Folha de S. Paulo
A diplomacia presidencial bem-feita fortalece
a ação externa de um país
Imagine se, em 2022, o presidente
chileno Gabriel Boric tivesse
vindo ao Brasil para participar dos festejos do 7 de Setembro, organizados por
Jair Bolsonaro com o propósito de mobilizar seus apoiadores contra a democracia
e as instituições que a garantem. O visitante poderia argumentar que sua
presença se justificaria pelos valiosos acordos de cooperação entre os dois
países, a serem firmados na visita.
Ocorre que, eleito por uma coalizão da esquerda democrática, lhe seria para lá de difícil explicar o que fazia no meio da extrema direita disposta a degradar as costumeiras comemorações da data nacional brasileira em um pré-carnaval golpista.
O presidente Boric não veio ao Brasil naquele
7 de Setembro, mas o presidente Lula foi a
Moscou prestigiar a encenação de que o autocrata Vladimir
Putin se serviu para perverter a comemoração da histórica derrota da
Alemanha nazista pelos aliados, em 1945 —para a qual a União Soviética
contribuiu com 27 milhões de mortos, entre civis e militares—, em exibição de
seu vasto poder e legitimação de suas pretensões expansionistas sobre a Ucrânia.
A diplomacia presidencial, quando bem-feita,
fortalece a ação externa de um país, agregando-lhe o peso da autoridade e o
prestígio que a figura do primeiro mandatário suscita. Funciona como lente de
aumento da atuação, por definição, mais discreta e continuada dos diplomatas
profissionais, tão mais eficaz quanto mais capaz de demonstrar coerência de
objetivos e escolha adequada dos meios para alcançá-los.
Por uma combinação de escolha e necessidade,
a política externa brasileira tradicionalmente apostou em soluções pacíficas
para conflitos internacionais e na ação concertada em organizações e arranjos
multilaterais. À opção pelo multilateralismo somou-se uma orientação
universalista na busca de parceiros para o comércio e para outras formas de
cooperação. O país sempre esteve disposto a transacionar com todo o mundo e a
se relacionar com todas as nações, fossem quais fossem seus regimes.
Com a Constituição de 1988, a defesa da
democracia e o respeito aos direitos humanos vieram lustrar os princípios
norteadores da atuação externa do país. Não por acaso, menos ainda por
capricho, mas pela presumível convicção de que o regime de liberdades estaria
mais bem garantido dentro de nossas fronteiras se também predominasse além
delas.
De toda forma, ao longo destas quase quatro
décadas, o exercício da política externa brasileira ancorada no universalismo e
no respeito à soberania alheia nem sempre esteve sintonizada com o compromisso
democrático. Talvez sirva de consolo o fato de que essa tensão real marca não
apenas a ação exterior brasileira mas a de outras nações ocidentais.
As relações com regimes ditatoriais —como os
da Rússia,
Venezuela e China, entre tantos outros menos relevantes para nós—, assim como
com países que perigam enveredar pelo mesmo caminho, como os EUA de Trump,
colocam íngremes desafios para o país. Requerem pragmatismo, sutileza e muita
nitidez quanto ao que se quer alcançar. Dispensam uma diplomacia presidencial
desorientada e constrangedoramente servil aos autocratas de todos os idiomas.
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