Alice Cravo / O Globo
Senador Plínio Valério disse que a ministra
não merecia respeito; antes, houve discussão com senador Omar Aziz, da base de
Lula
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
abandonou a Comissão de Infraestrutura do Senado
Federal nesta terça-feira após bate-boca com senadores e embates sobre
a pavimentação da BR-319, estrada que liga Porto Velho a Manaus.
Marina Silva deixou a sessão depois que o líder do PSDB, senador Plínio Valério (AM), afirmou querer separar a mulher da ministra porque a primeira merecia respeito, e a segunda não. A ministra disse que só continuaria na comissão se houvesse um pedido de desculpas. Plínio se recusou. Em março, disse ter vontade de enforcar a ministra.
— Ao olhar para a senhora, eu estou vendo uma
ministra, não estou vendo uma mulher. A mulher merece respeito. A ministra,
não. Por isso eu quero separar. — disse Valério, nesta terça.
Marina, então, se retirou da comissão
afirmando que não havia respeito por parte do parlamentar, já que havia sido
convidada como ministra.
— Eu fui convidada como ministra, então tem
de respeitar. Eu me retiro porque eu não fui convidada por ser mulher.
Ao sair da comissão, Marina citou o episódio
em que o senador Plínio afirmou em março que tinha vontade de enforcá-la. A
ministra citou ainda os embates sobre a nova Lei de Licenciamento Ambiental,
aprovada pelo Senado na última semana, e que não poderia ter tido outra atitude
que não fosse deixar a comissão.
— Ouvir um senador dizer que não me respeita
como ministra, eu não poderia ter outra atitude. Ele é uma pessoa que disse que
da outra vez que eu vim aqui como convidada foi muito difícil para ele ficar 6
horas e dez comigo sem me enforcar, e hoje veio de novo para me agredir…. Além
de pessoas que atribuem a mim responsabilidade que são deles. Dizer que a
demolição da legislação ambiental praticada pelo Senado, com relatório
aprovado, é responsabilidade minha é não querer honrar o voto que os elegeu.
Quem tem mandato de Senador e deputado vota pelas convicções que tem, não
porque alguém obrigou.
Ao sair da comissão, Marina entrou em uma
reunião com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para tratar
sobre o projeto de licença ambiental que agora será debatido pela Câmara.
Ela afirmou ter sido vítima de violência
política de gênero e que avalia medidas jurídicas contra o senador Plínio.
— Com certeza isso acontece com a gente
[mulheres] o tempo todo. Eu me senti agredida fazendo o meu trabalho. […] A
gente sempre tem de avaliar o que é nosso direito e não abrir mão do nosso
direito. A manifestação do senador, que disse que é muito difícil não me
enforcar, eu já estava avaliando a situação com os meus advogados. Ele agravou
a situação.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) foi um dos
poucos senadores a defender a ministra no microfone durante o bate-boca:
— O debate político pode ser caloroso com
divergência. Agora, manifestação de desrespeito é inaceitável. Quando alguém
começa um debate dizendo que respeita a mulher, mas não respeita a ministra,
isso não cabe em um debate institucional.
Após o encontro com Motta, Marina afirmou que
pediu ao presidente da Câmara que o projeto de licenciamento ambiental seja
analisado com calma e que setores sejam ouvidos ao longo da tramitação. O
parlamentar sinalizou que vai conhecer a matéria e realizar diálogos antes de
tomar uma decisão.
— Ontem entrei em contato com o presidente
Hugo Motta para pedir audiência a fim de que esse relatório aprovado no Senado,
que não foi debatido, para que tenha o tempo necessário de debate e
conhecimento dos diferentes setores da sociedade. Para que haja o tempo
necessário da democracia e transparência do que está sendo votado sobre o
licenciamento ambiental, que ha décadas conseguiu se firmar e infelizmente
agora está sendo amputado em relação a questões estratégicas, como a diminuição
do papel dos órgãos colegiados, como o Ibama.
Outras discussões
Anteriormente, na mesma sessão, a ministra e
o senador Marcos
Rogério (PL-RO), presidente da comissão, também haviam discutido.
Marina Silva afirmou ter se sentido ofendida
por falas do senador Omar Aziz (PSD-AM),
da base do governo Lula, e questionou a condução dos trabalhos feita por Marcos
Rogério. Ele ironizou:
— Essa é a educação da ministra, ela aponta o
dedo…
A ministra disse que Marcos Rogério gostaria
que ela "fosse uma mulher submissa".
— Eu tenho educação. O senhor gostaria que eu
fosse uma mulher submissa. Eu não sou.
Rogério, então, rebateu:
— Me respeite, ministra. Se ponha no teu
lugar — respondeu Rogério.
Discussão sobre BR
Durante a discussão anterior, Aziz acusou a
ministra de “atrapalhar o desenvolvimento do país” por questões ambientais.
Marina, por sua vez, afirmou que defende o desenvolvimento econômico com
sustentabilidade e que explorações ambientais ilegais e suas consequências são
“concretas”.
O senador citou mais de 5 mil obras que
estariam paradas por entraves ambientais. A mais comentada foi a BR-319, que
liga Manaus a Porto Velho e enfrenta um impasse com ambientalistas. Por um
lado, asfaltar a rodovia — o que já foi prometido pelo presidente Lula — pode
facilitar a integração da região e questões econômicas. Por outro, pode
facilitar o desmatamento e ameaçar a biodiversidade da região.
— A senhora atrapalha o desenvolvimento do
país. Lhe digo isso com a maior naturalidade do mundo. A senhora está
atrapalhando o desenvolvimento do nosso país. Tem mais de 5 mil obras paradas
por causa dessa conversinha ‘governança’, nhe nhe nhe.
Marina, por sua vez, defendeu a realização de
estudos de impacto ambiental e afirmou que há picos de atividade ilegal na
região quando o tema da BR-319 volta a ser discutido.
— Desde o processo em que vem se discutindo o
anúncio da estrada, quando se fala da estrada a primeira coisa que tem é uma
corrida de grilarem. Por isso o que se propõe desde lá é a avaliação ambiental
estratégica. Qual é o problema de fazer? De ter governança? Estamos propondo
desde sempre, por que não faz? Agora o ministro Renan [dos Transportes] está
trabalhando para fazer, porque é isso que dá segurança aos empreendimentos (…)
Não é questão ideológica. Desmatamento, exploração ilegal de madeira, garimpo
ilegal é objetivo.
Marina também afirmou que o tema é complexo e
por isso não teve solução ao longo dos 15 anos em que ficou fora do governo.
— Temos visões que podem ser diferentes, mas
gostei de uma equação que Vossa Excelência coloca: que não é conversa fiada,
mas coisa concreta (…) Uma coisa é concreta, concretíssima. O debate da 319
virou um debate em cima de "bode expiatório", que chama Marina Silva.
É concreto que saí do governo em 2008. Até 2023, são 15 anos. Por que as
pessoas tão dadas a coisas concretas não fizeram a BR?
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já
sinalizou apoio à recuperação, incluindo trechos mais críticos, mas com
condicionamento ambiental. Uma das propostas é avançar com as obras em trechos
já liberados por licenciamento, enquanto Ibama e o Ministério do Meio Ambiente
analisam o impacto do asfaltamento completo.
Falta de apoio no governo
Marina foi ao Senado após a aprovação do
projeto que muda normas de licenciamento ambiental. Dois terços dos 54 votos a
favor da flexibilização (houve 13 contrários) vieram da base.
A ministra já sinalizou que vai pedir que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete trechos do projeto, caso seja
aprovado na Câmara, acrescentando que a mobilização popular poderia reverter as
mudanças.
Entre as mudanças mais criticadas por
ambientalistas, pela ministra e por sua equipe está a substituição do
licenciamento em três etapas por uma só. O projeto também permite que
comunidades tradicionais, como indígenas ou quilombolas, que sejam afetadas por
empreendimentos sejam ouvidas no processo apenas no caso de estarem em
territórios já homologados.
Além disso, a proposta isenta atividades de
licenciamento ao prever que empreendimentos de pequeno e médio porte e
potencial poluidor poderão ter uma Licença por Adesão e Compromisso, automática
e autodeclaratória.
Embora o PT tivesse orientado contra o projeto, o fato de o governo não ter trabalhado para obstruir as sessões em que a proposta avançou e no corpo a corpo com senadores foi visto como um aceno à pauta no Congresso. Outro sinal foi uma emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que autoriza licenciamentos especiais para obras consideradas estratégicas pelo Conselho de Governo do presidente.
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