quinta-feira, 8 de maio de 2025

Lula em Moscou: o lado errado da História - Ricardo Rangel*

O Globo

Lula, alvo de uma tentativa de golpe de Estado, vive elogiando e defendendo a democracia, mas suas ações contrariam suas palavras

Não é novidade que a democracia liberal está ameaçada. Nunca, desde a derrota do nazifascismo em 1945, a extrema direita esteve tão forte, e ela está por toda parte: Trump, Le Pen, Orbán, Bolsonaro etc. Recentemente, o segundo lugar nas eleições alemãs ficou com a extremista Alternativa para a Alemanha (AfD), e o vencedor teve dificuldade para formar um governo (na última vez em que um cenário parecido ocorreu, em 1930, ele abriu caminho à ascensão de Hitler).

A situação internacional tampouco é fácil. Há a ameaça do imperialismo militar russo, os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa e o fogo amigo. Trump rasga a Constituição como quem troca de roupa, defende extremistas estrangeiros, desorganiza o comércio internacional.

A celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial, nesta semana, é simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência. Lula poderia festejar em qualquer lugar — inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos.

Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazifascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)

De toda forma, se a justificativa para a presença de Lula na Rússia é a antiga aliança com a URSS, como fica a Ucrânia, também ex-república soviética? Qual a justificativa para prestigiar um antigo aliado e insultar o outro? Lula quis reduzir o papelão marcando, em cima da hora, uma visita a Volodymyr Zelensky — isso depois de esnobá-lo por quase dois anos. O presidente da Ucrânia mandou dizer que tem mais o que fazer, classificou a ida de Lula a Moscou como “ato hostil” e cogita reduzir o status diplomático na relação conosco.

A maior parte dos países europeus viveu anos sob ocupação e opressão nazistas, e metade se libertou de Hitler para cair sob a opressão soviética. Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas.

Hitler anexou a Áustria, intimidou as potências ocidentais para lhe darem um pedaço da Tchecoslováquia (depois tomou o país inteiro), invadiu a Polônia e jogou o mundo numa guerra devastadora. Putin anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e líderes como Trump e Lula dão a entender que ficará tudo bem se ele ficar com (só) mais um pedaço do país. Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer.

Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas. Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências.

Lula, alvo de uma tentativa de golpe de Estado, vive elogiando e defendendo a democracia, mas suas ações contrariam suas palavras. Karl Marx escreveu que o critério da verdade é a prática, e a prática de Lula mostra que sua defesa da democracia é da boca para fora. Só vale em benefício próprio.

*Ricardo Rangel é empresário

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