O Estado de S. Paulo
O problema do País não é mais construir e reconstruir regras e legislações fiscais, primordialmente, mas cumpri-las
Hoje o governo apresentará o primeiro
Relatório de Acompanhamento das Receitas e Despesas Primárias, mais conhecido
como relatório bimestral. A expectativa é de que o governo corte volume
relevante das despesas previstas para o ano, de modo a apontar maior firmeza em
relação ao cumprimento da meta fiscal de 2025.
Contudo, estabilizar a dívida pública requererá muito mais. A piora do resultado fiscal, em 2023, representou uma perda enorme de tempo. Para ter claro, o déficit primário, ao final de 2024, depois de todo o esforço empreendido pela Fazenda, voltou ao mesmo nível de 2022. Vale dizer, dois anos torrados para continuar no mesmo lugar. Para que a dívida pública pare de crescer em relação ao PIB, o esforço de contenção de despesas terá de ser muito mais significativo nos próximos anos.
O déficit nominal, que inclui todos os gastos
e receitas, inclusive do rol financeiro, em que constam os juros da dívida,
está em R$ 948,5 bilhões no acumulado em 12 meses até março de 2025. Em
porcentual do PIB, 7,9%. Trata-se de um resultado preocupante, alimentado por
gastos com juros elevados, de R$ 935 bilhões, e por um déficit primário do
setor público de R$ 13,5 bilhões, que crescerá até o final do ano, dado que,
nestes meses iniciais, a despesa do governo central esteve represada pelas
regras de execução limitada do Orçamento, enquanto a peça ainda tramitava no
Congresso.
A dívida pública bruta está em 75,9% do PIB e
a trajetória do indicador, tomando-se um prazo mais longo, tem sido de alta
desde 2014. Naquele momento, tínhamos abandonado as metas de resultado
primário, após longos sete anos de contabilidade criativa e desmonte do regime
de responsabilidade fiscal criado no governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso e mantido pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A visão do governo da época e de seu ministro
da Fazenda era muito simples: a dívida já havia melhorado bastante e não
haveria mais necessidade de superávits primários tão robustos, que chegaram à
casa dos 4% do PIB. O resultado é conhecido: entramos numa fase inicial, de
2008 a 2011, em que as receitas sustentaram a nova empreitada expansionista,
mas a crise chegou.
De 2012 a 2015, a forte desaceleração das
receitas públicas conduziu o País à geração de déficits que, salvo pelo pontual
resultado de 2022, persistem até hoje. Em 2015, pressionada pelo ambiente
econômico extremamente negativo, perspectivas de recessão (que se confirmou) e
desconfiança, a presidente Dilma Rousseff promoveu medidas de ajuste,
escolhendo Joaquim Levy para a Fazenda. Essa concessão durou apenas um ano.
O teto de gastos surgiu como uma resposta ao
quadro de grave desajuste das contas públicas, já sob o presidente Michel
Temer. Teve relativo sucesso para promover uma redução dos juros reais e do
custo médio da dívida, mas pecou pelo excesso de rigidez.
Esse pecado mortal custou caro, porque a
regra precisou ser alterada ao menos quatro vezes no governo do presidente Jair
Bolsonaro.
O novo arcabouço fiscal, já com o ministro
Fernando Haddad, representou, assim, um avanço. Pode ser melhorado e ajustado,
mas contém a flexibilidade necessária. O problema do País não é mais construir
e reconstruir regras e legislações fiscais, primordialmente, mas cumpri-las. De
que adianta ser pródigo em produzir legislações e normas para as contas
públicas, mas na hora do vamos ver modificá-las em benefício do governo de
plantão?
Para reequilibrar a dívida/PIB, em dois anos,
digamos, será preciso produzir um superávit primário de ao menos 2,5% do PIB. O
anúncio de um plano crível nessa direção produziria efeitos imediatos sobre a
curva de juros, ou seja, sobre o custo da dívida para diferentes prazos,
levando a uma redução das despesas financeiras estratosféricas que mencionei
acima.
A tarefa de retomar as condições de
sustentabilidade fiscal passa por rever as vinculações e indexações do
Orçamento. É preciso, também, restaurar a normalidade e a civilidade no
processo das emendas parlamentares, que alcançaram o irresponsável patamar de
mais de R$ 50 bilhões ao ano.
O Orçamento está no piloto automático,
pautado por reajustes concedidos sem o devido debate democrático e sem a
necessária responsabilidade com o dinheiro público. A Previdência Social já
bate à porta novamente. O déficit público primário é, em grande medida,
explicado pelo buraco de 2,5% do PIB do Regime Geral de Previdência Social.
Isso sem contar o problema das aposentadorias dos militares, que respondem por
um rombo de ao menos R$ 50 bilhões. Os gastos tributários, por sua vez,
chegaram a uma cifra de quase R$ 550 bilhões, só no nível federal, de modo que
uma revisão ampla se impõe.
A premissa por trás desse raciocínio? A
retomada do crescimento econômico, não no atual ritmo de espasmos, só ocorrerá
na presença de uma dívida pública estável e em nível mais baixo. Assim, haverá
lugar para juros menores, aumento do investimento privado e desenvolvimento
para todos. Eis a agenda para 2027.
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