Folha de S. Paulo
Bagunça e tretas escondem o fato de que o
gasto cresceu e que IOF é droga ruim
A revisão bimestral das contas do governo foi
uma bagunça. Fez a alegria de quem trata desse assunto chato e enrolado sem se
ocupar de substância e efeitos econômicos, deitando e rolando na treta e na
fofoca, em "bastidores".
Sim, quem não gosta de Fernando
Haddad no governo —um monte de gente— aproveitou a ocasião para fritar
ainda mais o ministro. Sim, política
de corredor de palácio tem certa relevância, mas a maior parte é espuma e
não depende de fofoca, mas de problemas reais. O problema de fundo é que Luiz
Inácio Lula da Silva não comprou nem o plano moderado de Haddad de fazer
funilaria e pintura nas contas do governo, que precisam de troca de motor e de
freio.
Além da fofoca e da rendição no IOF sobre fundos que aplicam no exterior, quase se esqueceu do seguinte e essencial:
1. Diz-se que o governo anunciou contenção de
gastos "maior do que a esperada pelo mercado" (o que em si já era
meio bobagem) e "estragou tudo" com vexames no IOF. A questão é que
essa contenção "maior do que a esperada" de R$ 31 bilhões virou pó ao
se saber que o governo precisaria de mais uns R$ 20 bilhões, o que fez aumentando
imposto por decreto (o IOF)
2. Mesmo que venha a conter R$ 31 bilhões, o
gasto do governo aumenta, por ora. A situação piorou, marginalmente
3. A diferença entre o déficit previsto pelo
Orçamento aprovado em março e o anunciado na quinta, na revisão bimestral, é de
mais de R$ 66 bilhões. Como se previa, despesas estavam subestimadas
(Previdência e benefícios sociais outros) e receitas superestimadas. Sem o IOF
extra, é provável que o governo não cumprisse nem a meta relaxada do
"arcabouço fiscal"
4. Depois da mudança no decreto do IOF, a
receita extra estimada é de R$ 39 bilhões por ano
5. Parte gorda desse aumento de imposto joga
areia no crédito para empresas e entre empresas, o que encarece e/ou reduz a
produção. Segundo chutes informados, o impacto geral equivaleria a aumento
adicional de 0,25 ponto percentual na Selic (ora em 14,75% ao ano). É um tico
de arrocho adicional, mas não se faz política monetária com política
tributária, bobice que circula por aí, inclusive no governo
6. Mais rolo: o governo passa a tributar certas
antecipações de recebíveis que não eram tidas como operações de crédito (são
crédito, grosso modo, mas assim não eram consideradas pelo arranjo legal e por
conveniências econômicas). Além de travar ou encarecer muito certas operações
entre varejo e seus fornecedores, pode haver judicialização
7. Mais rolo: bancos reclamam de que o crédito
vai levar mais imposto, mas que financiamentos quase equivalentes no mercado de
capitais, não
8. Apenas com dois ou três exemplos, se nota
mais incerteza e risco jurídico. Regras mutantes e dúvidas sobre a apropriação
de ganhos são veneno econômico
9. IOF é droga a ser usada com cuidado e
moderação, nunca para arrecadação. Causa muita distorção, ineficiência. O
governo recorreu a IOF extra porque pode decretá-lo, porque não consegue
mais imposto nenhum no Congresso. Está no desespero; talvez relaxe um pouco se
vierem receitas extras com petróleo, embora isso seja também remendo e Deus nos
acuda
10. Sem esse IOF, não há nem como manter o
paciente em estado estável, embora crítico. Isto é, manter as contas no limite
do "arcabouço fiscal", insuficiente para evitar o crescimento ora sem
limite da dívida pública.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.