segunda-feira, 12 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Queda da miséria e da desigualdade precisa ser contínua

O Globo

Sem equilibrar contas públicas, governo petista corre risco de outro retrocesso nas conquistas sociais

Nos últimos dois anos, cerca de 6 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema. Pelas estatísticas oficiais, os miseráveis eram 8,3% da população em 2023 e passaram a ser 6,8% em 2024. Em todo o país, um contingente equivalente à população do Rio ultrapassou a linha de R$ 333 mensais de rendimento domiciliar per capita. Principalmente para os mais pobres entre os pobres, ter mais dinheiro no bolso é transformador. Abre a possibilidade de acesso a mais comida, moradia melhor, uma vida mais digna. Outra boa notícia divulgada pelo IBGE na semana passada diz respeito à desigualdade de renda. O índice mais usado para medi-la, o Gini, caiu em 2024 para o nível mais baixo registrado desde 2012. Fora da África, o Brasil é o segundo país mais desigual, em situação melhor apenas que a Colômbia. O lugar nesse vergonhoso ranking segue inalterado, mas a queda abre uma oportunidade única.

A disparidade de renda pode ser comparada ao colesterol. Existe a variante boa e a ruim. Quando está num nível razoável, a desigualdade tende a impulsionar todos a se dedicar aos estudos, a trabalhar com afinco ou a lançar o próprio negócio para subir na vida — e o país todo ganha. Quando ela cresce demais, cria a sensação de que as barreiras à mobilidade social são intransponíveis — e desestimula o trabalho e a geração de riqueza. Em países com desníveis altos, os filhos dos mais pobres têm dificuldades enormes para escapar à condição dos pais. Uma sociedade menos desigual costuma ser também uma sociedade mais eficiente e mais produtiva.

Duas foram as causas das melhorias nos indicadores de pobreza e desigualdade: o mercado de trabalho aquecido e os programas sociais reforçados. Entre 2023 e 2024, o rendimento domiciliar mensal per capita subiu 4,7% e chegou a R$ 2.020. É certo que disparidades regionais persistem — no Nordeste, ele é de R$ 1.319, ante R$ 2.499 no Sul. De qualquer forma, a média nacional hoje é 19% superior à de 2012. Com o desemprego em patamar baixo (7%) e a renda média do trabalho em alta histórica, há mais dinheiro nos lares brasileiros. Para os mais pobres, aumentou também a participação dos programas sociais no rendimento domiciliar per capita. De 1,7% antes do governo Bolsonaro, ela chegou a 3,8% em 2024. Por fim, uma mudança de regra no Bolsa Família incentivou mais beneficiários a buscar trabalho.

Olhando para a frente, porém, os desafios persistem. Tudo dependerá da capacidade do governo de manter a economia em expansão, com geração de empregos e renda. A resistência em equilibrar as contas públicas é uma sombra sobre o crescimento. É um problema cuja solução depende, essencialmente, apenas da vontade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tomar as medidas necessárias. Sob governos do PT na década passada, o Brasil já vivenciou queda na disparidade de renda e na pobreza extrema. Mas os erros cometidos nas administrações petistas desequilibraram as contas públicas, trouxeram de volta o fantasma da inflação, levaram a anos de recessão, alta no desemprego e retrocesso nas conquistas sociais. Para fechar as chagas da desigualdade recorde e da miséria que ainda aflige 14,7 milhões, Lula deveria aprender com os equívocos que cometeu no passado. Tirar gente da miséria e reduzir a desigualdade é sem dúvida uma vitória. Mas seu desafio é assegurar que os avanços sejam duradouros.

Armas fabricadas em impressoras 3D exigem atenção das autoridades

O Globo

Arquivos digitais que permitem ‘imprimir’ armamentos e munição circulam livremente na internet

As apreensões recentes de armas caseiras expõem a sofisticação tecnológica a cada dia mais preocupante no mundo do crime. Entre 2024 e 2025, pelo menos sete lotes de fuzis, pistolas e peças plásticas, todos produzidos por impressoras 3D, foram apreendidos em operações policiais, como revelou reportagem do GLOBO. Em março, agentes gaúchos fecharam um apartamento-fábrica em São Leopoldo (RS), onde quatro impressoras produziam cargas de munição de diversos calibres. Só o material estocado, avaliado em R$ 30 mil, incluía 59 pentes prontos para uso. A Polícia Rodoviária Federal reteve três fuzis “impressos” na BR-316, em Benevides (PA). Investigações de 2024 já flagraram oficinas clandestinas em Santa Catarina, São Paulo e Goiás.

O apelo da tecnologia é óbvio. Arquivos digitais circulam em redes sociais, as máquinas custam cada vez menos e as peças, formadas camada a camada por plásticos e resinas, são produzidas sem número de série. “É quase impossível rastreá-las”, afirma o pesquisador Roberto Uchôa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para grupos extremistas, o anonimato é inestimável. Neonazistas catarinenses discutiam projetos pra produzir armas em fóruns privados em 2022. No exterior, variantes de uma mesma pistola apareceram numa rebelião de Mianmar, com dissidentes do grupo irlandês IRA e até no atentado contra o CEO da UnitedHealth, em Nova York, no fim de 2024.

Embora o crime organizado ainda prefira usar armas contrabandeadas, grupos extremistas já entenderam que basta importar partes metálicas mais difíceis de produzir e depois completar o arsenal com uma impressora instalada em casa. Entusiastas divulgam guias e vendem produtos pelas redes sociais.

O arcabouço jurídico é incapaz de dar conta dos riscos. Imprimir armas já é crime pelo Estatuto do Desarmamento, mas não existe dispositivo específico que coíba a difusão dos projetos na internet, diz a professora de Direito Maíra Fernandes, da FGV. As plataformas digitais são omissas na remoção desse tipo de conteúdo, e a polícia sempre fica para trás.

É essencial que as autoridades encarem o problema com mais urgência e atenção. É indispensável tipificar como crime a fabricação e o compartilhamento de projetos de arma 3D, equiparando-os ao tráfico de armas convencional. Também é necessário um sistema nacional de rastreamento de partes metálicas críticas. Governos estaduais e federal precisam coordenar bancos de dados para as perícias conseguirem associar um projétil à respectiva impressora. Por fim, convém estabelecer protocolos de compra de impressoras 3D, à semelhança do controle que existe sobre certos produtos químicos.

O país já conhece o custo em vidas dos fuzis traficados pelas fronteiras ou obtidos legalmente por amadores e quartéis, para depois ser desviados para o crime organizado. Permitir que impressoras 3D convertam qualquer porão em linha de montagem de armas só ampliará o saldo macabro. Autoridades e empresas de tecnologia precisam agir rápido para evitar o pior.

Acordo com EUA tem tarifa alta e concessão de cotas

Valor Econômico

Acordo EUA-Reino Unido esboça parceria para restrições ao comércio com a China

O governo Trump concluiu o primeiro acordo desde que declarou guerra comercial ao mundo. Foi um acerto limitado, feito com o Reino Unido, um aliado histórico dos Estados Unidos, com o qual tem a balança comercial equilibrada, e que não tem valor legal - só o Congresso americano pode aprová-lo. Mesmo assim, e se Donald Trump não mudar de ideia - um enorme “se” - ele pode servir de base e indicador do que o presidente americano pretende obter de outros países e de até que ponto pretende ceder para chegar a entendimentos. As tarifas de 10% parecem ter vindo para ficar. Não foram eliminadas nem mesmo para um país amigo e sem contenciosos comerciais importantes com Washington. Depois, as tarifas de 25% impostas a setores específicos, como aço, alumínio e carros, ao que tudo indica, podem ser amortecidas por esquemas de cotas, dependendo das compensações oferecidas.

O acordo marca o Reino Unido como o primeiro país a ceder aos atos unilaterais e nocivos à ordem comercial internacional de Trump. Ele retira barreiras do mercado inglês a etanol, carne e outros produtos agrícolas provenientes dos EUA. Em troca, as exportações de veículos britânicos para o mercado americano foram enquadradas em cota de 100 mil unidades com tarifa de 10%, e as vendas de aço e alumínio terão reduzidas tarifas de 25% em um “arranjo alternativo” com base na seção 232, o dispositivo que barra importações que ameacem a “segurança nacional”, argumento incomum usado por Trump para impor restrições aos dois produtos no primeiro mandato.

Trump e o primeiro-ministro trabalhista Kier Starmer qualificaram o acordo de “histórico”, mas é difícil ver nele algo de grandioso exceto os objetivos propagandísticos do presidente americano de alardear que sua estratégia de intimidação global está dando resultados. O Reino Unido reduziu sua tarifa efetiva de 5% para 1,8% e os EUA elevaram as suas acima de 10%. A cota para carros britânicos cobre toda sua exportação de 2024 para os EUA, mas são bens de luxo - Jaguar, Rolls Royce, Bentley e outros -, e é inócua como proteção, já que esses carros não concorrem diretamente com os modelos das montadoras domésticas.

Suas limitações podem ser positivas diante das intenções abrangentes de Washington. O Reino Unido se recusou a eliminar taxa de 2% sobre serviços digitais. Não houve concordância sobre produtos farmacêuticos, dos quais os EUA são o segundo maior mercado para fabricantes britânicos e o Reino Unido é o quarto para exportadores americanos. Os EUA, nesse acordo inaugural, mostraram o desejo de amarrá-lo a restrições de comércio do Reino Unido com a China. Autoridades britânicas negaram esse objetivo, mas o texto de cinco páginas distribuído menciona que ambos os países “pretendem reforçar a cooperação e a segurança econômica, inclusive a coordenação para abordar políticas que não são de mercado de terceiros países” - o alvo não nominado é claramente Pequim. Em outro trecho, há intenção de “cooperar para o uso efetivo de medidas de segurança para investimentos e controles de exportação”.

Trump, pelo menos no início, está sendo vitorioso em sua estratégia de dividir para reinar e impor negociações país a país, nas quais, como maior potência econômica e militar do planeta, tem uma enorme vantagem. Acertos em separado, como o feito nesta semana, estão eliminando a cláusula de nação mais favorecida, onde as condições aceitas por um país valem para todos que com ele comerciam. Disseminados, eles enterrarão a Organização Mundial do Comércio e eliminarão as regras do comércio global. Produtos de países que se entenderam com os EUA terão tarifas menores que os mesmos produtos dos que não fizeram acordo. Só a China retaliou os EUA, e o comércio bilateral está em queda livre, drenando o vigor econômico de ambas.

Os EUA têm com o Brasil, assim como com o Reino Unido, superávits comerciais, embora o Brasil seja muito mais protecionista. A solução de cotas para aço e alumínio é conveniente, e reivindicada, como mal menor, pelos produtores nacionais. Há espaço para entendimento, mas é impossível prever as contrapartidas econômicas que Trump exigirá, fora o livre ingresso do etanol, caso mais divulgado da insatisfação de Washington. A exigência de restrições de vários tipos a relações comerciais com a China, no entanto, não será aceita por um país que faz parte do Brics e tem na China seu maior parceiro comercial.

Trump poderia conter a ascensão da China negociando alianças, para as quais a União Europeia se mostrou disposta. Ao optar por uma guerra comercial destrutiva, Trump torna os demais países potenciais “companheiros de viagem” de Pequim em sua conversão recente ao “multilateralismo”. A estreia de um acordo com o Reino Unido pode ser fogo de artifício diante da opção decisiva. As tarifas “recíprocas” foram suspensas até 9 de julho. Sem elas, os EUA protegeram seu mercado com taxação em dois dígitos. Com elas, criarão mais desordem, e as reações dos mercados após o “dia da libertação”, 2 de abril, poderão ser consideradas amenas diante do que ainda pode estar por vir.

BC ganha ajuda de Trump, mas não de Lula

Folha de S. Paulo

Guerra comercial derruba dólar, reduzindo pressão inflacionária; governo mantém gasto em expansão, o que impõe juro alto

A decisão tomada pelo Banco Central de elevar seus juros em 0,5 ponto percentual —para 14,75% ao ano, o maior patamar em quase duas décadas— decorre da persistência da inflação e da incerteza quanto ao cenário econômico.

Entre os riscos citados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) estão as expectativas para o IPCA acima da meta, a alta de preços dos serviços e os impactos de políticas internas e externas, em particular a guerra comercial deflagrada pelos EUA.

A alta da Selic, aprovada por unanimidade, veio acompanhada pela indicação de que o BC já antevê o fim do ciclo de aperto monetário —seja com a taxa básica no patamar atual, seja após um movimento derradeiro na próxima reunião, em junho.

Tal patamar é menor que o esperado há alguns meses, quando as expectativas do mercado financeiro apontavam para 15,5%.

Já se observa uma incipiente desaceleração da economia, mas o motivo principal da distensão é a valorização do real ante o dólar, que favorece a internalização de menores preços de energia e, logo, de bens industriais.

Ocorre, vale notar, que essa apreciação da moeda brasileira não decorre dos méritos da política econômica doméstica, mas de fatores externos.

Desde que Donald Trump iniciou sua escalada tarifária, o dólar vem perdendo valor, com alguma evidência de saída de parte dos capitais que buscaram o país nos últimos anos. Com novos destinos, esse dinheiro acaba impulsionando outras regiões.

Para os Estados Unidos, o impacto é inflacionário, mas no restante do mundo pode ser o oposto, com a interrupção do comércio e o risco recessivo.

Em meio a esse alívio efêmero, a política econômica brasileira segue em um caminho contraditório. Enquanto o BC adota uma postura contracionista, elevando juros para frear o consumo e a inflação, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insiste em programas de incentivo à demanda e aumento de gastos públicos.

A dualidade eleva o custo do ajuste para a sociedade e dificulta o trabalho do BC, que precisa compensar, com taxas mais altas, a pressão sobre os preços gerada pela gestão frouxa do Orçamento federal. O Copom, hoje com maioria de participantes indicados por Lula, aponta que a política fiscal contribui para deteriorar as expectativas.

Com as projeções de inflação do BC ainda acima da meta de 3% até pelo menos meados de 2027, o mais provável é que, mesmo no caso de alguma redução até o ano que vem, os juros permaneçam altos por muito tempo, comprometendo famílias e empresas.

Para evitar esse cenário seria necessário um compromisso crível com a redução do déficit público. Só assim se poderiam reduzir a percepção de risco e as projeções para o IPCA.

Infelizmente, não é o que se vê do Planalto, que age apenas para minimizar danos e com o foco na popularidade presidencial.

Há negligência na apuração da letalidade policial em SP

Folha de S. Paulo

Relatos apontam lacunas nas perícias de mortes provocadas pela PM; violência de agentes mancha bons resultados no estado

Quando agentes do Estado provocam mortes, espera-se que ao menos seja conduzida uma investigação criteriosa acerca das condições em que se deu a ação e a eventual responsabilização dos policiais. Esse, infelizmente, não é o padrão.

Tome-se o caso das investigações decorrentes da letalidade em operações na Baixada Santista. Noticiou-se que o Instituto Médico Legal de Praia Grande, no litoral de São Paulo, tem emitido laudos periciais sem informações básicas, como anotações do exame do corpo e fotos —ou nem sequer emitido os laudos.

Réu por improbidade, um médico-legista do IML deixou de entregar 243 laudos, conforme levantamento mais recente do próprio órgão, de maio de 2023.

A ausência de documentos adequados dificulta as investigações, o que é especialmente preocupante dada a alta taxa de mortes em ações no litoral paulista.

Na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Operação Escudo, deflagrada no fim de julho de 2023, deixou um saldo de 28 mortos, e a Operação Verão, com 56, foi a mais letal da PM paulista desde o massacre do Carandiru, em 1992.

Familiares de vítimas relatam lacunas em laudos periciais, como ausência de análise de cada perfuração (para verificar indícios de morte por disparos de curta distância) e de exames de vestígios de pólvoras nas mãos (para atestar a veracidade da alegação policial de confronto armado), entre outros elementos.

Sem isso, o que sobra nas investigações é a palavra dos policiais envolvidos nas operações, parcial por pressuposto.

Estes dados são corroborados por estudos. O Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP lançou neste maio o relatório "Mapas da (In)justiça", revelando que em apenas 8,9% dos casos de mortes decorrentes de intervenção policial houve perícia no local do crime, —e em 85% das mortes não foi realizado o exame de resíduo de pólvora nas mãos das vítimas.

Os dados se baseiam num amostra de 859 inquéritos em São Paulo, entre 2018 e 2024. Trata-se, portanto, de um fenômeno de omissão estrutural.

O estado ostenta bons indicadores em segurança pública. No ano passado, os índices de homicídios e roubos foram os menores já registrados historicamente. A mancha da política de segurança é a violência policial.

Negligência e corporativismo nas investigações sobre as mortes que o próprio poder público causa minam a credibilidade do trabalho da polícia e desrespeitam as famílias das vítimas.

A política do revide

O Estado de S. Paulo

Ao votar resolução que tenta proteger um deputado bolsonarista e outros réus como Bolsonaro, a Câmara afronta a Constituição, o entendimento do STF e o sistema de freios e contrapesos

A harmonia entre os Poderes, base de funcionamento de uma democracia digna de um Estado de Direito, enfrentará mais um duro teste de estresse no Brasil durante as próximas semanas, quando se conhecerão os desdobramentos de uma escandalosa decisão tomada na quarta-feira pela Câmara dos Deputados. Um total de 315 deputados federais de 15 diferentes partidos, com rito sumário garantido pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu confrontar explicitamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e aprovar uma resolução que suspende a ação penal contra o colega Alexandre Ramagem (PL-RJ) por tentativa de golpe de Estado. Menos de 48 horas depois, a Primeira Turma do STF, onde tramita o caso, já havia reagido e formado maioria para derrubar a manobra. Resta ver a contrarreação do Congresso.

Ramagem é o único parlamentar réu na ação da trama golpista de 2022. Mas o deputado bolsonarista foi só o pretexto da iniciativa destinada a favorecê-lo. O que se pretendeu na verdade foi abrir brecha para tentar atingir todo o processo relativo à intentona golpista frustrada e, com isso, beneficiar também o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus. A parcela da Câmara que ajudou a aprovar a resolução sabe, no entanto, que ela não se sustenta diante do que diz a Constituição e o STF. Por isso, a única motivação dos parlamentares é provocar os ministros do Supremo e compor o arsenal de vitimização dos liberticidas.

Consagrado na teoria da separação dos Poderes, o sistema de freios e contrapesos nunca foi tão importante e ao mesmo tempo tão frágil no Brasil. Nele se sustenta a ideia de que Legislativo, Executivo e Judiciário terão mecanismos para evitar que um dos Poderes esteja acima dos demais. O problema é que, por aqui, os Poderes costumam abusar de suas prerrogativas a pretexto de que precisam conter os abusos de outro Poder. Ou seja, cria-se um círculo vicioso de extrapolação de competências e de confronto, muito longe do modelo harmônico inscrito na Constituição.

Um STF insatisfeito com a suposta inércia do Congresso avança sobre pautas legislativas. O Congresso, reagindo a esse erro, responde com outros, embutindo matérias na Constituição ou promovendo sua própria interpretação da lei. Enquanto isso, o mesmo Congresso acumula poderes sobre o Orçamento, avançando em prerrogativas que seriam do Executivo. Este, por sua vez, busca nos ministros togados o apoio que lhe falta no Congresso. A aprovação, pela Câmara, de um projeto que se presta a livrar da cadeia um bando de golpistas é parte dessa disfuncionalidade – para a qual o Supremo, enfatize-se, colabora decisivamente, ao julgar réus sem foro por prerrogativa de função e ao conduzir processos e investigações intermináveis a pretexto de salvar a democracia.

No dia 24 de abril, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, enviou ofício à Câmara, destacando a competência dos deputados para analisar apenas os crimes que Ramagem teria cometido após a diplomação, e somente em relação ao parlamentar. Foi esse o entendimento do STF para o artigo 53 da Constituição. Zanin reforçou também o que diz a súmula 245 do Supremo, na qual se define que a imunidade parlamentar não pode ser estendida a outros réus na mesma ação penal, não beneficiando, portanto, Bolsonaro e seus ex-ministros. Com isso, a Câmara poderia suspender apenas dois dos crimes atribuídos a Ramagem na ação penal – justamente aqueles ocorridos em 8 de janeiro de 2023. E decididamente não poderia se intrometer no andamento da ação contra outros réus.

O texto aprovado pela Câmara, no entanto, ignora tais entendimentos e o aviso prévio do STF. Os deputados sabiam que a decisão seria inócua e objeto de revisão pelos ministros da Corte. No cálculo oportunista dos bolsonaristas e daqueles acostumados a arquitetar vinganças contra o Supremo, é exatamente isso o que se busca: provocam o STF a reagir, realimentando o discurso bolsonarista de que se está diante de um processo arbitrário, destinado a tirar Jair Bolsonaro das urnas em 2026 – a narrativa preferencial da habitual vitimização do ex-presidente.

Resta ao Brasil perceber a inutilidade da esperteza bolsonarista, e ao Supremo, assumir o ônus de contê-la mais uma vez.

A quem não interessa a CPI do INSS

O Estado de S. Paulo

Necessária ao País, investigação parlamentar sobre a roubalheira das aposentadorias pode acabar no limbo por uma razão prosaica: afeta tanto o governo de Lula quanto o de Bolsonaro

Se for acionado o tradicional sistema de blindagem vigente em Brasília, que costuma unir políticos e partidos de diferentes lados em torno de interesses em comum e enterrar ideias que podem prejudicá-los, a mais que necessária CPI para investigar as bilionárias fraudes no INSS corre o risco de morrer antes mesmo de nascer. O motivo é prosaico: embora possa ser especialmente ruim para o governo do presidente Lula da Silva, uma CPI como essa pode eventualmente apontar malfeitos do governo anterior, de Jair Bolsonaro. Eis a senha para que a turma da contemporização passe a atuar, estancando a eventual instalação da comissão. Se isso acontecer, ficará claro o que todos já intuem: que nem governo nem oposição estão preocupados com os aposentados lesados. O único cálculo, de parte a parte, é de perdas e ganhos eleitorais.

Logo após ser deflagrada a operação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) para investigar as fraudes em descontos nas aposentadorias e pensões, a oposição não teve dificuldades para conseguir as 171 assinaturas necessárias e protocolar um requerimento com vistas a criar a CPI, enquanto o governo, atordoado e perdido, patinava entre a incompetência para gerir a crise e a habitual procrastinação do presidente Lula da Silva – que, torcendo para que o caso esfriasse por conta própria, demorou tanto a demitir Carlos Lupi do Ministério da Previdência quanto a definir quando e como ressarcirá às vítimas os recursos descontados irregularmente ao longo dos últimos anos.

No entanto, em pouco tempo ficou claro que os malfeitos, a letargia e a omissão no caso da roubalheira do INSS transcende governos. Tudo começou em 2016, no governo de Michel Temer, mas foi em 2022, durante a administração de Jair Bolsonaro, que disparou o número de reclamações de beneficiários sobre os descontos aplicados, embora pese contra o governo Lula a demora em agir, a despeito dos alertas feitos ainda em 2023. Segundo as investigações, as entidades associativas receberam quase R$ 8 bilhões entre 2016 e 2024, dos quais R$ 2,8 bilhões apenas no ano passado. A maioria dos beneficiários não havia autorizado a cobrança ou acreditava que seu pagamento fosse obrigatório.

Os problemas compartilhados entre o atual governo e o anterior justificaram, por exemplo, o esforço do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) ao publicar em suas redes sociais um vídeo em que discorre sobre o escândalo. Nele, o parlamentar não só acusa o atual governo, como seria de esperar, como tenta defender Bolsonaro e desvencilhar o aliado do caso. Diante da viralização do vídeo, que repetiu a estética e o sucesso nas redes sociais de outro publicado em janeiro, quando o deputado criticou uma suposta taxação do Pix e ajudou a gerar uma crise de imagem do governo lulopetista, os exegetas do Palácio do Planalto se apressaram em respondê-lo, transferindo para Bolsonaro a responsabilidade pelo escândalo.

Entre o sujo e o mal-lavado, os diques de contenção da CPI começaram a ser construídos. Não à toa, a oposição insiste na instalação da comissão com o foco contra o governo Lula, enquanto há governistas ameaçando mirar na gestão de Bolsonaro. Quem conhece os ingredientes que moldam o apetite ou o fastio por investigações em Brasília sabe que há uma forma implacável de neutralizar uma CPI: mostrar que, quando dois lados têm a perder, o mais seguro é não brigar. Sobretudo quando se sabe também que o Congresso teve responsabilidade pela demora na aprovação de uma proposta para garantir a exigência de controle nos descontos.

Este jornal reafirma que o tamanho da rapina e a dificuldade do governo em oferecer respostas com prazo e intensidade adequados justificam a instalação da CPI. A apuração deve ser rigorosa e ir além deste governo, posto que 6 milhões de beneficiários foram prejudicados ao longo dos anos. Há muitas perguntas ainda sem resposta sobre o esquema e uma CPI pode ajudar a iluminá-las. Razões suficientes também para exigir neste momento uma pressão dos brasileiros para evitar que a operação abafa seja bem-sucedida.

Um consórcio do bem

O Estado de S. Paulo

Seis empresas de diferentes setores se unem para reflorestar parte da Mata Atlântica

Resultado de um consórcio entre seis empresas dos setores bancário, de alimentos, mineração e papel e celulose, a Biomas, especializada em restauro florestal, foi criada em 2022, durante a 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27), no Egito. Agora, mais de dois anos depois e às vésperas da COP-30, em Belém (PA), acaba de anunciar seu primeiro grande projeto, para reflorestar 1,2 mil hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia, investimento de R$ 55 milhões, com plantio de 2 milhões de mudas.

Ao Estadão, o CEO da Biomas, Fabio Sakamoto, situou entre US$ 15 milhões (R$ 85 milhões) e US$ 35 milhões (R$ 198 milhões) a receita estimada com a venda de créditos de carbono “premium” do projeto, que utilizará terrenos de propriedade da indústria de celulose Veracel. Se confirmada a projeção de retorno a longo prazo, restará comprovado que iniciativas de combate às mudanças climáticas, mais do que um sinal de conscientização ambiental, podem ser um bom negócio.

O otimismo do executivo pode se justificar pelo fato de que o mercado global de créditos de carbono, apenas em 2021, atingiu a marca de US$ 1 bilhão e ainda está em fase de evolução. No Brasil, contudo, foi somente em dezembro do ano passado que a lei que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) foi sancionada, e ainda tem um longo caminho até a conclusão do marco regulatório.

O Brasil é frequentemente citado por especialistas por seu grande potencial de liderança em descarbonização da economia, portanto é essencial aproveitar a janela de oportunidades aberta pela adoção das práticas ESG (sigla para critérios ambiental, social e de governança), ainda que ela ameace se estreitar, diante da resistência do presidente dos EUA, Donald Trump, ao que ele define como “capitalismo woke” – termo usado aqui para criticar a influência de minorias sexuais e raciais no estabelecimento de políticas públicas e privadas. A crise climática, contudo, não é uma abstração ideológica, mas uma realidade que se impõe ao mundo.

A parceria que permitiu a criação da Biomas reúne Itaú Unibanco, Marfrig, Rabobank, Santander, Suzano e Vale, que apostaram num modelo de geração de créditos de carbono em que áreas degradadas são restauradas por meio do plantio de mudas nativas. No sul da Bahia, serão plantadas 70 espécies de árvores, em trechos fragmentados de uma área desmatada a partir dos anos 1970. A expectativa é de que a primeira safra de créditos seja vendida em 2029 e dividida entre a Biomas e a Veracel.

Projetos como a restauração de parte da Mata Atlântica são um importante cartão de visitas para o Brasil, que irá sediar a conferência da ONU para o clima. Mostram que a sociedade civil está interessada em participar ativamente do esforço para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Quando grandes empresas decidem se juntar para atuar nessa área crucial, é sinal de que, felizmente, a consciência ambiental não foi totalmente obstruída pela guerra ideológica que opõe esquerda e direita e que acelera a marcha da insensatez climática.

O vírus VSR e o alerta dos médicos

Correio Braziliense

O que chama a atenção, além do crescimento exponencial de casos e internações, é a desorganização estrutural das unidades básicas de saúde (UBS)

"Principal causa de internação em crianças no mundo, o VSR é responsável por cerca de 80% dos casos de bronquiolite e até 60% das pneumonias em crianças menores de 2 anos" - (crédito: Reprodução/Unsplash/picsea)

É triste assistir ao que está ocorrendo em hospitais, unidades de pronto-atendimento e postos de saúde por todo o país em decorrência do aumento de casos de infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR), causador da bronquiolite, e o vírus da influenza A, levando bebês e crianças a óbito. Até 15 de março, o Brasil havia registrado 21.498 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), com 1.659 mortes, segundo o boletim Infogripe, divulgado pela Fiocruz.

Principal causa de internação em crianças no mundo, o VSR é responsável por cerca de 80% dos casos de bronquiolite e até 60% das pneumonias em crianças menores de 2 anos, de acordo com os dados da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), do Ministério da Saúde.

Se pensarmos que pelo menos 16 das 27 unidades federativas — ou seja, mais da metade do Brasil — estão vivenciando o aumento das hospitalizações, com registros de superlotação, muitos dos quais sem nenhuma vaga disponível nas unidades neonatais de terapia intensiva (UTIs), o alerta foi ligado.

A incidência do VSR, além do aumento de casos de rinovírus (conhecido como o vírus do resfriado comum), é maior nos estados da Região Sudeste, além do Distrito Federal e de Goiás. Em março deste ano, o boletim Infogripe avisava sobre a alta de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave no Centro-Oeste. Em alguns estados do Norte e do Nordeste, a faixa etária se amplia até adolescentes de 14 anos.

O que chama a atenção, além do crescimento exponencial de casos e internações, é a desorganização estrutural das unidades básicas de saúde (UBS), assim como da rede pública hospitalar como um todo. É visível o despreparo para prestar um atendimento digno a essas famílias e suas crianças. Os postos ficam superlotados, com adultos e crianças passando mal, sem máscara, o atendimento é precário, são poucos médicos nos plantões e o resultado são as longas filas e pessoas voltando para casa sem receber assistência. Em alguns casos, se o atendimento é tardio, o que se vê é a criança entrar no bloco médico em estado grave e não mais sair.

O cenário parece "figurinha repetida". Ainda que as autoridades e a população saibam que o outono e o inverno são exatamente as estações do ano propícias para esses patógenos, a impressão é de total estagnação: vamos esperar o mal chegar, daí pensamos em como agir.

Fato é que o impacto financeiro decorrente de custos com as doenças respiratórias é relevante tanto dentro do orçamento público quanto na rede privada. Um estudo divulgado pela Planisa, empresa que atua na área de gestão de saúde, mostra que somente a pneumonia e a influenza, doenças registradas nos meses janeiro e fevereiro deste ano, foram responsáveis por 81.249 internações e 10.106 mortes no Brasil.

O impacto financeiro foi de cerca de R$ 381 milhões nesse período, com base no valor mediano de pouco mais de R$ 4,5 mil por internação, de um total de 6.399 casos analisados no ano passado. Isso corresponde a mais de R$ 6 milhões por dia gastos apenas com o tratamento hospitalar de pacientes diagnosticados com doenças respiratórias. O desafio gigante agora é reforçar o atendimento aos pacientes, com a ampliação de leitos hospitalares e equipes médicas numerosas e capacitadas.

Segurança pública e a necessidade de ações integradas

O Povo

Diante da ousadia do crime organizado e dos impactos na vida das pessoas, as respostas rápidas precisam ser realidade. Ações ostensivas, que façam a Polícia estar onde realmente é necessário, permanecendo para além da mobilização midiática e populacional

Locais de lazer que se transformam em cenas de crime. Adolescentes que morrem e matam. Escolas fechadas, linhas de ônibus desviadas e pessoas com medo de sair de casa. O Ceará vive um 2025 desafiador em relação à segurança pública de seus habitantes.

Cenário exige respostas efetivas que sejam resultado da convergência dos esforços entre diferentes poderes, órgãos e segmentos sociais.

Territórios periféricos e distantes dos olhares do poder público compõem, há muitos anos, as estatísticas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), que em sua maioria sempre tiveram como motivação o "conflito entre grupos criminosos".

A ocorrência de chacinas, quando são assassinadas três ou mais pessoas em uma mesma ação, era um evento relativamente raro no Ceará até 2015, com casos mais focados em disputas agrárias. Não é mais. Na última semana, o episódio ocorrido na Barra do Ceará, em Fortaleza, quando quatro pessoas foram assassinadas em um campo de futebol, demonstrou como a dinâmica violenta tem repercutido e feito com que crimes como esse se tornem mais recorrentes.

Em poucos dias, o bairro registrou um duplo assassinato de duas jovens, um ataque com cinco baleados, ônibus depredados e uma chacina.

Quando pessoas ficam sem internet após ataques, a juventude é assassinada em locais públicos e o cotidiano de uma cidade precisa ser alterado por causa da criminalidade, fica evidenciada a necessidade de que sejam executadas diferentes políticas.

As políticas públicas, como educação, lazer, segurança e saúde. Que têm o papel de garantir direitos e permitir o desenvolvimento sustentável da população. E as políticas eleitorais, que dependem da atuação de parlamentares, gestores e políticos para criação e execução de leis e ações com o mesmo objetivo: uma melhor vida para as pessoas.

Há ainda a esfera judiciária, que inclui a Justiça e os órgãos de defesa dos direitos da sociedade.

Diante da ousadia do crime organizado e dos impactos na vida das pessoas, as respostas rápidas precisam ser realidade. Ações ostensivas, que façam a Polícia estar onde realmente é necessário, permanecendo para além da mobilização midiática e populacional.

Mas também ações de inteligência, não só nas investigações, nas denúncias, nos inquéritos, mas na promoção de um Estado mais igualitário e seguro para os cearenses.

Esse precisa ser o objetivo daqueles que atuam nas searas de poder nos municípios, estados e no País. Integrar informações e medidas que expandam fronteiras e consigam se antecipar aos avanços do crime e de seus personagens.

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