Valor Econômico
Presidente carregava um exemplar de “O Animal social”, de Elliot Aronson
Seis dias antes do fatídico jantar em que
ocorreu o constrangimento diplomático com a China provocado pela intervenção
não programada da primeira-dama Rosângela da Silva em uma conversa sobre
regulação das redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou
na base aérea de Moscou para participar das homenagens aos 80 anos da vitória
contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Tudo seguiu como previsto pelos
zelosos cerimonialistas dos dois países. Contudo, um detalhe se sobressaiu nas
imagens divulgadas pelo Planalto.
Aberta a porta do avião, Lula desceu calmamente os cerca de 20 degraus da escada. Um tapete vermelho decorava a estrutura. Após breves honras militares, ao presidente foi exibida uma brochura comemorativa em alusão ao fim do conflito. Sorrisos. Os fotógrafos oficiais registraram, então, o objeto que Lula carregava consigo: um exemplar do livro “O animal social”, de autoria do psicólogo social Elliot Aronson, que nessa edição contou com a parceria de seu filho, Joshua, para desbravar fenômenos como a ascensão de bolhas de informação e o comportamento polarizado dos Estados Unidos.
O texto se debruça sobre dados e estudos
científicos para tentar compreender, por exemplo, como uma pessoa é capaz de
influenciar outra ou por que algumas situações podem levar uma proporção
surpreendentemente grande de adultos “normais” a se comportar de maneira
inesperada, pouco palatável e, às vezes, “anormal”.
Para os autores, os tempos atuais não são
apenas de comunicação em massa, mas também de “persuasão em massa”. Isso vale
tanto para vendas como para política.
Nesse contexto, o livro mostra que candidatos
que investem em exposição principalmente no início das campanhas podem ganhar
mais votos, pois definem uma posição contra os oponentes e estabelecem “a
narrativa da campanha”. Cita o poder do medo e da emoção em disputas
eleitorais, como no caso em que um candidato ganhou a pecha de leniente por
causa de um indulto concedido a um condenado que depois praticou um crime
brutal. E constata que na maioria das eleições americanas os candidatos de
maior sucesso são aqueles que focalizam emoções fortes: medo do crime, críticas
à ideia do casamento homoafetivo ou de banheiros unissex, raiva diante da
injeção de capital governamental para bancos falidos, medo de mudanças
climáticas ou irritação com imigrantes que supostamente roubam empregos de
trabalhadores locais.
As redes sociais e “fake news” também são
objeto de análise. Em primeiro lugar, por conta do risco de se informar após um
processo de filtragem que oferece ao usuário aquilo em que ele já acredita,
tanto por conta do algoritmo como pelo filtro social proporcionado pelo
material que membros da rede desse leitor já curtiram. Com esse “filtro-bolha”
invisível, destacam os autores, os usuários pensam que estão vendo a realidade
em vez de sua versão meticulosamente selecionada.
Já as “fake news” são um fato perturbador
sobre a persuasão moderna, apontam, em razão de suas múltiplas e desconhecidas
fontes. São de fácil apresentação e compartilhamento.
Somam-se a elas estratégias de persuasão que
podem implodir propostas inicialmente bem-intencionadas. Um exemplo citado pode
ter impactado o leitor em tempos de discussão da reforma tributária. Isso
porque um consultor político conseguiu mudar a opinião pública a respeito da
cobrança de imposto sobre heranças, ao chamar um “imposto imobiliário” de
“imposto da morte”. Dessa forma, evocou a imagem de uma penalização injusta
causada por morrer.
Em outra passagem, o livro debate a eficácia
de discursos emocionais e racionais, assim como a eficiência de instrumentos
persuasivos voltados a influenciar eleitores a partir de sua identidade
nacional ou local. Pessoas com autoestima baixa têm maior probabilidade de
serem convencidas, acrescentam.
Menciona-se, também, a teoria de que, para
sobreviver, toda sociedade se sairia melhor com a interação de cidadãos
liberais e conservadores. No entanto, esses grupos passaram a discutir de forma
tão emocional que os debates deixaram de ser sobre temas específicos e se
transformaram em embates sobre premissas e valores. Como consequência,
diferentemente de um passado recente em que os dois principais partidos estavam
dispostos a encontrar meios-termos para a aprovação de leis, os EUA passaram a
viver em um cenário onde liberais e conservadores raramente conseguem se
escutar. E muito menos têm sucesso tentando mudar a mentalidade um do outro.
Há ainda um trecho segundo o qual o risco de
uma “campanha vulgar”, como a presidencial dos EUA de 2016, é acabar
demonizando ambos os dois principais candidatos, “a ponto de muitos eleitores
ficarem menos motivados pelo amor a seu próprio candidato do que pelo ódio,
medo ou aversão ao monstruoso oponente dele”.
Após as revelações do portal g1, comentários
sobre os bastidores da viagem tornaram-se tabu no Palácio do Planalto.
Permanece um mistério se alguém recomendou o livro para Lula ou se o texto
acabou tendo alguma influência sobre o estado de espírito da comitiva quando
ela chegou à China. Mas, não se pode negar que seu conteúdo atraiu a atenção do
presidente.
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