Abraham B Sicsu[i]
Claúdio Carraly[ii]
Tenta-se uma acomodação.
Todos os países e regiões. O impacto no comércio internacional pode ser
efetivo. A guerra das tarifas desestabiliza os mercados. Os acordos postos em
dúvida. A insegurança é clara. Construir um novo arcabouço, buscar estratégias
ousadas, esperar novas medidas estapafúrdias, tentar prever novos passos,
caminhos que atormentam. Bolsas e dólar oscilam, fala-se em novas moedas
âncoras, blocos econômicos se articulam, aflição com o possível enxame de
produtos que não terão mais os estadunidenses como demandadores privilegiados.
Nesse cenário, como se posiciona o Nordeste Brasileiro?
Na década de 1960, o Brasil enfrentava profundas transformações estruturais, e o Nordeste, historicamente marcado por vulnerabilidades socioeconômicas, era considerado um território em extrema necessidade de intervenção estatal. Foi nesse contexto que a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene se materializou como uma iniciativa pioneira. Sob a liderança de visionários a Sudene foi criada para promover a industrialização, atrair investimentos e reduzir as desigualdades regionais, implementando projetos de infraestrutura e fomento que transformaram, embora de maneira parcial, o cenário local.
Compreender a importância de conviver com o bioma do semiárido foi fundamental nas últimas décadas, assim aproveitando suas potencialidades para criar vantagens competitivas. Em meio a tempos turbulentos, caracterizados por transformações tecnológicas aceleradas, instabilidades geopolíticas e, inclusive, os resquícios da guerra tarifária promovida pela primeira administração de Donald Trump (2018-2020), que elevou os custos das exportações brasileiras em 12% segundo dados da CNI, a região precisa de uma nova institucionalidade que articule esforços para promover o desenvolvimento sustentável e a inserção competitiva no comércio internacional.
Não se pode negar. Há
deficiências estruturais. Nossa produtividade é baixa, a competitividade em
mercados internacionais, excetuando o primário exportador, pequena, a base
produtiva está alicerçada em pequenas e médias empresas, muitas vezes com
administração familiar, a logística de escoamento ainda com grandes
deficiências, a articulação com os mercados internacionais tênue. Com esse
quadro, o que prever?
O ambiente global contemporâneo é marcado por inovações tecnológicas,
mudanças na dinâmica das cadeias globais de produção e uma crescente ênfase na
sustentabilidade ambiental. A economia digital e a interconexão dos mercados
impõem novas exigências ao conjunto das nações e regiões, que precisam se
adaptar rapidamente para manter sua competitividade nesse cenário.
Um episódio emblemático foi a guerra tarifária promovida pela
administração Donald Trump em sua primeira passagem pela Casa Branca, durante
esse período, os Estados Unidos impuseram tarifas elevadas sobre produtos
importados, entre eles, aço, alumínio e outras mercadorias manufaturadas, com o
objetivo de proteger suas indústrias. Essa política protecionista provocou
retaliações de diversos países e desestabilizou cadeias de fornecimento
globais, elevando custos e gerando incertezas nos mercados internacionais.
Dados apontam que, durante o auge dessas medidas, os custos de produção global
aumentaram em até 15% em alguns setores, evidenciando como disputas tarifárias
podem afetar negativamente a economia global. No caso brasileiro, o Nordeste,
responsável por 8% das exportações nacionais segundo dados do Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio em 2023, enfrentou impactos indiretos,
como o aumento de custos logísticos e a perda de competitividade em mercados
tradicionais. Esse episódio foi o prenúncio do que enfrentamos agora, um alerta
para a importância de diversificar mercados e adotar estratégias resilientes
para enfrentar choques externos.
Diante desse panorama, a Região Nordeste precisa ajustar suas políticas
de desenvolvimento para se inserir de maneira competitiva no comércio
internacional, utilizando a inovação e a sustentabilidade como pilares centrais
da nova estratégia. A região já dá passos importantes nessa direção: com a
produção de 85% da energia eólica nacional (Empresa de Pesquisa Energética –
EPE, 2023), o NE pode se posicionar como um hub de indústrias de baixo carbono,
atraindo investimentos em setores como hidrogênio verde e fabricação de
componentes para energias renováveis.
A
entrada de produtos mais tecnificados, de países afetados com as mudanças
fiscais e barreiras comerciais impostas é previsível. Fala-se que teríamos uma verdadeira invasão de
produtos importados e, com isso, uma séria crise interna. Não duvidamos. Mas,
acreditamos que como os outros atores temos muito a fazer.
Se a preocupação for o mercado internacional, economias de escala passam
a ser foco básico para os nossos produtos. Temos dificuldade de
competitividade, com custos produtivos altos. A produção em larga escala
proporciona vantagens fundamentais, como a redução dos custos unitários e a
capacidade de investir em inovações. Para o Nordeste, a articulação entre pequenos
produtores e empresas, consolidação de cadeias produtivas, melhorias na
logística podem ser um caminho para permitir a formação de cadeias produtivas
integradas e competitivas.
Outro aspecto relevante é a integração entre os Estados da Região. É crucial
para superar a fragmentação histórica, mecanismos como consórcios e fóruns de
governadores podem facilitar a elaboração de políticas públicas comuns, a
realização de investimentos compartilhados e a harmonização de legislações
regionais.
Em 2022, o Consórcio Nordeste, por exemplo, economizou R$ 1 bilhão com a
compra conjunta de medicamentos, modelo facilmente replicável em setores como
logística e exportação.
A conclusão da Ferrovia Transnordestina, que reduzirá custos de
transporte em 30% na fruticultura do Vale do São Francisco, é outro exemplo de
como a cooperação regional gera resultados tangíveis, com esses ramais
abastecendo com inúmeros produtos de exportação escoados nos portos de Suape e
Pecém, elevando a competitividade de toda a região.
Com esse quadro, importante analisar as tendências setorialmente.
No setor primário temos
estrutura e preços competitivos para os mercados internacionais. Os cerrados
apresentam condições de competitividade e de inserção crescente nos mercados
internacionais. Inclusive substituindo produtos da América do Norte que serão
retaliados. A agricultura de exportação é um trunfo a ser mais bem
comercializada e melhor articulada. Na área mineral, têm-se boas perspectivas
para produtos específicos, insumos
importantes para as novas ligas metálicas e para a indústria estratégica de
chips e componentes eletrônicos. Há como avançar. Sem falar no petróleo em que
se têm boas perspectivas, inclusive com a exploração da margem equatorial.
Caminhos seguros para avanços significativos em espaços que começam a se abrir
com a guerra comercial.
Nosso maior problema é o
setor secundário, de transformação industrial. Nele se tem efetivos problemas
de competitividades. Tirando nossa pequena base industrial de grandes
multinacionais aqui implantadas, inclusive a automobilística e a petroquímica,
são poucas as opções com escalas adequadas e produtividade competitiva. Necessário
faz-se um esforço que evite o sucateamento prematuro do parque fabril aqui
implantado. Fazem-se necessárias ações no sentido, como já dito, de modificar o
quadro atual. E nisso escalas competitivas passam a ser estratégicas, além da
necessária modernização e digitalização das empresas e sua inserção na chamada
manufatura avançada. Não é fácil.
Nesse contexto, no curto
prazo, dada a escassez de recursos atual, uma mudança institucional profunda
aparece como caminho mais seguro. E nele, a articulação regional volta a ter
sentido. O mercado regional não é desprezível, há um parque diversificado produtivo,
mas pouco articulado, ganhos de produtividade podem ser auferidos articulando
as cadeias produtivas regionais, desde o fornecimento de matéria prima,
passando pelos intermediários e chegando com maior solidez e menores custos nos
produtores finais. Também, fundamental é a melhoria de logística que permita
articular produtores a mercados locais e extra locais, inclusive os
internacionais.
Na mesma direção,
investimentos massivos em conhecimento e tecnologia fazem-se indispensáveis.
Garantir a atualização do parque e
acompanhar tendências mundiais é caminho para a competitividade. Infelizmente,
na região, ainda muito frágil. Conseguir um sistema mais articulado e voltado
para áreas estratégicas focado na matriz de conhecimento que dê embasamento ao
perfil produtivo local, um desafio a ser enfrentado.
Uma visão mais acurada do
quadro internacional, também se faz necessária.
A evolução das relações comerciais globais nos últimos anos transformou
o ambiente de negócios, impondo padrões de sustentabilidade e inovação. Os
principais blocos econômicos, Estados Unidos, União Europeia, e de maneira
marcante, a China, que traz consigo um bloco emergente, mas muito promissor que
são os BRICS, agora exercem uma influência ainda mais forte sobre as regras do
comércio internacional. A guerra tarifária reiniciada nessa nova administração
de Donald Trump em 2025 elevou as tarifas de importação de forma
desproporcional, provocando indelevelmente retaliações internacionais. Isso
apenas confirmou que a competitividade dos produtos depende de sua capacidade
de se adaptar a um ambiente de incertezas e disputas comerciais, e o Nordeste
tem que estar preparado para isso.
Para que a Região se insira de forma competitiva nos mercados
internacionais, é imperativo que seus produtos atendam aos elevados padrões de
qualidade e sustentabilidade exigidos pelos grandes blocos e Isso envolve Certificação Internacional, Missões Comerciais e Ajuste Tecnológico e Logístico.
Tudo isso passa pela matriz
institucional que se deve articular na região e que daria a base de
fundamentação para os saltos desejados. No caso do Nordeste, se vêem duas
instituições, desde que reorientadas e revitalizadas, que podem ser a base dos
desafios acima relacionados; o Consórcio dos Estados Nordestinos e a própria
Sudene.
O Consórcio, aprofundado e
mais focado, permite dar a base para a integração dos estados na busca de uma
estratégia comum no sentido de maior penetração em regiões e países externos à
região, além de permitir uma maior articulação em áreas relevantes como a
tecnológica e a defesa do mercado interno para produtos locais e o uso do
mecanismo de compras governamentais para alavancar a produção nordestina. Isso
pode modificar bastante as escalas produtivas atuais, muito pouco competitivas.
A Sudene, além de procurar garantir
recursos para a atualização do parque local e da infraestrutura logística e de
conhecimento, tem papel relevante e estratégico. Se o País está procurando se
articular com Blocos Econômicos mundiais e procurando espaços para que se
minimizem os impactos da desregulamentação advinda do Tarifaço, deve ser a
porta voz oficial para garantir participação crescente da Região nesses acordos
e a diminuição dos impactos negativos advindos de uma possível enxurrada de
produtos advindos de países muito mais competitivos.
Em outras palavras, duas
instituições que se complementariam, uma garantindo a forte articulação
regional e o conseqüente aumento de competitividade local, outra garantindo
recursos para as infraestruturas mais relevantes e espaços na luta política
para maior inserção nos mercados extra locais.
O Nordeste brasileiro encontra-se em um ponto de inflexão histórico, as
lições da Sudene, somadas aos desafios impostos por um comércio internacional
fragmentado e exigente, demandam não apenas adaptação, mas uma reinvenção
estratégica. A Região já dá sinais de que pode transcender suas dificuldades ao
liderar a transição energética nacional, com a produção de 85% da energia
eólica e 40% da solar do país, e ao transformar sua cultura e biodiversidade em
ativos globais, o Nordeste reescreve sua narrativa.
A nova institucionalidade necessária passa, inevitavelmente, pela
ressignificação de entidades como a Sudene e pela eficácia de mecanismos
colaborativos como o Consórcio Nordeste. Juntas, essas estruturas podem
catalisar investimentos em infraestrutura crítica, como a conclusão da Ferrovia
Transnordestina, ampliar o acesso a mercados inexplorados via certificações
internacionais e fomentar cadeias produtivas resilientes, capazes de resistir a
choques externos, seja das guerras tarifárias ou crises climáticas.
Mas o verdadeiro salto qualitativo está na capacidade de transformar
particularidades históricas em vantagens sistêmicas. O semiárido, antes
sinônimo de limitação, torna-se laboratório para agroindústria 4.0 e energia
renovável, a herança cultural, mote para um turismo de experiência que gera R$
300 milhões/ano, e a localização geoestratégica, ponte natural para a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP e o Sul Global.
O desafio, agora, é institucionalizar essa transformação. Isso requer
não apenas verbas, mas visão, integração de políticas estaduais, parcerias
público-privadas ágeis e uma diplomacia econômica ativa.
Se a Sudene dos anos 1960 mirou a industrialização, sua versão do século
XXI deve ser uma plataforma de inovação aberta, conectando startups a capitais
de risco globais. Ao final, o Nordeste não apenas superará a secular dicotomia
entre seca e desenvolvimento, como emergirá como arquiteto de um novo modelo de
inserção global – onde competitividade e sustentabilidade são faces da mesma
moeda. A desigualdade, então, não será um fantasma do passado, mas um desafio
superado por instituições que souberam transformar ventos, sol e criatividade
em prosperidade compartilhada. O tempo é de ousadia, a próxima década pode
consagrar a região não como periferia, mas como epicentro de um comércio
internacional mais justo, inventivo e totalmente surpreendente.
Por fim, não se deve deixar
e salientar que a região já dispõe de pólos de conhecimento relevantes, nas
áreas da nova indústria e dos novos serviços, que podem ser fortalecidos e
articulados. Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia, por exemplo, tem
pólos na área de informática que podem ter grande penetração mundial, que, se
bem associados trazem diferencial em áreas de grande valor agregado.
A consolidação institucional, tendo por base uma estratégia competitiva mais agressiva, pode ser caminho para um forte avanço na região. É no que acreditamos.
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