Folha de S. Paulo
Responsabilidade com o equilíbrio das contas
públicas não deve caber só à União
O Relatório de Avaliação de Receitas e
Despesas do segundo bimestre, divulgado na semana passada, apontou uma revisão
para baixo, comparativamente à Lei Orçamentária Anual (LOA), de quase R$ 32
bilhões das receitas fiscais do Governo Federal.
Boa parte disso refletiu uma postura mais
realista quanto à expectativa de ingressos extraordinários associados às
transações tributárias. Descontando o aumento esperado das transferências para
estados e municípios, a receita que sobra para a União recuou em quase R$ 42
bilhões ante aquela que consta da LOA.
Por outro lado, também em relação à LOA, houve uma revisão para cima das despesas obrigatórias, de pouco mais de R$ 36 bilhões –explicada sobretudo por reavaliações para cima dos gastos com benefícios previdenciários (aumento de quase R$ 17 bilhões) e com equalização de juros do Plano Safra (R$ 5,3 bilhões).
Ou seja: sem nenhuma medida corretiva, o
resultado primário da União —diferença entre receitas e despesas primárias—
seria R$ 78 bilhões pior que aquele projetado na LOA (que era de um pequeno
superávit, de R$ 14,5 bilhões), ameaçando o cumprimento da meta deste ano (que
é de um saldo nulo, com intervalo de tolerância de mais ou menos R$ 31
bilhões).
Seguindo o rito usual, o governo definiu um
congelamento e bloqueio de despesas de cerca de R$ 31 bilhões, de modo a
assegurar que seja cumprido o limite de gastos do arcabouço fiscal e ao menos o
intervalo inferior das metas de resultado primário. Além disso, para viabilizar
um resultado fiscal mais próximo ao centro da meta, o governo também anunciou
uma majoração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A expectativa seria
levantar R$ 20,5 bilhões ainda em 2025 com esse aumento, valor que sobe para R$
41 bilhões em 2026.
Parece ser pouco provável que esse aumento do
IOF seja mantido, ao menos integralmente, já que essa medida gerou uma forte
reação negativa, tanto do setor privado como do Congresso. Em função disso, o
governo estaria avaliando outras opções. Uma ideia seria aumentar ainda
mais a
tributação sobre as apostas eletrônicas ("bets"), algo que faz
bastante sentido.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a
ministra do Planejamento, Simone Tebet, em entrevista sobre o bloqueio nas
contas públicas sugerido pelo Governo Federal - Pedro Ladeira -
22.mai.25/Folhapress
Contudo, é importante lembrar que uma das
razões da dificuldade de atingir as metas fiscais neste ano é justamente o fato
de que o Congresso não cumpriu com a sua parte quanto à compensação da
desoneração da folha salarial de alguns setores e dos municípios menores –que
foi aprovada pelos congressistas no final de 2023 sem estar prevista no
Orçamento de 2024 (derrubando o veto integral do Executivo a essa medida).
Em meados de 2024, o Supremo Tribunal Federal
(STF) apontou que o Congresso deveria buscar compensações para essa
desoneração, respeitando o espírito do artigo 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). Segundo a Advocacia-Geral
da União (AGU), as medidas aprovadas pelo Congresso em 2024 geraram uma
arrecadação de cerca de R$ 9,4 bilhões no ano passado, muito aquém do
impacto total da desoneração em 2024 (cerca de R$ 30,5 bilhões).
Mas a desoneração irá valer até 2027,
cessando somente de 2028 em diante. E as medidas de compensação aprovadas pelo
Congresso no ano passado geraram receitas que são em boa medida não
recorrentes, as quais não vão ajudar em quase nada a cobrir o impacto estimado
da desoneração neste ano (R$ 20,2 bilhões) e em 2026/27.
Ou seja: o Congresso
está devendo pelo menos R$ 41 bilhões para o ajuste fiscal. Não custa
lembrar que o gasto
orçado na LOA com emendas parlamentares em 2025 é de cerca de R$ 62 bilhões,
quase o dobro dos R$ 35,4 bilhões empenhados em 2023.
A responsabilidade pelo equilíbrio das contas
públicas não deve caber somente à União.
*Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA 4intelligence e pesquisador-associado do FGV IBRE
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