segunda-feira, 19 de maio de 2025

Lula, Putin e a mentira - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Stalin, ao aliar-se a Hitler, tinha, ademais, como objetivo aproveitar-se da situação da guerra, concretizando uma política anticapitalista e antidemocrática

Quanto mais o presidente Lula viaja, piores ficam a reputação internacional do Brasil e a sua própria imagem. A foto de Lula, na Rússia, com seus aliados autocratas e ditadores, apenas reforça seu pouco comprometimento com a democracia, além de ficar de fora do jogo geopolítico mundial, apesar de pretender o contrário. Alinhar-se com Putin, desprezando a Ucrânia, inclusive, nada dizendo a respeito de bombardeios de civis, alvejando mulheres, idosos e crianças, trai o humanitarismo que diz defender. Bolsonaro não foi reeleito por falar demais. Lula segue pelo mesmo caminho.

O evento comemorativo da vitória contra os nazistas, tão celebrado por Putin e outros líderes russos e comunistas no passado, segundo os quais a Rússia foi sempre um bastião da luta contra os nazistas, está baseado numa mentira histórica. Stalin, antes de guerrear contra Hitler, foi um caloroso parceiro e “amigo” dele. Chegaram a comungar das mesmas ideias. Um dos episódios mais marcantes do comunismo é o Pacto Ribbentrop-Molotov (1939-1941), em que posições ideológicas tomadas como inabaláveis, dogmáticas, são abandonadas em proveito de outros interesses geopolíticos. O comunismo contrai noivado com o nazismo e brindam à nova união. Foi tão traumática a reviravolta para os comunistas ocidentais que esse episódio foi, posteriormente, objeto de tentativas reiteradas de apagamento.

A partir da Segunda Guerra Mundial, a esquerda, naquele então capitaneada pelo Partido Comunista da União Soviética, empreendeu mais uma reviravolta, de deixar tonto qualquer mortal com uso do bom senso. Passou a vender a imagem de sua luta indefectível contra o nazismo. Contribuiu também para isso o fato de, após 1941, ter se aliado às democracias capitalistas no combate ao nazismo, de amigo tornado inimigo. Tinha sido, porém, um aliado. Feitos memoráveis da guerra, como a Batalha de Stalingrado, foram elevados à posição de símbolos de sua luta contra o Terceiro Reich, numa tentativa evidente de tergiversação histórica.

O pacto durou quase dois anos, mais precisamente 22 meses, o equivalente a um terço de todo o período de guerra. Começou com os representantes dos dois ditadores saudando a nova parceria que então se estabelecia, com uso ilimitado de vodca. Em 23 deagosto de 1939, Stalin chegou a fazer um brinde à saúde de Hitler, porém em 22 de junho de 1941 a parceria foi encerrada, não por iniciativa do ditador russo, mas pelo ataque traiçoeiro de Hitler. Stalin foi o amigo traído, tendo tido, inclusive, dificuldades de reconhecer que a invasão já pudesse ter começado.

Numa ode à perversão, uma de suas consequências no panorama mundial, geopolítico, foi ser a Polônia literalmente esquartejada por comunistas e nazistas, com seu território sendo ocupado e dividido entre os Estados agressores. Os Países Bálticos, por sua vez, foram entregues aos soviéticos, sem que esses tivessem de fazer sequer uma operação militar para conquistá-los. Foi a generosidade dos nazistas, muito bem acolhida pelos soviéticos. Stalin, por seu lado, entregou a Hitler os comunistas alemães que já não serviam aos seus interesses, numa operação conjunta entre a Gestapo e a NKVD. A solidariedade comunista foi por terra, irrigada a sangue.

Hitler pode, então, dedicarse à sua caça aos comunistas (social-democratas), aos judeus, homossexuais e, agora, aos poloneses, visto que esses eram “eslavos”, inferiores aos alemães. Deportações e assassinatos vieram a fazer parte desse esquartejamento. Data igualmente desse período o Massacre de Katyn, quando 22 mil oficiais do Exército e funcionários poloneses foram mortos pelos soviéticos. Hitler e Stalin, por comum acordo, estavam com as mãos livres.

Stalin, ao aliar-se a Hitler, tinha, ademais, como objetivo aproveitar-se da situação da guerra, concretizando uma política anticapitalista e antidemocrática. Seria, para ele, uma forma de precipitar o colapso do capitalismo que tardava, guardando assim ideologicamente as aparências, seriamente comprometidas. E escolheu como parceiro de jornada Hitler, cujo regime, então, nem sequer era considerado como “capitalista”. Seria o “amigo”, o parceiro, quase o camarada, na guerra contra o capitalismo. Nessa curiosa interpretação stalinista, a Alemanha tornar-se-ia a parceira não-capitalista no combate ao capitalismo. Stalin teria tomado a sério o nome mesmo do Partido Nazista: nacional-socialista. O ditador russo reconhecer-se-ia no termo nacional (ele foi um fervoroso defensor do nacionalismo) e no comunismo. Estavam unidos no mesmo combate contra as “democracias capitalistas”.

E agora, em nova mentira, na verdade uma perversão, Putin, em sua guerra contra a Ucrânia, declara estar levando a cabo a “desnazificação” daquele país. Como assim? Pretender anexar a Ucrânia mediante o emprego arbitrário da violência significa livrar aquele país dos “nazistas”? Estará ele pretendendo repetir a mesma mentira comunista com uma nova roupagem? São esses os amigos de Lula?

 

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