Valor Econômico
Petistas tomam a liderança na concepção de
transferências, isenções e gratuidades para a maioria da população pobre
Uma consulta no plano de governo do então
candidato Fernando Haddad em 2018 revela que uma das suas propostas era, se
eleito presidente da República, realizar uma “reforma tributária para, entre
outras medidas, isentar de imposto de renda quem ganha até cinco salários
mínimos, cobrando mais dos super-ricos”.
Não deveria causar surpresa (tampouco uma disparada no dólar de R$ 5,80 para R$ 6,20) que, seis anos depois, agora na cadeira de ministro da Fazenda, Haddad apresentasse, em novembro de 2024, projeto de zerar a alíquota de IRPF para pessoas que recebem até R$ 5 mil. O interessante é que a ideia de não cobrar imposto de quem ganhava até cinco salários também foi encampada em 2018 por Jair Bolsonaro, após sugestão de Paulo Guedes, indicado na época da campanha para ser seu “posto Ipiranga” para assuntos econômicos.
Uma coisa que nem petistas nem bolsonaristas
explicaram é de onde saiu essa obsessão pelo valor de cinco salários mínimos -
readequada, na proposta atual, para R$ 5 mil mensais.
Segundo os cálculos de Marcelo Medeiros, um
dos maiores especialistas em distribuição de renda no Brasil, presentes no
livro fundamental “Os Ricos e os Pobres: O Brasil e a Desigualdade”, a renda de
um adulto no limiar dos 10% de renda mais alta girava em torno de R$ 50 mil por
ano (pouco mais de R$ 4 mil mensais). Morar num país pobre e desigual, em que
metade da população adulta sobrevive com menos de um salário mínimo e que de
75% a 80% das pessoas acima de 18 anos recebem abaixo da renda média do país (em
torno de R$ 3 mil mensais, segundo Medeiros), gera situações bizarras.
Isentar do IRPF quem recebe até R$ 5 mil por
mês vai eliminar a progressividade do Imposto de Renda, ainda mais se Arthur
Lira esvaziar, como parece ser o caso, as medidas de elevar a tributação sobre
lucros e dividendos da parcela de renda muito alta - no Brasil, quem ganha
acima de R$ 30 mil mensais pertence ao 1% mais rico e paga alíquotas efetivas
muito reduzidas.
Por falar em pobreza, o Bolsa Família atingiu
um outro patamar de cobertura e de valor pelas interações entre petistas - os
criadores do programa - e bolsonaristas, que o criticaram desde o início, mas
deixaram seu preconceito de lado por puro pragmatismo político quando estavam
no poder.
Depois de criar o mais bem-sucedido programa
de transferência de renda no final de 2003, a gestão de Lula escalou o Bolsa
Família durante seus dois primeiros mandatos até atingir uma estabilidade na
administração de Dilma Rousseff. Em 2015, o Bolsa Família atendia 13,7 milhões
de famílias, a um valor médio de R$ 300,32 mensais e um custo anual de R$ 48,7
bilhões (deflacionados pelo IPCA).
Ainda durante seu mandato de deputado
federal, Jair Bolsonaro se referia preconceituosamente ao Bolsa Família como
“bolsa-farelo” e “voto de cabresto do PT”, entre outras expressões do gênero.
Ao assumir a Presidência, porém, o líder de direita buscou se apropriar
eleitoralmente do programa. Depois de rebatizá-lo como Auxílio Brasil,
Bolsonaro turbinou seu valor, primeiro para R$ 400 mensais e, às vésperas da
eleição de 2022, para R$ 600 por família.
Em busca da reeleição, o governo Bolsonaro
despendeu R$ 128 bilhões (também corrigidos pelo IPCA) com o Auxílio Brasil no
último ano de seu mandato, favorecendo 18 milhões de famílias, ao valor médio
de R$ 592 por mês.
O movimento de Bolsonaro impôs a Lula, no seu
retorno ao poder, ampliar ainda mais o pacote de benefícios do renomeado Bolsa
Família. Além de manter o pagamento básico em R$ 600 por mês, o petista
incorporou em seu terceiro mandato um adicional de R$ 150 para crianças de até
seis anos de idade e outra parcela variável de R$ 50 para crianças e
adolescentes de até 16 anos. Como resultado, atualmente o benefício contempla
mais de 20,5 milhões de famílias, com pagamento médio de R$ 670 por mês.
Segundo a lei orçamentária, o programa custará R$ 158,6 bilhões neste ano.
Existe uma farta literatura de estudos
realizados nos primeiros anos do Bolsa Família demonstrando que a transferência
de renda não afetava a predisposição ao trabalho dos pais e mães atendidos. No
entanto, a extensão da cobertura e a multiplicação do valor do programa nos
últimos cinco anos demandam novas avaliações para verificar se não está havendo
impactos na oferta de mão de obra, especialmente nestes tempos de mercado de
trabalho aquecido e no interior do país, onde o custo de vida é menor.
O último movimento de agrado para as camadas
mais pobres - e majoritárias - da população se deu na última quarta-feira (21),
quando Lula assinou a medida provisória da reforma do setor elétrico. Entre as
iniciativas estão a gratuidade da conta de energia para as famílias inscritas
no CadÚnico com renda de até meio salário mínimo por pessoa e que consomem até
80 kWh/mês, além de descontos que podem reduzir o valor da tarifa para 60
milhões de pessoas.
Na eleição do ano que vem, esquerda e direita
se enfrentarão em busca de mais quatro anos à frente do país. A ver quais serão
os novos lances no leilão de benesses para a população mais pobre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.