Valor Econômico
Escândalo de corrupção no INSS mostra como a
história se repete como tragédia
O aniversário de 25 anos do Valor Econômico é um
convite a reavivar a memória, refletir sobre as voltas que o mundo dá, e como
os acontecimentos se repetem. Foi Hegel, citado por Karl Marx, quem disse que
os fatos e personagens importantes na história ocorrem duas vezes: a primeira
como tragédia, a segunda como farsa.
O exemplo da vez é o esquema de corrupção no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tem como vítimas aposentados e pensionistas, lesados em até R$ 6,3 bilhões. Os desvios foram revelados pela Controladoria-Geral da União (CGU), um ministério que tem quase a mesma idade do jornal.
Aqui cabe um parênteses para lembrar que,
depois do INSS, a CGU já tem outro alvo no radar: o programa Pé-de-Meia, uma
das vitrines do governo Lula 3, que beneficia 3,9 milhões de alunos do ensino
médio. Auditores da CGU visitarão 39 municípios, que foram sorteados, e as 27
capitais para fiscalizar a execução do programa, investigar eventuais
irregularidades e sugerir aperfeiçoamentos.
O escândalo de corrupção no INSS mostra como
a história se repete como tragédia. A CGU foi criada há 24 anos, por medida
provisória do presidente Fernando Henrique Cardoso, em abril de 2001. A
conjuntura política lembrava a atual: a gestão tucana era alvo de denúncias de
irregularidades, e a oposição, liderada pelo PT, recolhia assinaturas para
instalar a comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Corrupção, a fim de
apurar os fatos e constranger o governo.
A oposição tinha respaldo popular: uma
pesquisa Datafolha mostrou que 84% dos entrevistados eram a favor da CPI. Havia
denúncias de desvio de verbas na Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia (Sudam), na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),
no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), e acusações da época da
campanha, como o Dossiê Cayman, sendo desenterradas.
Pressionado, Fernando Henrique liderou uma
ofensiva de ministros e aliados no Congresso para barrar a CPI, com a retirada
de assinaturas do requerimento de criação do colegiado, promessa de cargos, de
liberação de emendas, e até apoio do governo para evitar a cassação do senador
Antônio Carlos Magalhães, implicado no escândalo da violação do painel do
Senado.
Ao mesmo tempo, FHC respondeu à população com
a criação da CGU, nomeando como ministra a procuradora federal Anadyr de
Mendonça Rodrigues, indicada pelo então titular da Advocacia-Geral da União
(AGU), Gilmar Mendes. Na solenidade de posse, o presidente fez um longo
discurso, rebatendo cada uma das acusações contra o governo.
Na ocasião, FHC anotou em seu diário, nas
páginas relativas aos dias 4 a 15 de abril de 2001, que a repercussão na
imprensa sobre seu discurso e a criação da CGU foi positiva. “Aparentemente,
conseguimos superar a dificuldade maior, que era evitar a CPI da baderna”,
escreveu. Observou que não era contra a investigação, mas achava que aquela
comissão de inquérito “seria um palanque de oposição, misturando alhos com
bugalhos”, enquanto o governo poderia dar provas de combate à corrupção.
No mesmo diário, FHC reclamou que a imprensa
publicou denúncias contra Anadyr, em relação à compra de um imóvel, registrado
com valor inferior ao da venda. O presidente escreveu que isso era “prática
corrente” no país, e que havia um exagero da imprensa em relação às figuras
públicas. “Há sempre uma pedrinha para atrapalhar, sempre andam buscando ver
pelo em ovo; acho que nem freira consegue, hoje em dia, passar por essa mania
de escrutínio”, criticou.
Em 2003, no primeiro ano da gestão Lula 1, a
pasta passou a se chamar Controladoria-Geral da União, incorporando mais
atribuições, como auditorias públicas, correição e ouvidoria. Agora, duas
décadas depois, o ministério conduz talvez a maior operação desde a sua
criação. Junto com a Polícia Federal, a CGU desmontou o esquema bilionário de
corrupção, que já derrubou o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto,
pressiona o ministro Carlos Lupi, e obrigará o governo a ressarcir os lesados.
A gravidade do episódio levou o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva a se manifestar sobre os fatos no pronunciamento
relativo ao Dia do Trabalhador: “Determinei à Advocacia-Geral da União que as
associações que praticaram cobranças ilegais sejam processadas e obrigadas a
ressarcir as pessoas que foram lesadas”, comprometeu-se. Paralelamente, Lula
terá de demonstrar a mesma habilidade política de FHC para, igualmente, barrar
uma comissão de inquérito. No caso, a CPI do INSS, que já foi protocolada pela oposição
na Câmara dos Deputados.
Desde os primeiros anos de funcionamento, a
CGU mantém um programa para auditar políticas públicas usando a amostragem da
população, por meio do sorteio de municípios que serão visitados pelos
auditores. A ideia é ouvir os cidadãos e gestores municipais sobre as entregas
do governo, a eficiência dos programas, e, simultaneamente, prevenir e combater
fraudes.
Do início da investigação, em 2023, até a
descoberta do esquema de corrupção no INSS, no ano passado, os auditores da CGU
fizeram mais de 1 mil entrevistas, visitaram dezenas de associações ligadas à
autarquia, colheram denúncias e aprofundaram as investigações. Tudo começou
quando os auditores decidiram, há dois anos, que era hora de investigar o INSS,
a partir de denúncias anônimas de que havia suspeita de descontos irregulares,
entre R$ 40 e R$ 80, nos contracheques dos aposentados e pensionistas. Agora será
a vez do Pé-de-Meia, vitrine eleitoral de Lula.
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