O Globo
Já há no governo uma
alternativa capaz de pôr fim – ou, ao menos, reduzir de forma significativa –
as fraudes contra a União e os aposentados
A crise do INSS não estancará com a demissão do ex-ministro Carlos Lupi. Esse escândalo é mais real para a população porque a atinge diretamente. É o aposentado e o pensionista que foi roubado em seu parco recebimento mensal. Diferentemente de outros casos como o petrolão, que tirou dinheiro de uma estatal, ou o das joias, que era uma venda de bens da União, este fala diretamente ao bolso. Poderia ter sido evitado. A Polícia Federal estudou durante três anos o assunto e, há mais de um ano, apresentou ao governo a solução que evitaria entre 60% e 70% das fraudes. Implantar um sistema biométrico unificado no país.
Esse roubo, agora
investigado, é mais doloroso porque atinge as famílias, mas os cofres públicos
são há muito tempo saqueados por variadas fraudes no sistema previdenciário. O
que esta investigação mostrou, além da parte criminal, é que há um desarranjo institucional
total, um descontrole absoluto. A Previdência é o maior bloco de despesas do
orçamento, portanto, é onde há mais riscos. Os fraudadores atacam conseguindo
benefícios indevidos e aí sangram os cofres públicos ou o orçamento das
famílias.
Funcionaria assim: a Polícia
Federal tem na sua estrutura um Instituto Nacional de Identificação. A ideia é
implantar isso nacionalmente. Se uma pessoa quisesse fraudar a Previdência
tirando vários benefícios em estados diferentes — como acontece — ela seria
barrada pelo sistema unificado. Para haver desconto no benefício em favor de
algum sindicato ou associação, a pessoa teria que autorizar via reconhecimento
facial. Não seria complicado, pode ser feito de casa mesmo, pelo celular, se
houvesse um sistema nacional de identificação biométrica. Cofres públicos e o
bolso do cidadão estariam mais protegidos.
Há resistência dentro do
governo. O Dataprev, por exemplo, não aceita que os dados para efeito do INSS
sejam os da Polícia Federal. A PF é o único que tem capacidade técnica de fazer
isso nacionalmente até por ter servidores especializados para a correção de
erros, os papiloscopistas. O Ministério da Gestão acha que é muito caro e alega
que uma base criminal não pode servir para um procedimento civil. Na Polícia
Federal esses argumentos são qualificados como “falácia”. Sobre a despesa, a
resposta é que teria custado R$ 500 milhões implantar um sistema que poderia
ter evitado, só nesse caso, um prejuízo de R$ 6 bilhões para a população.
As investigações começaram a
ser feitas em 2023, quando apareceram as primeiras denúncias na imprensa. Hoje,
tem um inquérito em Brasília e outros 10, em seis estados diferentes. Foi
deflagrada uma operação conjunta e coordenada, em que a PF de cada estado
realizou apreensões para confirmar suas linhas de investigação. Não há ainda um
prazo para terminar de processar os dados trazidos por mais de 200 mandados de
busca e apreensão. A extração do conteúdo dos celulares apreendidos já foi
feita e tudo está sendo analisado. Essas informações fazem parte de um grande
banco de dados e que, por decisão judicial, pode ser compartilhado nos vários
inquéritos. O sistema de perícia é um só no Brasil inteiro.
O que a CGU havia
identificado antes é que desde 2019 houve um início mais volumoso desses
descontos indevidos e, em 2021 e 2022, houve mais assinatura dos acordos dos
sindicatos com a Previdência. O ex-ministro Carlos Lupi tinha mesmo que sair
porque foi omisso ao ser alertado. Tivesse agido no início do mandato, quando
foi avisado, em janeiro de 2023, pela advogada Tonia Galletti, no Conselho
Nacional de Previdência Social, a história seria outra. Ou mesmo em junho de
2023, quando a advogada pediu a inclusão do assunto na pauta do conselho. As
oportunidades de interceder foram sendo perdidas e o ataque ao bolso dos
aposentados e pensionistas continuou.
É necessário esclarecer a dimensão do esquema de desvios, encontrar todos os responsáveis, desenvolver a engenharia fiscal para a devolução aos aposentados do dinheiro que foi retirado das suas contas e implantar um sistema que evite as fraudes no futuro. As pessoas precisam ser protegidas, os cofres públicos precisam ser defendidos, o governo tem que ter gestão mais eficiente. A crise está instalada, mas é possível implantar soluções de longo prazo, e indispensável ressarcir as vítimas dos erros que, mesmo tendo nascido em outros governos, devem ser corrigidos por quem está agora dirigindo o país.
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