Valor Econômico
A imposição de tarifas sem nenhum critério
razoável fez o quadro internacional ficar altamente imprevisível; Brasil deve
ser menos afetado
Com a escalada comercial promovida pelo governo de Donald Trump, a incerteza no cenário externo atingiu níveis elevadíssimos. A economia americana, que caminhava para um pouso suave, agora enfrenta o risco de uma recessão combinada ao aumento da inflação. A imposição de tarifas sem nenhum critério razoável tornou o ambiente internacional altamente imprevisível, um fator que tende a afetar em especial o investimento das empresas. O J.P. Morgan vê um risco de 60% de recessão global neste ano.
Embora tanta incerteza não seja obviamente
positiva para o Brasil, a economia do país não deverá ser uma das mais
atingidas por esse quadro de indefinição. A atividade por aqui tende a perder
um pouco mais de força num cenário de desaceleração global, mas a inflação
poderá ter algum alívio, desde que o dólar não fique muito caro, abrindo espaço
para o Banco Central (BC) abreviar o ciclo de alta da Selic, já muito elevada.
É possível ainda que o Brasil consiga exportar mais commodities para a China,
dado que o país asiático deverá comprar de outros fornecedores mais produtos
primários que hoje adquire dos EUA. Além disso, há a possibilidade de alguns
manufaturados brasileiros ganharem mercado nos EUA de concorrentes chineses,
devido às taxas altíssimas cobradas do país asiático. Ao mesmo tempo, a China
tentará desovar em outros países produtos industriais que destinava aos EUA, o
que pode afetar negativamente o Brasil.
Nas últimas semanas, o governo de Donald
Trump deu seguidas demonstrações de amadorismo na política comercial, ao
promover uma escalada tarifária contra os parceiros dos EUA, baseada em
critérios estapafúrdios. As medidas protecionistas jogaram nas alturas os
níveis de incerteza econômica do mundo, elevando a probabilidade de uma
recessão e de alta da inflação nos EUA e de desaceleração expressiva da
economia global. De quebra, o comportamento do mercado de títulos do Tesouro
americano nos últimos dias indicou que parte dos investidores começa a ter
dúvidas sobre o status de porto seguro dos papéis emitidos pelo governo dos
EUA, que viram os seus preços caírem e, por tabela, os juros aumentarem. A taxa
dos títulos do Tesouro de 10 anos fechou sexta-feira em 4,48% ao ano; uma
semana antes, estava em 4,01%. Já o dólar se enfraqueceu no mercado
internacional, com o índice DXY, que mede o valor da moeda americana em relação
a uma cesta de seis divisas de economias desenvolvidas, recuando para o menor
nível em três anos.
É um cenário de grande imprevisibilidade, que
prejudica especialmente o investimento. As empresas tendem a ficar muito mais
cautelosas em relação a seus planos de modernização e expansão da capacidade
produtiva. É verdade que o governo americano recuou duas vezes desde a
quarta-feira da semana passada, a primeira quando anunciou a suspensão por 90
dias das tarifas recíprocas para quase todos os parceiros comerciais,
limitando-as a uma taxa de 10%, e concentrando a artilharia na China, que teve
a alíquota de suas exportações para os EUA definida em 145%. Na noite de
sexta-feira, por sua vez, a alfândega dos EUA decidiu excluir smartphones,
computadores e outros produtos eletrônicos das tarifas de 145% cobradas da
China e de 10% impostas a outros parceiros. A medida favorece empresas como a
Apple, que tem uma rede de fornecedores em 30 países, grande parte deles na
Ásia.
Declarações feitas ontem por Trump e pelo
secretário de Comércio, Howard Lutnick, porém, sugerem que a medida foi um meio
recuo. Trump disse que não houve nenhuma exceção tarifária na iniciativa da
sexta-feira. “Esses produtos estão sujeitos às tarifas de 20% para o fentanil
existentes [impostas como retaliação à entrada da droga nos EUA] e estão apenas
migrando para uma ‘faixa’ tarifária diferente”, afirmou ele. Já Lutnick indicou
que a medida relacionada à importação de smartphones e outros eletrônicos é temporária.
Ao avaliar a extensão da decisão da alfândega
americana antes do que disseram ontem Trump e Lutnick, o economista-chefe para
a América do Norte da Capital Economics, Paul Ashworth, estimou que os 20
produtos excluídos do tarifaço representam 23% do que os EUA compram da China.
Outras economias da Ásia foram ainda mais beneficiadas, diz ele, observando que
64% das importações americanas de Taiwan devem ficar fora da tarifa, percentual
que atinge 44% nas aquisições de produtos da Malásia e quase 30% do Vietnã e da
Tailândia. Com essas exceções, a tarifa média efetiva cobrada pelos EUA sobre
importações recua de 27% para 22%, ainda assim um percentual muito acima dos
2,3% do ano passado, diz Ashworth.
O tombo dos mercados e as reclamações de
grandes investidores, banqueiros e empresários levaram Trump a suspender por 90
dias as tarifas recíprocas e a promover o alívio para smartphones e outros
eletrônicos, mas o grau de incerteza em torno do tema permanece elevado. A
avaliação generalizada é que o improviso domina as decisões do atual governo
dos EUA, que deixou de ser um parceiro confiável.
O governo brasileiro tem sido cauteloso e
pragmático em relação às tarifas impostas pelos EUA, buscando negociar com o
governo americano, como no caso do aço e alumínio, taxados em 25%. Uma das
ideias é obter cotas de exportação para esses produtos.
Pelo que foi divulgado até agora, o Brasil
não será um dos países mais diretamente afetados pelo tarifaço de Trump. Uma
economia global mais fraca pode fazer o PIB brasileiro desacelerar um pouco
mais do que se imaginava, o que tende a exigir doses menores de juros para
conter a inflação. Nesse cenário, é importante o governo não tomar mais medidas
fiscais e de crédito para estimular a atividade. Isso pode tirar o espaço para
o Banco Central (BC) ser mais brando na condução da política monetária e elevar
a incerteza doméstica, num momento em que sobram indefinições no cenário
externo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.