O Globo
Balão de ensaio presta desserviço à
necessária participação maior de mulheres na política ao atrelar possíveis
candidaturas a sobrenomes
Aliados de Lula e Jair Bolsonaro passaram a
ventilar nos últimos dias os nomes das respectivas primeiras-damas, Janja e
Michelle, como potenciais candidatas à Presidência no caso de inviabilidade,
por diferentes razões, das candidaturas dos dois políticos. Trata-se daqueles
jabutis da política: notícias que, assim como os quelônios, não têm capacidade
de subir em árvores sozinhas e, se lá estão, é porque alguém colocou.
A especulação de que Michelle Bolsonaro poderia substituir o marido, que já está inelegível e pode vir a ser condenado no processo em que é réu por tentativa de golpe de Estado, é mais antiga e já viveu várias fases. No começo, Jair se irritava com a ideia, até proibia o PL de colocar a ex-primeira-dama em pesquisas internas para testar os potenciais sucessores ao seu lugar. Agora, o mesmo capitão passou a dar corda ao nome de Michelle, bem como ao dos filhos.
Tanto a recusa quanto o incentivo denotam o
machismo enraizado do ex-presidente: primeiro, ao não admitir sombras à própria
liderança; depois, quando o revés parece mais difícil de superar, deixando
claro que só alguém completamente submisso a seus desígnios poderá contar com
seu apoio.
A especulação sobre a possibilidade de Janja
Lula da Silva vir a disputar a Presidência é mais recente e mais desprovida de
propósito ainda. Isso porque Lula não só está apto a disputar novo mandato, mas
porque, caso a ideia estapafúrdia avançasse, precisaria renunciar ao mandato
seis meses antes, tisnando a conquista histórica e inédita de ter sido o
primeiro presidente eleito três vezes pelo voto direto, e depois de enfrentar a
adversidade de ter sido preso.
O mais surpreendente é que sejam aliados do
presidente a alimentar a imprensa com esse balão de ensaio e até a encomendar
pesquisas (!) para testar a popularidade de Janja. Tais movimentos só jogam
água no moinho da oposição, que faz bullying com Janja desde o primeiro dia e
tem investido na tentativa de demonstrar a “bidenização” de Lula. Quem precisa
de inimigos se os aliados mesmo se encarregam de fornecer munição farta para o
bombardeio?
A especulação de um cenário Janja x Michelle
é um desserviço tremendo à discussão séria sobre o necessário aumento da
presença feminina na política, disputando espaços de poder como a Presidência
da República. Há várias políticas, de diferentes regiões, de praticamente todos
os partidos políticos, da esquerda à direita, com diferentes trajetórias de
militância e experiência executiva ou parlamentar, que poderiam ser cogitadas,
preparadas e apoiadas de maneira séria e respeitosa para pleitear esse e outros
postos.
Que só se imagine que quem tem os sobrenomes
Lula da Silva ou Bolsonaro possa se credenciar para tanto é dobrar a aposta no
personalismo caudilhista que marca a política brasileira historicamente e que,
na atual quadra, se cristalizou na polarização entre os dois “maridos” em
questão.
Que Bolsonaro, que nunca teve nenhum apreço
pelas mulheres (pelo contrário), sempre pautou a vida política pelo próprio
umbigo e colocou toda a família para criar nome e patrimônio à custa de
mandatos invista nessa ideia é compreensível. No caso de Janja, cabe ao
presidente Lula usar a autoridade que tem para instar seus aliados (fãs ou
haters?) a parar de brincar com coisa séria num momento em que as crises reais
já dão trabalho suficiente.
A sucessão do lulopetismo passa por investir
naquelas e naqueles que podem indicar um caminho para a centro-esquerda que
faça as pazes com o eleitorado e amplie esse espectro. Não por repetir o
mandonismo patriarcal odioso da extrema direita com sinal trocado. Isso nada
tem de progressista ou feminista, é só uma caricatura barata.
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