras da vida
democrática”. Jordan Bardella, de 29 anos, líder do Reunião Nacional, pupilo de
Le Pen e cotado para eventualmente substituí-la na corrida presidencial, disse,
por sua vez, que a democracia francesa está “sendo executada”.
Pela lei francesa, os crimes pelos quais Le
Pen foi condenada justificam a inabilitação política. Mas pela jurisprudência
francesa essa inabilitação só deveria ter efeito após esgotados os recursos na
segunda instância. Assim, é natural a suspeita de que o processo legal foi
distorcido para alijar da disputa eleitoral uma liderança extremista, em nome
da proteção da democracia.
Seja como for, a decisão pode ser um tiro
pela culatra, que tende a reforçar o vitimismo populista de Le Pen contra
um establishment supostamente alienado e hostil à vontade popular, e
radicalizar ainda mais a política francesa. Não surpreende que lideranças
autoritárias de todas as partes – de Donald Trump a Vladimir Putin, de Jair
Bolsonaro a Viktor Orbán – tenham atacado a decisão do Judiciário francês. Mas
os magistrados franceses tampouco terão o direito de se surpreender se crescer
na população a desconfiança formulada por uma dessas lideranças, o italiano
Matteo Salvini: “Aqueles que temem o julgamento dos eleitores frequentemente
buscam conforto no julgamento das cortes”.
Alerta nas contas externas
O Estado de S. Paulo
Rápida aceleração do déficit em transações
correntes deveria preocupar o governo
O déficit em transações correntes no balanço
de pagamentos em fevereiro de 2025 foi de US$ 8,8 bilhões, mais que o dobro do
registrado no mesmo período de 2024 (déficit de US$ 3,9 bilhões), de acordo com
o relatório Estatísticas do Setor Externo, do Banco Central (BC). Apesar
de o governo ter celebrado o fato de os Investimentos Diretos no País (IDP)
terem registrado ingressos líquidos de US$ 9,3 bilhões também no mês de
fevereiro deste ano, ante US$ 5,3 bilhões em fevereiro de 2024, especialistas
demonstram preocupação com o ritmo de deterioração das contas externas do
Brasil.
O déficit em transações correntes nos 12
meses encerrados em fevereiro de 2025 somou US$ 70,2 bilhões (3,28% do PIB),
enquanto o IDP acumulado no período totalizou US$ 72,5 bilhões. A diferença
entre os dois indicadores é de apenas 0,1 ponto porcentual do PIB, o que, de
acordo com análise da corretora Genial Investimentos, não se observava desde
maio de 2020, quando o País vivia o auge da pandemia de covid-19. “Esse fato
reacende o debate acerca da ocorrência dos chamados ‘déficits gêmeos’, situação
na qual uma deterioração nas contas do governo (déficit fiscal) leva a uma
piora das contas externas (déficit em conta corrente)”, destacam os economistas
da Genial.
Como de praxe, a gestão Lula da Silva dá
ênfase extrema a questões que, embora potencialmente positivas, como a melhora
das exportações na esteira da supersafra deste ano, não deveriam servir de
desculpa para justificar o pendor por gastos do governo.
Se a tendência natural, do lado das
importações, é de declínio para conter o aquecimento da economia e ajudar a
mitigar a inflação, não é segredo para ninguém que do lado externo a única
garantia é de incerteza, já que desde que voltou à Casa Branca Donald Trump não
para de entregar o que prometeu: desarranjo e confusão em escala global.
Mas nem tudo é culpa do presidente americano.
Internamente, o governo Lula não para de anunciar medidas que vão na contramão
de esfriar uma economia superaquecida, o que em nada contribui com o
desenvolvimento econômico sustentado.
Também na questão das contas externas, mais
uma vez o Banco Central comporta-se como o único adulto sentado à mesa. Numa
outra publicação periódica, o Relatório de Política Monetária (RPM),
o BC ampliou a projeção de déficit em conta corrente do Brasil em 2025 de US$
58 bilhões para US$ 62 bilhões (2,8% do PIB).
No RPM, embora projete que o IDP no País em
2025 fique em linha com o registrado no ano passado (na casa de US$ 70
bilhões), o BC reconhece que “os riscos para o cenário, no entanto, aumentaram,
com a maior incerteza gerada pela intensificação das disputas no comércio
internacional”.
Por mais que se torturem os números para
deles extrair uma narrativa mais conveniente para o governo, incerteza global
elevada, contas externas estressadas e juros domésticos de dois dígitos não
compõem um quadro satisfatório.
Se o governo preferir negar a realidade dos números das contas externas, a taxa de câmbio, que tanto assustou no final do ano, voltará a aterrorizar o País.
Roubo de celular exige respostas mais ágeis
Correio Braziliense
A disposição do governo federal em endurecer
a legislação contra o roubo de celulares pode não ser suficiente para trazer
tranquilidade à rotina de estudantes e trabalhadores
Estabelecer relações humanas sem o uso dos
celulares é exercício complexo — ainda que eles tenham se popularizado há pouco
tempo, em meados dos anos 2000. Atividades de comércio, lazer, educação, saúde,
troca de informações — incluindo as comunicações oficiais — se concentram cada
vez mais nesses dispositivos móveis, despertando o interesse de criminosos. Em
mãos erradas, os aparelhos são a porta de entrada para outros delitos, como os
golpes virtuais que alimentam organizações criminosas. Não à toa, o Brasil
enfrenta uma explosão de roubos e furtos de smartphones marcada pela escalada
de desfechos violentos e por respostas morosas do Estado.
Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP) revela que, em 2023, quase dois celulares foram roubados ou
furtados por minuto no país, somando cerca de 1 milhão de ocorrências
registradas nas delegacias. A maioria dos roubos, 78%, ocorre em vias públicas,
entre 5h e 7h e das 18h às 22h, quando há maior deslocamento para a escola e o
trabalho. A mesma entidade calcula que menos de 10% dos casos são esclarecidos.
Todas essas características favorecem a
sensação de impunidade em uma população que se sente acuada pelos criminosos e
correndo risco de vida — são recorrentes as notícias de vítimas assassinadas
mesmo sem esboçar qualquer reação ao roubo. Nesse sentido, a disposição do
governo federal em endurecer a legislação contra esse tipo de crime pode não
ser suficiente para trazer tranquilidade à rotina de estudantes e
trabalhadores.
Um projeto em análise no Planalto prevê
o aumento da pena para quem furta celulares em benefício de um terceiro, como
um chefe de quadrilha, e para quem compra aparelhos roubados. Como crime
qualificado, a pena varia de dois a oito anos de prisão, contra um a quatro
anos em furto simples. No caso da receptação, estuda-se um aumento de 50% da
pena — chegaria a 12 anos.
Hoje, porém, o latrocínio tem reclusão de 20
a 30 anos. Ainda assim, parece não intimidar aqueles que matam para subtrair
celulares. Fazem à luz do dia, com expedientes detalhados a partir de dados
oficiais. Não há dúvidas de que esse reforço pensado pelo Executivo para conter
os roubos e furtos é bem-vindo, mas, se apenas um em cada 10 casos é
investigado, toda essa armadura jurídica se enfraquece.
A outra frente do governo tende a ser mais
promissora, pois pode aproximar os agentes de segurança dos receptadores. Até
sexta-feira, deve estar disponível uma atualização do programa Celular Seguro
que passará a enviar mensagem de alerta para aparelhos que foram subtraídos e
receberam um novo chip. O usuário deverá ir a uma delegacia e apresentar a nota
fiscal do produto. Quem ignorar o chamado poderá responder por furto,
receptação, roubo ou organização criminosa.
O Celular Seguro, lançado em dezembro de
2023, é inspirado em um projeto no Piauí que, em dois anos, recuperou mais de
11 mil aparelhos. De 2022 a 2024, a quantidade de furtos e roubos no estado
caiu 40%, e o número de recuperados cresceu seis vezes. Aumentou ainda a
quantidade de boletins de ocorrência, sinalizando um arrefecimento da sensação
de impunidade.
Uma população descrente da capacidade do Estado em garantir a sua segurança tende a recorrer a formas alternativas de justiça — o que parece ter feito o arquiteto morto a tiros, na terça-feira, no Butantã (SP), ao jogar o carro contra um homem que acabara de roubar um celular. São Paulo concentra 32% dos casos de roubo e furto de celulares no país. Lá e nas outras 26 unidades federativas, o que se espera é tranquilidade para manusear uma ferramenta tão indispensável na vida moderna — inclusive para se ter acesso a outros serviços públicos.
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