Folha de S. Paulo
Mesmo com o quadro sombrio, há também
iniciativas que vêm funcionando
Pesquisa atrás de pesquisa reforça que
a violência é,
hoje, o tema que mais preocupa o brasileiro. O preço do ovo importa, assim como
a fila no posto de saúde e a corrupção em
Brasília, mas o medo de levar um tiro na cabeça a caminho do trabalho é maior.
E, no entanto, segundo o Atlas da
Violência 2025, publicado nesta segunda, os homicídios no Brasil vêm
caindo.
Se pegarmos o pico da série —2017— tivemos uma queda expressiva de 31,8 para 21,2 homicídios por 100 mil habitantes atualmente. Os dados do Atlas são de 2023, então não é impossível que, ao se contabilizar os dados de 2024, vejamos uma piora. No entanto, não parece ser o caso: na cidade de São Paulo, por exemplo, 2024 teve menos homicídios do que 2023.
Mais um caso, portanto, em que a percepção
popular parece descolar dos dados objetivos? Não exatamente. Mesmo com a queda,
somos um país muito violento. Nosso melhor resultado em 11 anos é quase quatro
vezes pior do que a média mundial, de 5,6. Somos mais violentos que nações
asiáticas e africanas mais pobres do que nós. E a média nacional esconde ainda
aberrações como Amapá (57,4) e Bahia (43,9).
São Paulo vai bem na foto, com 6,4. Mesmo
somando as "mortes violentas sem causa determinada" —estranhamente
altas no estado desde 2018—, ficamos na segunda posição nacional. E, mesmo
assim, por onde quer que eu ande, com quem quer que eu fale, uma nova história
de roubo. Os vídeos não param de chegar no zap. Roubo de carro no meio da
tarde, roubo de celular na rua de casa, sequestro em pet shop, agressão numa
padaria, latrocínio no parque.
Pode ser que hoje em dia vejamos mais os
crimes. O assassinato perto da minha casa costumava ser só um número. Mas, se o
grupo do prédio compartilha o vídeo do crime e eu reconheço a rua pela qual
passo diariamente, isso muda minha percepção. Além disso, dentro de um quadro
de melhora geral há também pioras localizadas: há uma epidemia de crime em
alguns bairros —inclusive o meu— que domina a percepção de seus moradores.
A leniência do Brasil com o criminoso
violento é notória. Não é verdade que o Brasil prende demais. Prendemos muito
pouco. A figura tão comum do criminoso que "já tinha passagem pela
polícia" —por tráfico, agressão, homicídio— é
o índice do fracasso de nossa segurança. Se não permaneceu preso depois da
primeira passagem, é porque o sistema falhou, vitimando a população. O crime
organizado domina territórios, negando a prerrogativa básica do Estado que é o
monopólio da violência. Motivos para se indignar não faltam.
O que a nova edição do Atlas nos mostra é
que, mesmo com o quadro sombrio, há também iniciativas que vêm funcionando.
Sendo assim, sonhos de rompantes violentos, de grupos de extermínio, milícias
cidadãs armadas ou uma política a la Bukele de
prender jovens em massa apenas por denúncias anônimas (o que seria impossível
no Judiciário brasileiro), não deveriam nos distrair.
A ideia da terra arrasada —de que o crime já
venceu, não há saída e vivemos no inferno irremediável— nos cega ao que pode
melhorar e nos faz sonhar com soluções ao mesmo tempo utópicas e monstruosas. A
melhora real vem de soluções parciais e resultados incrementais sustentáveis
que precisam, óbvio, ser divulgados e repetidos. Não é o discurso mais sexy,
mas é o que pode nos deixar mais seguros.
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