quarta-feira, 21 de maio de 2025

O livro que Lula levou para a viagem a Rússia e China - Fernando Exman

Valor Econômico

Presidente carregava um exemplar de “O Animal social”, de Elliot Aronson

Seis dias antes do fatídico jantar em que ocorreu o constrangimento diplomático com a China provocado pela intervenção não programada da primeira-dama Rosângela da Silva em uma conversa sobre regulação das redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou na base aérea de Moscou para participar das homenagens aos 80 anos da vitória contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Tudo seguiu como previsto pelos zelosos cerimonialistas dos dois países. Contudo, um detalhe se sobressaiu nas imagens divulgadas pelo Planalto.

Aberta a porta do avião, Lula desceu calmamente os cerca de 20 degraus da escada. Um tapete vermelho decorava a estrutura. Após breves honras militares, ao presidente foi exibida uma brochura comemorativa em alusão ao fim do conflito. Sorrisos. Os fotógrafos oficiais registraram, então, o objeto que Lula carregava consigo: um exemplar do livro “O animal social”, de autoria do psicólogo social Elliot Aronson, que nessa edição contou com a parceria de seu filho, Joshua, para desbravar fenômenos como a ascensão de bolhas de informação e o comportamento polarizado dos Estados Unidos.

O texto se debruça sobre dados e estudos científicos para tentar compreender, por exemplo, como uma pessoa é capaz de influenciar outra ou por que algumas situações podem levar uma proporção surpreendentemente grande de adultos “normais” a se comportar de maneira inesperada, pouco palatável e, às vezes, “anormal”.

Para os autores, os tempos atuais não são apenas de comunicação em massa, mas também de “persuasão em massa”. Isso vale tanto para vendas como para política.

Nesse contexto, o livro mostra que candidatos que investem em exposição principalmente no início das campanhas podem ganhar mais votos, pois definem uma posição contra os oponentes e estabelecem “a narrativa da campanha”. Cita o poder do medo e da emoção em disputas eleitorais, como no caso em que um candidato ganhou a pecha de leniente por causa de um indulto concedido a um condenado que depois praticou um crime brutal. E constata que na maioria das eleições americanas os candidatos de maior sucesso são aqueles que focalizam emoções fortes: medo do crime, críticas à ideia do casamento homoafetivo ou de banheiros unissex, raiva diante da injeção de capital governamental para bancos falidos, medo de mudanças climáticas ou irritação com imigrantes que supostamente roubam empregos de trabalhadores locais.

As redes sociais e “fake news” também são objeto de análise. Em primeiro lugar, por conta do risco de se informar após um processo de filtragem que oferece ao usuário aquilo em que ele já acredita, tanto por conta do algoritmo como pelo filtro social proporcionado pelo material que membros da rede desse leitor já curtiram. Com esse “filtro-bolha” invisível, destacam os autores, os usuários pensam que estão vendo a realidade em vez de sua versão meticulosamente selecionada.

Já as “fake news” são um fato perturbador sobre a persuasão moderna, apontam, em razão de suas múltiplas e desconhecidas fontes. São de fácil apresentação e compartilhamento.

Somam-se a elas estratégias de persuasão que podem implodir propostas inicialmente bem-intencionadas. Um exemplo citado pode ter impactado o leitor em tempos de discussão da reforma tributária. Isso porque um consultor político conseguiu mudar a opinião pública a respeito da cobrança de imposto sobre heranças, ao chamar um “imposto imobiliário” de “imposto da morte”. Dessa forma, evocou a imagem de uma penalização injusta causada por morrer.

Em outra passagem, o livro debate a eficácia de discursos emocionais e racionais, assim como a eficiência de instrumentos persuasivos voltados a influenciar eleitores a partir de sua identidade nacional ou local. Pessoas com autoestima baixa têm maior probabilidade de serem convencidas, acrescentam.

Menciona-se, também, a teoria de que, para sobreviver, toda sociedade se sairia melhor com a interação de cidadãos liberais e conservadores. No entanto, esses grupos passaram a discutir de forma tão emocional que os debates deixaram de ser sobre temas específicos e se transformaram em embates sobre premissas e valores. Como consequência, diferentemente de um passado recente em que os dois principais partidos estavam dispostos a encontrar meios-termos para a aprovação de leis, os EUA passaram a viver em um cenário onde liberais e conservadores raramente conseguem se escutar. E muito menos têm sucesso tentando mudar a mentalidade um do outro.

Há ainda um trecho segundo o qual o risco de uma “campanha vulgar”, como a presidencial dos EUA de 2016, é acabar demonizando ambos os dois principais candidatos, “a ponto de muitos eleitores ficarem menos motivados pelo amor a seu próprio candidato do que pelo ódio, medo ou aversão ao monstruoso oponente dele”.

Após as revelações do portal g1, comentários sobre os bastidores da viagem tornaram-se tabu no Palácio do Planalto. Permanece um mistério se alguém recomendou o livro para Lula ou se o texto acabou tendo alguma influência sobre o estado de espírito da comitiva quando ela chegou à China. Mas, não se pode negar que seu conteúdo atraiu a atenção do presidente.

 

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