Gaia Sartori e Camila Turtelli / O Globo
Medida, que faria eleitor escolher nove
candidatos em uma única ida à urna, traria diferentes impactos; ainda não há
data para votação no plenário
Com apoio declarado de líderes de partidos que
somam mais de um terço do Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
extingue a reeleição para cargos do Executivo avançou na Casa, mas ainda não
tem data para ser votada em plenário. Aprovado por aclamação na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) na quarta-feira, o texto fixa em cinco anos os
mandatos, inclusive para deputados e senadores, e, naquele que é o ponto mais
criticado por pesquisadores, impõe a concomitância de todas as eleições. A medida
faria o eleitor apertar nove vezes o “confirma” na urna, reduzindo, na
avaliação de especialistas, o protagonismo do debate municipal e a atenção
conferida ao voto para o Legislativo. Também esvaziaria o senso de prestação de
contas da política com o eleitorado, dizem, dado que a população iria à cabine
de votação em intervalos mais longos.
Presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(União-AP) é favorável à proposta e avalia colocá-la em pauta antes de julho. A
medida de maior consenso no Congresso é o fim da reeleição para o Executivo.
Deputados e senadores continuariam aptos a se reeleger.
A proposta de unificação das eleições, no entanto, enfrenta resistências, sobretudo entre parlamentares do PT. Na previsão da proposta relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), todos os mandatos passariam a ser de cinco anos, o que representaria redução em três anos para senadores e aumento em um ano para todos os outros. De uma só vez, o eleitor teria que votar para presidente, governador, prefeito, três senadores, deputado federal, deputado estadual e vereador.
Para entrar em vigor, a PEC precisa do apoio
de pelo menos três quintos dos parlamentares, em votações em dois turnos nas
duas Casas. As novas regras teriam um período de transição até o alinhamento
dos calendários, previsto para 2039.
Eleições simultâneas
A concomitância de todas as eleições, avalia a
cientista política Lara Mesquita, professora da FGV EESP, é a mudança mais
danosa. Iria na contramão das principais democracias do mundo — que, assim como
o Brasil, intercalam eleições locais ou regionais com a nacional — e teria
consequências tanto para a tomada de decisão do eleitor como para a logística
do dia da votação.
— Haveria uma sobreposição de temas nacionais
e locais, e me parece que o debate local ficaria prejudicado. É um modelo que
produziria incentivos para que o eleitor prestasse menos atenção nas questões
locais, assim como no Legislativo — diz.
Nas eleições municipais, a despeito de alguns
candidatos a prefeito buscarem se associar a figuras do cenário nacional, é
comum que os temas do dia a dia da cidade se sobressaiam. Casada com a eleição
de presidente e governador, a disputa poderia ficar contaminada.
Há também, aponta Mesquita, impacto na
logística da eleição.
— O eleitor votaria nove vezes, o que criaria
um desafio relacionado ao tempo dele na urna, às filas que causaria. Ou
aceitaríamos que o processo seria mais demorado, cansativo, o que por si só
pode ter um efeito na vontade do eleitor em ir votar, ou teríamos que botar
mais dinheiro na operação toda — afirma. — E a distribuição da propaganda
eleitoral, como fica? E a distribuição de dinheiro de campanha?
Na CCJ, o relator Marcelo Castro evocou o
oposto para defender a PEC: a suposta redução dos recursos públicos empregados
no financiamento de campanhas.
Crítico à ideia da concomitância, o PT ainda
não formou posição, mas o líder do partido na Câmara, Lindbergh Farias (RJ),
endossa a tese de que o debate municipal ficaria prejudicado:
— Unificar as eleições significa nacionalizar
tudo. Vamos debater menos os problemas das cidades.
Os temas nacionais, classifica o cientista
político Rafael Cortez, são “transversais” e, portanto, têm mais repercussão.
— Além disso, exige uma grande simetria de
informação do eleitor para fazer um voto que não seja meramente uma
formalidade. Demanda muito do eleitor — afirma o sócio da Tendências
Consultoria e professor do IDP.
Fim da reeleição
Introduzida na Constituição em 1997, durante o
governo FH, a reeleição permitiu que o próprio tucano fosse reconduzido no ano
seguinte. Vinte e três anos depois, Fernando Henrique Cardoso afirmou que,
embora a medida tenha trazido estabilidade em um primeiro momento, ele passou a
considerá-la um erro.
Entre os senadores, a ideia de acabar com a
reeleição parece consolidada. Segundo Carlos Portinho (PL-RJ), que ajudou a
costurar o acordo para a aprovação do texto na CCJ, “a alternância de poder é
fundamental para o fortalecimento da democracia”.
O projeto, contudo, parece não se preocupar de
fato com a alternância de poder e a renovação de quadros, avalia Lara Mesquita.
Afinal, um mesmo político poderia voltar à Presidência depois: o texto não
prevê um limite de mandatos, e sim o fim da recondução.
— A discussão sobre reeleição é sempre
circunstancial, como foi a própria criação da medida. Não está pautada por um
bom diagnóstico. Se estou ganhando eleições, defendo a reeleição; se estou
perdendo, quero o fim.
Tanto ela quanto Rafael Cortez dizem que não
há evidências empíricas de que reeleição produz governos piores. O sócio da
Tendências frisa, inclusive, que a literatura sobre o assunto trabalha muito
com a ideia de accountability, ou seja, a prestação de contas do político com o
eleitor a cada processo eleitoral.
— Políticos são racionais, querem ganhar
eleições e produzem políticas públicas para prestar contas ao eleitor. Eleições
são o espaço para o eleitor punir ou aprovar o governante. A PEC expõe uma
leitura diferente, a tese de que reeleição reforça o voluntarismo e o populismo
— analisa. — E imagina que o presidente não teria incentivo para adotar medidas
“eleitoreiras” só porque não disputa reeleição. Ignora que pertencem a partidos
e querem beneficiá-los.
Se, no Senado, a proposta encontra apoio, na
Câmara o ambiente é mais incerto. O presidente da Casa, Hugo Motta
(Republicanos-PB), ainda não se manifestou. Líder do PL, o deputado Sóstenes
Cavalcante (RJ) disse ser a favor do fim da reeleição, mas ainda não reuniu a
bancada. O PT do presidente Lula, por sua vez, costuma defender a reeleição.
Das últimas seis disputas presidenciais, o partido só perdeu a de 2018.
Mandatos de cinco anos
Para compensar o fim da reeleição, o texto
aumenta os mandatos. Mas, no caso dos senadores, o que ocorre é uma redução em
três anos. Isso também impactaria na forma de eleger os representantes daquela
Casa, com os três senadores de cada estado escolhidos de uma vez.
O modelo, avalia Rafael Cortez, além de criar
uma distância maior entre cada prestação de contas da classe política com o
eleitorado, pode causar consequências mais duradouras para “ondas” eleitorais.
Hoje, com a renovação do Senado alternada, em vez de ser feita toda de uma vez,
a Casa fica menos suscetível a ser tomada por um mesmo movimento político de
modo súbito. A leitura também vale para os cargos municipais.
— Atualmente há uma distribuição de paixões,
evitando que leituras apaixonadas de curto prazo contaminem todo o cenário. O
Senado, que é a Casa da qual se espera maior moderação, a Casa revisora, de
ampliação de consensos, ficaria mais suscetível a ondas.
Veja como funcionam as regras e o tempo de
mandatos em outros países
Legislações variam entre o número de vezes em
que chefes de governo podem ser reconduzidos e o período em que escolhidos
permanecem no poder
A
PEC que dá fim à reeleição, em discussão no Senado, contrapõe
limites impostos para representantes que ocupam o poder nos Estados Unidos e em
países da Europa, América Latina e Ásia. O texto restringe a permanência do
presidente no cargo a um mandato, que passaria a ter duração de cinco anos para
funções tanto do Executivo quanto do Legislativo — o texto também estabelece
eleições unificadas.
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) nesta terça-feira, a proposta depende agora da análise do plenário da
Casa e, posteriormente, da Câmara. Caso seja aprovada, ela passará a ser
implementada a partir de 2028 em instâncias menores do poder. As restrições
propostas, no entanto, diferem, em parte, das regras estabelecidas em outras
nações. A legislação americana, por exemplo, permite que o presidente seja
eleito duas vezes e esteja à frente do país por oito anos, consecutivos ou não.
Depois desse período, ele não poderá disputar
uma terceira vez, mesmo que seja no futuro. A regra, prevista na 22ª emenda da
Constituição, tem sido questionada por aliados do atual presidente, Donald
Trump, que levantam a possibilidade de ele concorrer à reeleição na
próxima disputa eleitoral. Em campanha, a
loja virtual do republicano já vende bonés e adereços com o lema "Trump
2028".
Já no México, a reeleição para presidente e
governadores está proibida desde 1917, mas uma reforma constitucional em 2014
permitiu que deputados, senadores e representantes de instâncias inferiores
fossem reconduzidos ao cargo até duas vezes seguidas. A mudança chegou a ser
contestada em fevereiro deste ano pela presidente Claudia
Sheinbaum, que enviou ao Congresso propostas que dão fim à
possibilidade de que qualquer candidato que dispute o voto popular seja
reeleito.
Por outro lado, em países como a Argentina, as
regras eleitorais se assemelham à legislação brasileira vigente, que estabelece
um limite de dois mandatos consecutivos, de quatro anos cada, para presidente.
Uma determinação parecida é aplicada na França, com a diferença de que o tempo
de permanência pode ser estendido para cinco anos.
O sistema político francês, contudo,
estabelece que a divisão do poder também passe pelas mãos de um
primeiro-ministro, escolhido pelo Parlamento. O órgão é dividido entre a
Assembleia Nacional, cujos integrantes são eleitos a cada cinco anos, e o
Senado, onde representantes tiveram o mandato reduzido de nove para seis anos
em 2011. A diminuição do tempo de senadores no cargo também está prevista pelo
texto da PEC discutida no Brasil, que prevê redução de oito anos também para
cinco.
Regras seguidas em países com Parlamento
Em sistemas parlamentaristas, como o Reino
Unido e a Alemanha, não existem limites para os chefes de governo permanecerem
no cargo nem restrições à possibilidade de reeleição. O tempo para os
primeiros-ministros seguirem no poder depende, por sua vez, da capacidade dos
partidos representados por eles manterem a maioria em seus respectivos
parlamentos, nos quais as eleições podem acontecer a cada quatro anos, caso não
sejam antecipadas. A exceção a essa regra acontece na Câmara dos Lordes
britânica, onde integrantes podem herdar cargos vitalícios.
Um modelo de parlamentarismo parecido é
seguido no Japão, país em que o Legislativo é dividido entre as câmaras dos
Representantes e dos Conselheiros, que têm eleições a cada quatro e seis anos,
respectivamente. A escolha do primeiro-ministro também deve ser feita pela
maioria do Parlamento, mas deve ter o aval do imperador japonês.
Já na Itália, há a escolha indireta do
presidente para um mandato de sete anos ocorre por um colégio eleitoral formado
por deputados, senadores e delegados regionais. O chefe de governo pode, em
seguida, indicar o primeiro-ministro, que também depende do crivo do
parlamento.
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