terça-feira, 22 de abril de 2025

Pesos e contrapesos no governo Trump - Christopher Garman

Valor Econômico

O estrago econômico tende a acelerar a imposição de freios. Mas até que as restrições finalmente se imponham, os danos à economia e à reputação dos EUA já terão sido causados

Os mercados financeiros reagiram, de forma bastante compreensível, de maneira negativa ao “tarifaço” anunciado pelo presidente Donald Trump no chamado “Dia da Libertação”, em 2 de abril. A decisão representa um nível de protecionismo comercial nos Estados Unidos não visto desde a virada do século XIX para o XX, com potencial para mergulhar o país em uma recessão e reduzir o crescimento global.

Embora a intensidade do anúncio tenha surpreendido, sua direção já estava claramente sinalizada: Trump fez campanha prometendo mais tarifas, como parte de uma política nacional de reindustrialização, e defende essa agenda desde os anos 1980. Economistas, empresas e investidores podem não concordar com a decisão, mas não se pode acusar o presidente de estelionato eleitoral.

A maior surpresa do governo, no entanto, está em outro campo: um teste direto ao sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”), que estrutura o arranjo institucional da democracia americana. E aqui há uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que é prematuro decretar a falência desse sistema. A má é que, mesmo que ele sobreviva ao teste, o grau de confiança nos Estados Unidos, tanto no plano diplomático quanto no setor privado, pode sofrer uma queda estrutural, gerando custos econômicos e políticos difíceis de mensurar.

A lista de medidas que tensionam as instituições, muitas vezes por meios juridicamente duvidosos, é extensa. Vai desde o uso da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) para implementar tarifas, normalmente reservada a períodos de guerra, até o desmonte de burocracias federais que, em princípio, exigiria aprovação do Congresso. Inclui ainda a recusa em cumprir decisões judiciais sobre a condução de deportações, a intimidação de escritórios de advocacia que atuam contra interesses do governo e pressões sobre universidades renomadas para alterarem seus currículos e políticas de contratação. E na última semana, Trump levantou dúvidas sobre a possibilidade de demitir o presidente do Banco Central americano, Jerome Powell - uma ação juridicamente muito controversa.

Essas investidas ocorrem em meio ao silêncio do Congresso, da maioria das lideranças do setor privado e de um Judiciário que responde lentamente. A impressão que se forma é a de que o presidente Trump age sem limitações institucionais ou políticas, minando o Estado de Direito. Mas será mesmo?

A história americana tem vários episódios em que suas instituições e o Estado de Direito foram colocados à prova. Na década de 1950, durante o macarthismo, o senador Joseph McCarthy liderou uma cruzada contra supostos comunistas no governo, nas Forças Armadas e em Hollywood, com abusos de poder, perseguições políticas e violações do devido processo legal. Nos anos 1970, o escândalo de Watergate revelou ações ilegais orquestradas pelo governo Richard Nixon para espionar adversários, obstruir a Justiça e usar agências federais contra opositores, o que levou à sua renúncia.

Na década de 1830, o presidente Andrew Jackson enfraqueceu o Segundo Banco dos Estados Unidos, então equivalente ao banco central, retirando fundos federais sem autorização do Congresso e ignorando decisões judiciais. Isso resultou no Pânico de 1837 e em uma grave recessão. Em 1937, frustrado com decisões da Suprema Corte, que derrubavam suas leis do New Deal, Franklin D. Roosevelt propôs expandir o número de juízes da Corte para enfraquecer sua independência. A proposta fracassou, mas em parte porque Roosevelt acabou tendo sucesso na expansão do poder do Executivo.

Simples fato de haver debate sobre o dólar como moeda de reserva já evidencia a gravidade da crise de credibilidade

Esses episódios mostram que democracias são sistemas dinâmicos, sujeitos a momentos de tensão institucional. Alguns testes foram superados rapidamente, como o de Watergate; outros deixaram marcas mais duradouras, como o caso Jackson. Mas, historicamente, o sistema tende a se acomodar, ainda que lentamente.

O governo Trump parece se situar entre esses dois extremos. Sua eleição contou com apoio de uma base republicana que desconfia das instituições que ele ataca e apoia medidas como deportações em massa. Isso lhe dá respaldo popular na base republicana e o torna pouco propenso a recuar no curto prazo.

Entretanto, seu calcanhar de Aquiles é a economia. Há grande possibilidade de uma recessão e os consumidores certamente sentirão os efeitos de preços mais altos. Trump já vem perdendo apoio entre os eleitores independentes - sua aprovação caiu de 49% para 45% em dois meses - e é improvável que o setor privado permaneça silencioso caso a recessão se concretize. Ao mesmo tempo, os questionamentos jurídicos se intensificam não apenas na área da imigração, mas também sobre o uso da IEEPA para impor tarifas. Pode surgir resistência dentro do próprio Partido Republicano, especialmente se a perspectiva de derrota nas eleições legislativas de 2026 se tornar concreta. Mas esse tipo de reação ainda deve demorar a se manifestar.

O ponto é que o estrago econômico tende a acelerar a imposição de freios. Desmontes de instituições costumam ocorrer em contextos de liderança altamente popular e sustentada por longos períodos, o que não deve ser o caso desse governo.

A má notícia é que, até que as restrições finalmente se imponham, os danos à economia e à reputação dos EUA como destino seguro para investimentos e alianças diplomáticas já terão sido causados. Países começarão a enxergar os Estados Unidos como um parceiro mais arriscado e buscarão alternativas para diversificar suas relações. Isso pode se refletir na realocação de capital e em novos acordos comerciais. O tratado entre União Europeia e Mercosul, por exemplo, é dado como certo. Ainda não há uma alternativa viável ao dólar como moeda de reserva global, mas o simples fato de esse papel estar sendo debatido já evidencia a gravidade da crise de credibilidade.

 

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