São lamentáveis manobras para livrar deputados
O Globo
Depois de Ramagem, plano é sustar outras
ações no STF — mas Corte cumpre dever ao manter julgamentos
Causa consternação o comportamento dos
deputados que ameaçam retaliar o Supremo Tribunal Federal (STF)
depois de a Corte ter julgado inconstitucional a manobra para interromper uma
ação penal contra o deputado Alexandre
Ramagem (PL-RJ). Na terça-feira, a Câmara apresentou recurso ao STF
contra a decisão. Entre os planos desses deputados está a possibilidade de
voltar à carga com medida semelhante nos casos dos deputados Carla
Zambelli (PL-SP) e Juscelino Filho (União-MA).
Ramagem é acusado de tentativa de golpe de Estado num processo em que também é réu o ex-presidente Jair Bolsonaro. Por 315 votos a 143, a Câmara aprovou na semana passada a suspensão da ação penal, alegando imunidade parlamentar. Por uma omissão oportunista, que beneficia os demais réus, o texto não especificou que a decisão se referia apenas a Ramagem. No recurso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enfatizou que o pedido trata exclusivamente dele e pediu cisão do processo. E disse esperar que os votos dos 315 deputados sejam “respeitados”.
Para proteger deputados e senadores do uso
político da Justiça, a Constituição lhes garante imunidade de julgamentos
durante o mandato para crimes praticados depois da diplomação. Quando o STF
aceita denúncia, o processo pode ser interrompido pelo voto da maioria da
Câmara ou do Senado. Mas há restrições para evitar abusos. A primeira — e óbvia
— é que a regra se restringe a parlamentares. Não há, portanto, nenhum amparo
constitucional para a tentativa de livrar Bolsonaro e os demais réus. A segunda
restrição é que crimes cometidos antes ou depois do mandato podem e devem ser
julgados normalmente. Na interpretação do relator, deputado Alfredo Gaspar
(União-AL), porém, os atos de Ramagem anteriores à diplomação tiveram caráter
“permanente”, por terem se prolongado depois da posse. Não faz sentido.
Como era esperado, a Primeira Turma do STF,
ao examinar a decisão da Câmara, decidiu por unanimidade suspender a tramitação
apenas das acusações contra Ramagem relativas a fatos posteriores à diplomação.
Foram sustadas as relativas a 8 de janeiro de 2023 (dano contra o patrimônio da
União e deterioração de patrimônio tombado), mas foi mantido o julgamento pelos
crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do
Estado de Direito e golpe de Estado.
Agora deputados ameaçam suspender o
julgamento dos recursos de Zambelli na Primeira Turma, onde ela foi condenada
ontem a dez anos de prisão e perda de mandato pela invasão do sistema do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Outra ameaça é suspender qualquer denúncia
por desvios em emendas apresentada contra o ex-ministro Juscelino Filho, cujo
processo foi suspenso pelo ministro Flávio Dino.
Em qualquer democracia, e a brasileira não é
exceção, o Legislativo não tem direito de passar por cima da Constituição. Era
do conhecimento de todos os que votaram a favor da suspensão da ação penal que
tal aberração jamais prosperaria. Garantir o cumprimento do texto
constitucional é dever do Supremo, e a separação entre Poderes é cláusula
pétrea. Para que o Brasil se vacine contra novas tentativas de golpe, os
denunciados pelo que aconteceu em 2022 e 2023 devem ser julgados, e os culpados
condenados. Promover um clima de disputa entre Poderes é um desserviço à
democracia.
Operação contra tráfico revela valor da
inteligência nas investigações
O Globo
Polícia apreendeu arsenal com 43 mil
cartuchos e 240 armas a partir de caderno com números de telefone
Na Operação Contenção, ação conjunta da Polícia
Civil do Rio de Janeiro e do Ministério Público realizada também nos
estados de São Paulo, Mato Grosso e Rondônia, os policiais apreenderam 43 mil
cartuchos de munição e 240 armas. Desse arsenal, 16 fuzis e 20 pistolas estavam
numa casa na Barra da
Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio onde a operação visitou dois
condomínios de alto padrão. A ação comprova não apenas que o crime organizado
há muito tempo se expandiu para além das favelas, mas sobretudo que combatê-lo
exige integração entre órgãos de segurança, planejamento e investigações
baseadas em dados e inteligência.
Tudo começou na apuração da invasão de uma
delegacia em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, por traficantes, para
resgatar um criminoso preso. As investigações conduziram à prisão em flagrante,
numa favela da Baixada, de três suspeitos de integrar a organização criminosa
Comando Vermelho (CV). Com eles havia um caderno repleto de números de
telefones. Foi a semente de um trabalho exaustivo envolvendo quebra de sigilos
de comunicação, relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf) e até o apoio da agência que trata de crimes e ameaças transnacionais
nos Estados Unidos. Ao final, estava mapeado um esquema de compra de drogas e
armamentos pelo CV. Para tentar ludibriar a polícia e o Coaf, os traficantes
fracionavam os pagamentos realizados por meio de Pix. Em seu relatório final, a
polícia pede o bloqueio de R$ 40 milhões e o Ministério Público a prisão de 22
denunciados.
Um dos investigados faz parte de um grupo de
traficantes de outros estados que foram para o Rio em busca de refúgio e
treinamento. Um deles passou meses no Complexo do Alemão, subiu na hierarquia
da facção criminosa e é dono de um fuzil capaz de abater helicóptero. Continua
foragido, mas foi por meio do rastreamento dele que a polícia chegou ao dono de
uma loja de armas em São Paulo, registrado como colecionador, atirador
desportivo e caçador (CAC), com acesso legal a armas e munições. A análise de
dados do Coaf revelou que, também presidente de um clube de tiro, usava suas
empresas para abastecer traficantes. Há registro do recebimento de R$ 1,6
milhão pela venda de carregadores e munição. Outro dos presos, acusado de
transferir dinheiro em troca das armas, comprou um imóvel na Barra da Tijuca
por R$ 9 milhões e, seis meses depois, repassou a um filho por R$ 500 mil,
negócio que, segundo a polícia, caracteriza lavagem de dinheiro.
“Toda operação é lícita até um determinado
momento em que entra na ilegalidade”, diz o delegado Carlos Oliveira,
subsecretário de Planejamento e Integração Operacional. A investigação mostra
como, para combater o crime organizado, se tornou fundamental esmiuçar esse
“mercado cinza”. As informações e conexões desbaratadas pela polícia por meio
do uso da inteligência se revelam muito mais eficazes que as operações
violentas, em geral realizadas sem nenhum planejamento.
Questões estruturais inibem maior queda da
desigualdade
Valor Econômico
A redução da desigualdade, um objetivo
civilizatório fundamental, não se sustentará nas atuais bases de aumento de
gastos
O aquecimento do mercado de trabalho e das
políticas de benefícios sociais nos últimos anos reduziu a desigualdade a seu
menor nível desde 2012, embora ela continue obscenamente alta. A Pnad Contínua
de 2024, do IBGE, mostrou indicadores em patamar recorde da série histórica,
como o rendimento médio mensal de todas as fontes e de todos os trabalhos, o
rendimento médio mensal domiciliar per capita e a massa de rendimentos do
trabalho e domiciliar per capita. O desafio é manter e ampliar essas
conquistas.
O tradicional índice de Gini, que indica
maior desigualdade quanto mais perto de 1 estiver, reflete a melhoria. No caso
do rendimento domiciliar per capita, de R$ 2.020 no ano passado, o índice
voltou a cair para 0,506, após ter ficado estável em 2022 e 2023. O índice de
Gini do trabalho recuou para 0,488, segundo menor da série. Com 39,8% da massa
total de rendimentos do país, os 10% mais ricos ficaram com 13,4 vezes mais
recursos do que os 40% mais pobres, ligeiramente menos do que as 14,4 vezes de
2023 e a menor proporção desde 2012. Já o grupo do 1% mais rico deteve massa de
rendimentos 36,2 vezes maior do que a dos 40% mais pobres, também a menor da
série histórica.
A melhoria da renda do brasileiro se tornou
mais significativa na saída da pandemia, como também mostrou o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud). O IDH referente a 2023 colocou o Brasil em 84º lugar em
uma lista de 193 países, cinco posições à frente do ranking do ano anterior.
Com essa posição, o Brasil entra para o grupo de países com IDH considerado
alto pelo Pnud.
O aumento da renda e a melhoria da saúde
explicam o avanço do IDH no Brasil. Calculada pela paridade do poder de compra,
usado pelo Banco Mundial, a renda per capita do brasileiro subiu de US$ 17.594
em 2022 para US$ 18.011 em 2023. O IDH do Brasil somente não avançou mais por
conta da estagnação na educação. A expectativa de escolaridade do brasileiro
continuou em 15,8 anos, o mesmo nível desde 2020; e a escolaridade média da
população ficou em 8,4 anos, estagnada pelo terceiro ano consecutivo.
A expansão dos programas sociais e o mercado
de trabalho mais dinâmico foram os principais fatores que contribuíram para o
avanço do IDH assim como para a redução da desigualdade. Os desembolsos dos
programas sociais cresceram muito a partir da pandemia, quando o Bolsa Família
foi transformado em Auxílio Brasil, com aumento dos valores concedidos e do
número de famílias beneficiadas. O auxílio foi turbinado em plena campanha de
Jair Bolsonaro, passando de R$ 400 para R$ 600. No governo Lula, o programa voltou
a ser chamado de Bolsa Família.
A renda média garantida por esses programas
avançou 72,7% entre 2019 e 2024, de R$ 484 para R$ 836, o maior valor até hoje
registrado. A parcela da população beneficiada saltou de 6,3% em 2019 para o
recorde de 9,2% em 2024, totalizando pouco mais de 20 milhões de famílias,
segundo a Pnad Contínua. A participação dos programas sociais no rendimento
domiciliar per capita mais do que dobrou, de 1,7% antes da pandemia para 3,8%.
O percentual de domicílios com algum beneficiário do Bolsa Família atingiu 18,7%
em 2024, acima dos 14,3% de 2019.
Outros programas sociais ganharam espaço. Os
domicílios com favorecidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC)
aumentaram de 3,5% do total em 2019 para 5% em 2024, o maior patamar da série
histórica. O percentual de domicílios que recebem o Bolsa Família foi recorde
em 2023, 19% do total - mais de 20 milhões de famílias, ou 52,8 milhões de
pessoas. No total de programas sociais, há concentração nos Estados do Norte e
do Nordeste, onde o percentual de beneficiados é até o dobro da média nacional.
A desigualdade também diminuiu com a redução
do desemprego. Em 2024, houve aumento da população com rendimento (143,4
milhões) e da população com rendimento habitual do trabalho (101,9 milhões). A
participação do trabalho chegou a três quartos na composição do rendimento
domiciliar per capita.
Quanto menor a desigualdade, maiores são as
chances de crescimento e bem-estar econômico. No Brasil, a melhoria recente
ocorreu em grande parte porque mais dinheiro foi dado pelo Estado aos mais
pobres, e a um maior número deles. A política de aumento real do salário mínimo
contribuiu para manter a economia aquecida e o desemprego baixo. O resultado é
que o déficit público deu um salto, ameaça a solvência do país, enquanto a
inflação atingiu nível desconfortável e reluta em recuar. O governo estimula novos
programas de crédito e quer reduzir o imposto de renda de dois terços dos
contribuintes.
A redução da desigualdade, um objetivo
civilizatório fundamental, não se sustentará nessas bases. O Estado perderá a
capacidade de realizar políticas sociais e até mesmo de desempenhar suas
funções básicas por falta de recursos, gastos inclusive em juros assombrosos
pagos para impulsionar uma economia que cresce pouco e, ainda assim, acima do
seu potencial. Resultados meritórios sobre a desigualdade são, infelizmente,
efêmeros.
Alta de juros se aproxima do fim sem domar
expectativas
Folha de S. Paulo
Inflação projetada estoura teto em 4 dos
últimos 5 anos, o que compromete a credibilidade da política monetária
Divulgada nesta semana, a ata da reunião
do Banco
Central que elevou os juros a
14,75% ao ano repete por 17 vezes, ao longo de sete páginas, a palavra
"incerteza" e suas variações —9 vezes num único parágrafo sobre a
conjuntura internacional e o impacto da ofensiva protecionista de Donald Trump.
Não se pode negar que os acontecimentos
corroboram a insistência retórica do BC. Nos poucos dias entre a deliberação do
Comitê de Política Monetária (Copom) e a
publicação da ata, o mandatário americano promoveu nova reviravolta em
sua guerra
comercial, desta vez um entendimento com a China para
uma trégua
de 90 dias em que as tarifas de importação serão reduzidas.
O documento do Copom, portanto, já veio ao
mundo desatualizado —embora o mundo não tenha se tornado menos incerto.
Ao decidir elevar os juros, mas indicando que
está próximo o fim do ciclo de alta iniciado em setembro do ano passado, o BC
levou em consideração que as políticas tresloucadas de Trump haviam produzido
uma queda do dólar, o que reduz a pressão inflacionária aqui. A cotação da
moeda americana, afinal, tem impacto direto nos preços de importados e de
commodities.
De modo menos imediato, uma desaceleração ou
mesmo recessão econômica na maior potência global pode ter reflexos na
atividade das demais regiões, o que também facilitaria, ao menos em tese, a
tarefa de conter o IPCA.
Assim também avaliam 63% dos economistas
que responderam
ao questionário encaminhado pelo BC antes do encontro do Copom. Para
outros 23%, o impacto da guerra comercial será neutro, enquanto 14% creem que
ele será inflacionário.
Talvez os verbos devessem estar no passado,
dada a euforia imediata que se seguiu à trégua entre os Estados
Unidos e a China —e sabe-se lá se trégua e euforia serão duradouras.
De mais certo, pode-se afirmar que a brutal
elevação da Selic,
até aqui de 4,25 pontos percentuais, vai chegando ao fim sem ter sido capaz de
domar ao menos as expectativas de inflação.
Para este ano, as projeções do IPCA rondam os
5,5%, acima da meta de 3% e do teto de 4,5%. A se confirmar tal cenário, o
limite terá sido descumprido em 4 dos últimos 5 anos, o que pode ser
compreensível nas circunstâncias, mas decerto não favorece a credibilidade da
política monetária. Para 2026, estimam-se 4,5%.
No regime de metas, como se sabe, é a
confiança nos objetivos fixados que leva empresários e trabalhadores a
moderarem seus preços e demandas, num círculo virtuoso que reduz os custos do
controle inflacionário.
Outra certeza é que o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) não se
disporá a ajudar o BC com ajustes em sua insustentável
política de expansão dos gastos públicos, ao menos até o desfecho das eleições —o
que significa juros altos por mais tempo, mais dívida pública e um início
amargo para a próxima administração.
Pepe Mujica entendeu que democracia é valor
central
Folha de S. Paulo
Trajetória do presidente uruguaio morto nesta
terça infelizmente não inspirou a esquerda no Brasil, que adula autocratas
As homenagens que se
seguiram à morte, aos 89 anos, de José Pepe Mujica, presidente do Uruguai de
2015 a 2020, denotam que se foi um tipo muito especial de líder político, singelo
em grau monástico nos hábitos pessoais, tão firme nas convicções quanto
consciente das limitações e das virtudes da política e sobretudo propagador do
valor central da democracia.
A trajetória de Mujica gravou no seu corpo e
na sua memória as marcas da violência política que grassou na América do
Sul na segunda metade do século 20. Ingressou no grupo guerrilheiro
esquerdista Tupamaro nos anos 1960, ainda antes de o Uruguai converter-se
numa ditadura.
Preso em 1972, passou os 13 anos seguintes no
cárcere, submetido a torturas e a um prolongado período em solitária. Libertado
no colapso do regime autoritário, entrou na política partidária nas fileiras da
Frente Ampla, que uniu militantes da esquerda moderada à radical.
Vinte anos se passariam até que a coalizão
conquistasse a Presidência, com Tabaré Vázquez. Mujica sucedeu o
correligionário em 2010 e foi pelo mesmo Tabaré sucedido em 2015. Até certo
ponto, o pequeno país de 3,5 milhões de habitantes se embalava na vaga
esquerdista que então prevalecia na América do Sul.
Havia no entanto algo diferente na esquerda
uruguaia em relação às que governavam Brasil, Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela à
época. Mujica e seus colegas —e também os progressistas do Chile— haviam
aprendido duas lições até hoje ignoradas pelos seus demais pares continentais.
A primeira delas diz respeito à condução
responsável da economia e
das contas públicas. Uruguai e Chile atravessaram o período sem apelar para
demagogias inflacionárias e intervencionistas tão em voga na região. Não por
acaso, são os países sul-americanos mais ricos considerando-se a renda per
capita.
A segunda lição, que uruguaios e chilenos de
esquerda também compartilham, é não relativizar a democracia. Foi Mujica, com
sua serenidade, um dos primeiros a tentar abrir os olhos de seus colegas
regionais para a deriva autoritária do chavismo na Venezuela e de Ortega
na Nicarágua.
Pepe Mujica mostrou que não é preciso adular autocratas amigos, como Luiz Inácio Lula da Silva acaba de fazer com Vladimir Putin, para cumprir a agenda da esquerda moderna. Aprovou legislações liberais para o consumo da maconha e o aborto que não foram revertidas por governantes conservadores que o sucederam. É um colosso de legado que não deveria ser esquecido.
A má-fé ‘estratégica’ de Lula em Pequim
O Estado de S. Paulo
Visita à China rendeu acordos e investimentos
bilionários, mas expôs os vícios ideológicos de Lula: empregar a cooperação
comercial como pretexto para o alinhamento geopolítico
A visita do presidente Lula da Silva à China
foi marcada por anúncios comerciais relevantes: a promessa de R$ 27 bilhões em
investimentos, acordos nas áreas de semicondutores, energia e infraestrutura,
além da abertura de mercado para produtos do agro brasileiro. A China é o maior
parceiro comercial do Brasil, e encontros de alto nível são cruciais a uma
estratégia de inserção internacional. Nesse sentido, a passagem de Lula por
Pequim não pode ser confundida com sua aparição na Praça Vermelha ao lado de Vladimir
Putin e seus comparsas ditadores – um episódio que manchou a diplomacia
brasileira associando-a a uma celebração imperialista em meio à agressão à
Ucrânia.
No entanto, é precisamente pela relevância da
relação com a China que se exige do chefe de Estado brasileiro uma conduta
madura, guiada por interesses nacionais, e não fetiches ideológicos. Lula, mais
uma vez, falhou nesse teste. Sua visita foi marcada por declarações e gestos
que extrapolam a esfera da cooperação pragmática e o colocam como entusiasta de
uma aproximação geopolítica com a China, inspirada por motivações partidárias,
em detrimento da equidistância diplomática característica do Itamaraty.
A afinidade do lulopetismo com o regime
chinês e outras experiências autocráticas não é nova. Mas, na atual conjuntura,
ela se torna ainda mais preocupante. Reiteradamente, Lula tem feito provocações
gratuitas aos EUA, como quando declarou, aludindo às políticas tarifárias de
Donald Trump, que Brasil e China estão “determinados a unir suas vozes contra o
protecionismo e o unilateralismo”, como se ambos os países fossem baluartes do
livre comércio. O petista foi além, ao comparar suas vitórias eleitorais à revolução
comunista de 1949, violentando, por ignorância ou má-fé, o fato histórico de
que os avanços socioeconômicos da China vieram da ruptura com a tirania
homicida de Mao Tsé-tung e da liberalização do mercado sob Deng Xiaoping. O
constrangedor episódio em que a primeira-dama Janja da Silva interpelou Xi
Jinping, sugerindo enviesamento do TikTok contra a esquerda, é um emblema
caricato desse voluntarismo trapalhão que permeia a diplomacia presidencial.
Lula disfarça seu alinhamento a Pequim sob o
manto de um pragmatismo virtuoso: garantir investimentos e acesso ao mercado
chinês. É uma inversão da realidade. A verdade é que Lula utiliza os negócios
como pretexto para satisfazer suas inclinações ideológicas e ambições pessoais.
O comércio Brasil-China cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas sob
governos de diferentes matizes, inclusive sob Jair Bolsonaro e suas invectivas
contra Pequim. Além disso, países como EUA, Índia, Japão e até Taiwan mantêm
com a China relações comerciais robustas, a despeito de profundas rivalidades
geopolíticas. A Índia, aliás, é exemplo de pragmatismo que o Brasil faria bem
em emular: coopera com a China quando lhe convém, mas preserva sua soberania
estratégica e não se alinha automaticamente a nenhum polo.
O Brasil não precisa bajular ditaduras para
vender soja, carne ou minério. Acima de tudo, não precisa recorrer ao ditador
Xi Jinping para discutir a regulação das redes sociais, como fez Lula de forma
desconcertante, desdenhando dos princípios constitucionais de liberdade de
expressão e separação entre os Poderes.
Diante da polarização entre China e EUA, o
Brasil tem todas as condições de adotar uma postura independente e propositiva.
Nosso histórico pacífico, a qualidade de nossos quadros diplomáticos, nossa
importância ambiental e o peso de nossa economia nos conferem credenciais para
atuar como voz moderadora e construtiva. Mas, para isso, é necessário que a
diplomacia sirva ao interesse do Estado brasileiro – não às idiossincrasias de
um líder obcecado por glórias internacionais.
Lula, em vez de liderar o Brasil com
sobriedade em um mundo multipolar, arrisca transformá-lo em satélite de uma
autocracia. Ao fazê-lo, trai a tradição do Itamaraty, pisoteia valores
inscritos na Constituição, como a primazia da democracia e dos direitos
humanos, e arrisca alienar parceiros do Ocidente. Os negócios com a China são
bem-vindos. A subserviência, não.
Juros altos por muito tempo
O Estado de S. Paulo
Com incertezas causadas pela guerra comercial
dos EUA e pela política fiscal do governo Lula, Banco Central deixa próximos
passos em aberto e indica que Selic não cairá tão cedo
Após elevar a taxa básica de juros ao maior
nível desde 2006, o Comitê de Política Monetária (Copom) deu alguns sinais de
que pode interromper o ciclo de alta iniciado no ano passado, que levou a Selic
a 14,75% ao ano. A ata da reunião realizada na semana passada deixou em aberto
a possibilidade de aumento dos juros em mais 0,25 ponto porcentual, mas, para a
maioria dos analistas do mercado financeiro, o Banco Central (BC) parece mais
inclinado a deixar os juros onde estão por bastante tempo do que a ampliar o
aperto monetário.
Muita coisa mudou desde setembro de 2024,
quando o BC aumentou a Selic em 0,25 ponto porcentual, de 10,50% para 10,75% ao
ano. Era a primeira vez que a autoridade monetária elevava os juros no governo
de Lula da Silva. À época, o Copom reconheceu que a economia crescia acima de
sua capacidade, admitiu que havia mais chances de que a inflação subisse do que
caísse e mencionou a política fiscal expansionista do Executivo como um dos
fatores a incentivar o consumo e a demanda agregada.
Sobre os Estados Unidos, a expectativa do
Copom era de uma desaceleração gradual e ordenada da economia, cenário que
mudou de maneira drástica após a eleição de Donald Trump. Ninguém, à época,
poderia imaginar que uma das economias mais beneficiadas pela globalização
adotaria uma agressiva política comercial, sem poupar nem mesmo parceiros
históricos como México e Canadá.
As idas e vindas dos Estados Unidos nessa
seara ampliaram as incertezas no cenário global. Entre a reunião da
quarta-feira da semana passada e a divulgação da ata da reunião na terça-feira
passada, Estados Unidos e China anunciaram uma trégua. Pelos próximos 90 dias,
os Estados Unidos reduzirão as taxas sobre as importações chinesas de 145% para
30%, enquanto a China cortará o imposto sobre produtos norte-americanos de 125%
para 10%.
Até agora, a bagunça promovida por Trump
contribuiu para desvalorizar o dólar e, consequentemente, valorizar o real, o
que fez com que o câmbio voltasse a ser cotado a níveis próximos de R$ 5,60, o
que não ocorria há sete meses. Um câmbio mais valorizado ajudaria a conter os
preços e facilitaria o trabalho do Banco Central de conduzir a inflação à meta
de 3%.
Por outro lado, o acordo entre as duas
potências reduz as apostas de que os Estados Unidos enfrentarão uma
estagflação, ou seja, um misto de recessão econômica com inflação elevada, e
tende a valorizar o dólar ante outras moedas, inclusive a brasileira. O cenário
também diminui as chances de uma redução nos preços das commodities em razão da
menor demanda da China, e manteria sob pressão a inflação, em particular a de
alimentos.
Como há dúvidas sobre a perenidade desse
acerto, o BC está correto ao manter suas cartas na manga até a próxima reunião
do Copom, nos dias 17 e 18 de junho. Internamente, a inflação e seus núcleos
permanecem acima da meta. Alguns indicadores, no entanto, apontam para uma
desaceleração da atividade econômica, como sondagens empresariais, balanços de
empresas e mercado de trabalho.
Ainda assim, o governo de Lula da Silva
continua a dar trabalho ao Banco Central. No mercado de crédito, quando os
juros mais altos começavam a conter a demanda em algumas linhas direcionadas a
pessoas físicas, o Executivo decidiu lançar o crédito consignado privado para
trabalhadores com carteira assinada. Para o Copom, é cedo para estimar o
impacto do programa na economia, mas é possível que haja uma alteração
estrutural no mercado de crédito. Se esse for o caso, a medida também terá de
ser incorporada nos cenários com os quais o BC trabalha para definir os juros.
Por mais que o governo negue, a política
fiscal tem causado um “estímulo significativo” na economia nos últimos anos,
segundo o Copom. E como não há nenhuma esperança de que o governo tire o pé do
acelerador até a eleição do ano que vem, tampouco há razões para acreditar que
a taxa básica de juros possa cair significativamente até lá.
O grande legado de Mujica
O Estado de S. Paulo
Ex-presidente do Uruguai provou que é
possível fazer política íntegra na América Latina
“Na política internacional não servimos nem o
café. Temos de nos unir para nos defendermos, mas a agenda nacional nos suga o
tempo todo.” Esse foi o diagnóstico sobre a América Latina que José “Pepe”
Mujica, ex-presidente do Uruguai, fez ao jornal El País no ano
passado. Na ocasião, Mujica lembrou que nem durante a pandemia os presidentes
latino-americanos se reuniram, a despeito de enfrentarem uma crise que não
conhecia fronteiras.
Em uma região marcada pela desunião crônica,
Mujica, que morreu anteontem, aos 89 anos, foi quase uma unanimidade. O
uruguaio foi um dos poucos líderes políticos do mundo a ser respeitado até por
adversários por praticar o que pregava, algo raro na esquerda e na direita
globais.
A transparência de Mujica sobre seu estado de
saúde, por si só, já o distingue de seus pares. Além de não esconder o câncer
no esôfago, o uruguaio jamais instrumentalizou a doença para obter ganhos de
qualquer natureza, encarando a morte como um fato da vida com extrema dignidade
pessoal.
Como presidente do Uruguai (2010 a 2015),
quando foi tido como o mandatário “mais pobre do mundo”, Mujica ganhou
notoriedade por dispensar o palácio presidencial e seguir morando em sua
modesta propriedade rural nas cercanias de Montevidéu, a mesma onde morreu. A
austeridade do uruguaio, ao contrário da de políticos que se “banham de povo”
apenas para ganhar votos, era sincera – e por isso se tornou digna de nota.
Na juventude, Mujica foi líder da guerrilha
de esquerda Tupamaros. Entre outras ações, a organização promoveu assaltos e
sequestros, entre outros crimes. Preso, “Pepe” acabou isolado em solitária por
longo período durante a vigência da ditadura militar no Uruguai (1973-1985),
quando foi submetido à tortura.
Com a anistia que se seguiu ao fim da
ditadura, Mujica deixou para trás qualquer vestígio de ressentimento e fundou o
Movimento de Participação Popular (MPP), partido pelo qual foi eleito deputado,
senador e presidente. Ao promover o diálogo entre diferentes, tornou-se uma
referência para a democracia muito além das fronteiras uruguaias.
Inequivocamente esquerdista, Mujica não se
curvou às conveniências ideológicas para deixar de criticar líderes
autoritários, como o venezuelano Nicolás Maduro e o nicaraguense Daniel Ortega,
quando achava que devia fazê-lo. Embora contrário a uma intervenção na
Venezuela, Mujica afirmou ter “uma discordância íntima com regimes
autoritários”, posição bem mais corajosa do que a de Lula da Silva, por
exemplo, que, mesmo diante da patente fraude eleitoral cometida por Maduro, no
ano passado, demorou para fazer comentários críticos sobre o ditador
venezuelano.
Mujica também demonstrou ter mais intimidade
com os reais propósitos do liberalismo – que, segundo ele, “nos trouxe o
espírito das relações adultas, do respeito a viver com diferenças” – do que
líderes pretensamente liberais como Jair Bolsonaro, Javier Milei e Donald
Trump.
Numa região tão marcada pelo populismo e por
governos autoritários, Mujica foi exemplo de liderança política que serve à
promoção do diálogo e à defesa das liberdades cívicas.
Submundo digital é ameaça aos jovens
Correio Braziliense
Um dos reflexos é a elevação na quantidade de
crianças, a partir de 10 anos, e de adolescentes que se suicidaram. Entre 2013
e 2023, 11.494 deles tiraram a própria vida, um aumento de 42,7%.
Ao completar um mês, a morte de Sarah Raíssa
Pereira ainda tem questões a serem respondidas pela polícia — como quem são os
responsáveis pelo sórdido desafio que pode ter tirado a vida de uma menina de
apenas 8 anos —, mas também tem evidenciado a existência de um submundo na
internet que implica os jovens brasileiros de forma perturbadora. Cada vez
mais, eles são vítimas ou protagonistas de redes que lucram livremente com a
disseminação do ódio, o armazenamento e a divulgação de pornografia infantil, a
instigação ao suicídio, entre outras degradações dos direitos humanos.
Um dia depois do enterro de Sarah Raíssa, a
Polícia Federal (PF) desarticulou uma organização "altamente
estruturada", com integrantes em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul, que aliciava vítimas em
grandes plataformas, como Telegram e Discord. Na ocasião, dois adultos
foram presos e sete adolescentes, apreendidos. Um dos jovens é acusado de ter
transmitido ao vivo um ataque com coquetéis molotov, protagonizado por outro
menor de idade, contra um homem em situação de rua. A vítima teve 70% do corpo
queimado, e o crime foi transmitido pelo Discord para 220 pessoas. Na segunda
fase da operação, deflagrada ontem, outros quatro adolescentes foram levados
para prestar esclarecimentos.
Segundo a ONG Safernet, nos dois primeiros
meses de 2025, o número, de denúncias que incentivam a prática de crimes dentro
do Discord, no país, cresceu 172,5%, quando comparado ao mesmo período do ano
passado. A plataforma costuma afirmar ter política de "tolerância
zero" para atividades ilegais, agindo "imediatamente" ao ter
conhecimento delas — por exemplo, derrubando servidores. Demais redes recorrem
à justificativa semelhante quando questionadas sobre esse tipo de crime. Não
basta.
Há um modelo de negócio sustentado por
algoritmos e premiação do engajamento a qualquer custo que precisa ser
extirpado. São pessoas lucrando com ameaças à vida e à dignidade. Senão, o que
justifica a oferta de prêmio de até R$ 200 para jovens se automutilarem ao vivo
para uma plateia remota, como descobriu a PF? A corporação também tem ciência
de pagamentos por meio de Pix e de criptomoedas para aqueles que se submetem
aos desafios — que incluem, ainda, o estupro virtual de meninas —, de que essas
redes criminosas têm conexões internacionais e adotam estratégias próprias para
não serem identificadas — entre elas, o uso de linguagem cifradas e links
divulgados em grupos restritos.
Chegar aos mentores não é tarefa simples.
Como vem sendo defendido neste espaço, passa por medidas que favoreçam a
articulação entre as forças de segurança, a capacitação de agentes públicos, a
atualização do aparato técnico, além de atualizações legais para pôr fim a
brechas que acabam favorecendo a prática de crimes cibernéticos. Nesse sentido,
o amadurecimento do debate sobre a regulação das redes sociais se torna
imprescindível. Enquanto a pauta se limitar à troca de acusações polarizadas
sobre defesa ou ataque à censura, não há espaço para avanços em áreas que
também são estratégicas, como a educação midiática.
Trata-se de desenvolver, em adultos e crianças, a capacidade de identificar os riscos camuflados no ambiente digital: de golpes que levam à perda de patrimônios a desafios que tiram a vida sobretudo dos mais jovens. Ao Correio, Patrícia Blanco, presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta, enfatizou que estes acabam vítimas dos crimes cibernéticos por uma falsa sensação de familiaridade com o ambiente digital. "Apesar de nativas digitais, as crianças são inocentes digitais", reforçou a especialista. Protegê-las, portanto, é medida civilizatória imprescindível.
Taxa de homicídios cai, mas índice ainda é
alto
O Povo
Estados do Sul; São Paulo, Distrito Federal e
Minas Gerais têm os menores índices de homicídios por 100 mil habitantes; os
maiores estão no Norte e Nordeste
O Atlas da Violência 2025, organizado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), traz uma informação que parece
contraditória, vista a crescente sensação de insegurança que acomete os
brasileiros. Divulgado esta semana, o documento registrou 45.747 homicídios em
2023, ante 57.396 em 2013, queda de 20,3%. Se a violência diminui, a sensação
de insegurança não deveria acompanhar a tendência?
Considerando-se as unidades federativas, as
menores taxas de homicídios por 100 mil habitantes estão nos estados do Sul, e
também em São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais. Os maiores índices estão
nas regiões Norte e Nordeste. Porém, no Ceará, a queda foi de 33,1% no período.
É de se lembrar que, mesmo com a redução, o
número absoluto de mortes violentas é chocante, resultando em um índice
inaceitável de mais de 20 crimes letais intencionais por 100 mil habitantes. A
média dos países do G20 é de 5,8. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a
taxa acima de 10 homicídios/100 mil habitantes é considerada epidêmica.
Mas é de se observar também que a redução dos
crimes letais é consistente, não podendo ser atribuída a causas conjunturais.
Seria então que o trabalho dos governos e das polícias promoveram a redução?
Algumas explicações para a queda da violência
constam do relatório produzido pelo FBSP/Ipea. Entre elas, o envelhecimento da
população, que atinge mais o Sul e Sudeste do País; trégua entre as duas
maiores facções criminosas; além de uma "revolução invisível" nas
políticas de segurança pública.
Segundo o entendimento dos organizadores da
pesquisa, o planejamento e o foco no resultado das políticas de segurança
pública também deram a sua contribuição, usando com mais intensidade a
inteligência e as ações de prevenção social.
Essas medidas estariam substituindo a antiga
política baseada unicamente no policiamento ostensivo. O resultado é que foram
observadas redução sistemática de homicídios, há mais de sete anos
consecutivos, em 11 das 27 unidades federativas.
A par de algumas medidas corretas, como
melhorar a atuação das polícias, permanece uma situação preocupante. O
relatório mostra que os negros enfrentam risco 2,7 vezes maior de serem vítimas
de homicídio do que uma pessoa branca. Essa situação persiste a cada pesquisa
divulgada, sem que se apresente uma perspectiva de mudança.
Quanto à sensação de insegurança, citada no primeiro parágrafo, parte, sem dúvida, por ser atribuída às redes sociais, com a circulação maciça de cenas de violência, brigas e mortes, estimulando o medo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, apesar da redução, o índice de violência letal no Brasil continua assustadoramente alto.
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