quinta-feira, 15 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

São lamentáveis manobras para livrar deputados

O Globo

Depois de Ramagem, plano é sustar outras ações no STF — mas Corte cumpre dever ao manter julgamentos

Causa consternação o comportamento dos deputados que ameaçam retaliar o Supremo Tribunal Federal (STF) depois de a Corte ter julgado inconstitucional a manobra para interromper uma ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Na terça-feira, a Câmara apresentou recurso ao STF contra a decisão. Entre os planos desses deputados está a possibilidade de voltar à carga com medida semelhante nos casos dos deputados Carla Zambelli (PL-SP) e Juscelino Filho (União-MA).

Ramagem é acusado de tentativa de golpe de Estado num processo em que também é réu o ex-presidente Jair Bolsonaro. Por 315 votos a 143, a Câmara aprovou na semana passada a suspensão da ação penal, alegando imunidade parlamentar. Por uma omissão oportunista, que beneficia os demais réus, o texto não especificou que a decisão se referia apenas a Ramagem. No recurso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enfatizou que o pedido trata exclusivamente dele e pediu cisão do processo. E disse esperar que os votos dos 315 deputados sejam “respeitados”.

Para proteger deputados e senadores do uso político da Justiça, a Constituição lhes garante imunidade de julgamentos durante o mandato para crimes praticados depois da diplomação. Quando o STF aceita denúncia, o processo pode ser interrompido pelo voto da maioria da Câmara ou do Senado. Mas há restrições para evitar abusos. A primeira — e óbvia — é que a regra se restringe a parlamentares. Não há, portanto, nenhum amparo constitucional para a tentativa de livrar Bolsonaro e os demais réus. A segunda restrição é que crimes cometidos antes ou depois do mandato podem e devem ser julgados normalmente. Na interpretação do relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), porém, os atos de Ramagem anteriores à diplomação tiveram caráter “permanente”, por terem se prolongado depois da posse. Não faz sentido.

Como era esperado, a Primeira Turma do STF, ao examinar a decisão da Câmara, decidiu por unanimidade suspender a tramitação apenas das acusações contra Ramagem relativas a fatos posteriores à diplomação. Foram sustadas as relativas a 8 de janeiro de 2023 (dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado), mas foi mantido o julgamento pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado.

Agora deputados ameaçam suspender o julgamento dos recursos de Zambelli na Primeira Turma, onde ela foi condenada ontem a dez anos de prisão e perda de mandato pela invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Outra ameaça é suspender qualquer denúncia por desvios em emendas apresentada contra o ex-ministro Juscelino Filho, cujo processo foi suspenso pelo ministro Flávio Dino.

Em qualquer democracia, e a brasileira não é exceção, o Legislativo não tem direito de passar por cima da Constituição. Era do conhecimento de todos os que votaram a favor da suspensão da ação penal que tal aberração jamais prosperaria. Garantir o cumprimento do texto constitucional é dever do Supremo, e a separação entre Poderes é cláusula pétrea. Para que o Brasil se vacine contra novas tentativas de golpe, os denunciados pelo que aconteceu em 2022 e 2023 devem ser julgados, e os culpados condenados. Promover um clima de disputa entre Poderes é um desserviço à democracia.

Operação contra tráfico revela valor da inteligência nas investigações

O Globo

Polícia apreendeu arsenal com 43 mil cartuchos e 240 armas a partir de caderno com números de telefone

Na Operação Contenção, ação conjunta da Polícia Civil do Rio de Janeiro e do Ministério Público realizada também nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Rondônia, os policiais apreenderam 43 mil cartuchos de munição e 240 armas. Desse arsenal, 16 fuzis e 20 pistolas estavam numa casa na Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio onde a operação visitou dois condomínios de alto padrão. A ação comprova não apenas que o crime organizado há muito tempo se expandiu para além das favelas, mas sobretudo que combatê-lo exige integração entre órgãos de segurança, planejamento e investigações baseadas em dados e inteligência.

Tudo começou na apuração da invasão de uma delegacia em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, por traficantes, para resgatar um criminoso preso. As investigações conduziram à prisão em flagrante, numa favela da Baixada, de três suspeitos de integrar a organização criminosa Comando Vermelho (CV). Com eles havia um caderno repleto de números de telefones. Foi a semente de um trabalho exaustivo envolvendo quebra de sigilos de comunicação, relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e até o apoio da agência que trata de crimes e ameaças transnacionais nos Estados Unidos. Ao final, estava mapeado um esquema de compra de drogas e armamentos pelo CV. Para tentar ludibriar a polícia e o Coaf, os traficantes fracionavam os pagamentos realizados por meio de Pix. Em seu relatório final, a polícia pede o bloqueio de R$ 40 milhões e o Ministério Público a prisão de 22 denunciados.

Um dos investigados faz parte de um grupo de traficantes de outros estados que foram para o Rio em busca de refúgio e treinamento. Um deles passou meses no Complexo do Alemão, subiu na hierarquia da facção criminosa e é dono de um fuzil capaz de abater helicóptero. Continua foragido, mas foi por meio do rastreamento dele que a polícia chegou ao dono de uma loja de armas em São Paulo, registrado como colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC), com acesso legal a armas e munições. A análise de dados do Coaf revelou que, também presidente de um clube de tiro, usava suas empresas para abastecer traficantes. Há registro do recebimento de R$ 1,6 milhão pela venda de carregadores e munição. Outro dos presos, acusado de transferir dinheiro em troca das armas, comprou um imóvel na Barra da Tijuca por R$ 9 milhões e, seis meses depois, repassou a um filho por R$ 500 mil, negócio que, segundo a polícia, caracteriza lavagem de dinheiro.

“Toda operação é lícita até um determinado momento em que entra na ilegalidade”, diz o delegado Carlos Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional. A investigação mostra como, para combater o crime organizado, se tornou fundamental esmiuçar esse “mercado cinza”. As informações e conexões desbaratadas pela polícia por meio do uso da inteligência se revelam muito mais eficazes que as operações violentas, em geral realizadas sem nenhum planejamento.

Questões estruturais inibem maior queda da desigualdade

Valor Econômico

A redução da desigualdade, um objetivo civilizatório fundamental, não se sustentará nas atuais bases de aumento de gastos

O aquecimento do mercado de trabalho e das políticas de benefícios sociais nos últimos anos reduziu a desigualdade a seu menor nível desde 2012, embora ela continue obscenamente alta. A Pnad Contínua de 2024, do IBGE, mostrou indicadores em patamar recorde da série histórica, como o rendimento médio mensal de todas as fontes e de todos os trabalhos, o rendimento médio mensal domiciliar per capita e a massa de rendimentos do trabalho e domiciliar per capita. O desafio é manter e ampliar essas conquistas.

O tradicional índice de Gini, que indica maior desigualdade quanto mais perto de 1 estiver, reflete a melhoria. No caso do rendimento domiciliar per capita, de R$ 2.020 no ano passado, o índice voltou a cair para 0,506, após ter ficado estável em 2022 e 2023. O índice de Gini do trabalho recuou para 0,488, segundo menor da série. Com 39,8% da massa total de rendimentos do país, os 10% mais ricos ficaram com 13,4 vezes mais recursos do que os 40% mais pobres, ligeiramente menos do que as 14,4 vezes de 2023 e a menor proporção desde 2012. Já o grupo do 1% mais rico deteve massa de rendimentos 36,2 vezes maior do que a dos 40% mais pobres, também a menor da série histórica.

A melhoria da renda do brasileiro se tornou mais significativa na saída da pandemia, como também mostrou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O IDH referente a 2023 colocou o Brasil em 84º lugar em uma lista de 193 países, cinco posições à frente do ranking do ano anterior. Com essa posição, o Brasil entra para o grupo de países com IDH considerado alto pelo Pnud.

O aumento da renda e a melhoria da saúde explicam o avanço do IDH no Brasil. Calculada pela paridade do poder de compra, usado pelo Banco Mundial, a renda per capita do brasileiro subiu de US$ 17.594 em 2022 para US$ 18.011 em 2023. O IDH do Brasil somente não avançou mais por conta da estagnação na educação. A expectativa de escolaridade do brasileiro continuou em 15,8 anos, o mesmo nível desde 2020; e a escolaridade média da população ficou em 8,4 anos, estagnada pelo terceiro ano consecutivo.

A expansão dos programas sociais e o mercado de trabalho mais dinâmico foram os principais fatores que contribuíram para o avanço do IDH assim como para a redução da desigualdade. Os desembolsos dos programas sociais cresceram muito a partir da pandemia, quando o Bolsa Família foi transformado em Auxílio Brasil, com aumento dos valores concedidos e do número de famílias beneficiadas. O auxílio foi turbinado em plena campanha de Jair Bolsonaro, passando de R$ 400 para R$ 600. No governo Lula, o programa voltou a ser chamado de Bolsa Família.

A renda média garantida por esses programas avançou 72,7% entre 2019 e 2024, de R$ 484 para R$ 836, o maior valor até hoje registrado. A parcela da população beneficiada saltou de 6,3% em 2019 para o recorde de 9,2% em 2024, totalizando pouco mais de 20 milhões de famílias, segundo a Pnad Contínua. A participação dos programas sociais no rendimento domiciliar per capita mais do que dobrou, de 1,7% antes da pandemia para 3,8%. O percentual de domicílios com algum beneficiário do Bolsa Família atingiu 18,7% em 2024, acima dos 14,3% de 2019.

Outros programas sociais ganharam espaço. Os domicílios com favorecidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) aumentaram de 3,5% do total em 2019 para 5% em 2024, o maior patamar da série histórica. O percentual de domicílios que recebem o Bolsa Família foi recorde em 2023, 19% do total - mais de 20 milhões de famílias, ou 52,8 milhões de pessoas. No total de programas sociais, há concentração nos Estados do Norte e do Nordeste, onde o percentual de beneficiados é até o dobro da média nacional.

A desigualdade também diminuiu com a redução do desemprego. Em 2024, houve aumento da população com rendimento (143,4 milhões) e da população com rendimento habitual do trabalho (101,9 milhões). A participação do trabalho chegou a três quartos na composição do rendimento domiciliar per capita.

Quanto menor a desigualdade, maiores são as chances de crescimento e bem-estar econômico. No Brasil, a melhoria recente ocorreu em grande parte porque mais dinheiro foi dado pelo Estado aos mais pobres, e a um maior número deles. A política de aumento real do salário mínimo contribuiu para manter a economia aquecida e o desemprego baixo. O resultado é que o déficit público deu um salto, ameaça a solvência do país, enquanto a inflação atingiu nível desconfortável e reluta em recuar. O governo estimula novos programas de crédito e quer reduzir o imposto de renda de dois terços dos contribuintes.

A redução da desigualdade, um objetivo civilizatório fundamental, não se sustentará nessas bases. O Estado perderá a capacidade de realizar políticas sociais e até mesmo de desempenhar suas funções básicas por falta de recursos, gastos inclusive em juros assombrosos pagos para impulsionar uma economia que cresce pouco e, ainda assim, acima do seu potencial. Resultados meritórios sobre a desigualdade são, infelizmente, efêmeros.

Alta de juros se aproxima do fim sem domar expectativas

Folha de S. Paulo

Inflação projetada estoura teto em 4 dos últimos 5 anos, o que compromete a credibilidade da política monetária

Divulgada nesta semana, a ata da reunião do Banco Central que elevou os juros a 14,75% ao ano repete por 17 vezes, ao longo de sete páginas, a palavra "incerteza" e suas variações —9 vezes num único parágrafo sobre a conjuntura internacional e o impacto da ofensiva protecionista de Donald Trump.

Não se pode negar que os acontecimentos corroboram a insistência retórica do BC. Nos poucos dias entre a deliberação do Comitê de Política Monetária (Copom) e a publicação da ata, o mandatário americano promoveu nova reviravolta em sua guerra comercial, desta vez um entendimento com a China para uma trégua de 90 dias em que as tarifas de importação serão reduzidas.

O documento do Copom, portanto, já veio ao mundo desatualizado —embora o mundo não tenha se tornado menos incerto.

Ao decidir elevar os juros, mas indicando que está próximo o fim do ciclo de alta iniciado em setembro do ano passado, o BC levou em consideração que as políticas tresloucadas de Trump haviam produzido uma queda do dólar, o que reduz a pressão inflacionária aqui. A cotação da moeda americana, afinal, tem impacto direto nos preços de importados e de commodities.

De modo menos imediato, uma desaceleração ou mesmo recessão econômica na maior potência global pode ter reflexos na atividade das demais regiões, o que também facilitaria, ao menos em tese, a tarefa de conter o IPCA.

Assim também avaliam 63% dos economistas que responderam ao questionário encaminhado pelo BC antes do encontro do Copom. Para outros 23%, o impacto da guerra comercial será neutro, enquanto 14% creem que ele será inflacionário.

Talvez os verbos devessem estar no passado, dada a euforia imediata que se seguiu à trégua entre os Estados Unidos e a China —e sabe-se lá se trégua e euforia serão duradouras.

De mais certo, pode-se afirmar que a brutal elevação da Selic, até aqui de 4,25 pontos percentuais, vai chegando ao fim sem ter sido capaz de domar ao menos as expectativas de inflação.

Para este ano, as projeções do IPCA rondam os 5,5%, acima da meta de 3% e do teto de 4,5%. A se confirmar tal cenário, o limite terá sido descumprido em 4 dos últimos 5 anos, o que pode ser compreensível nas circunstâncias, mas decerto não favorece a credibilidade da política monetária. Para 2026, estimam-se 4,5%.

No regime de metas, como se sabe, é a confiança nos objetivos fixados que leva empresários e trabalhadores a moderarem seus preços e demandas, num círculo virtuoso que reduz os custos do controle inflacionário.

Outra certeza é que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se disporá a ajudar o BC com ajustes em sua insustentável política de expansão dos gastos públicos, ao menos até o desfecho das eleições —o que significa juros altos por mais tempo, mais dívida pública e um início amargo para a próxima administração.

Pepe Mujica entendeu que democracia é valor central

Folha de S. Paulo

Trajetória do presidente uruguaio morto nesta terça infelizmente não inspirou a esquerda no Brasil, que adula autocratas

As homenagens que se seguiram à morte, aos 89 anos, de José Pepe Mujica, presidente do Uruguai de 2015 a 2020, denotam que se foi um tipo muito especial de líder político, singelo em grau monástico nos hábitos pessoais, tão firme nas convicções quanto consciente das limitações e das virtudes da política e sobretudo propagador do valor central da democracia.

A trajetória de Mujica gravou no seu corpo e na sua memória as marcas da violência política que grassou na América do Sul na segunda metade do século 20. Ingressou no grupo guerrilheiro esquerdista Tupamaro nos anos 1960, ainda antes de o Uruguai converter-se numa ditadura.

Preso em 1972, passou os 13 anos seguintes no cárcere, submetido a torturas e a um prolongado período em solitária. Libertado no colapso do regime autoritário, entrou na política partidária nas fileiras da Frente Ampla, que uniu militantes da esquerda moderada à radical.

Vinte anos se passariam até que a coalizão conquistasse a Presidência, com Tabaré Vázquez. Mujica sucedeu o correligionário em 2010 e foi pelo mesmo Tabaré sucedido em 2015. Até certo ponto, o pequeno país de 3,5 milhões de habitantes se embalava na vaga esquerdista que então prevalecia na América do Sul.

Havia no entanto algo diferente na esquerda uruguaia em relação às que governavam Brasil, ArgentinaBolíviaEquador e Venezuela à época. Mujica e seus colegas —e também os progressistas do Chile— haviam aprendido duas lições até hoje ignoradas pelos seus demais pares continentais.

A primeira delas diz respeito à condução responsável da economia e das contas públicas. Uruguai e Chile atravessaram o período sem apelar para demagogias inflacionárias e intervencionistas tão em voga na região. Não por acaso, são os países sul-americanos mais ricos considerando-se a renda per capita.

A segunda lição, que uruguaios e chilenos de esquerda também compartilham, é não relativizar a democracia. Foi Mujica, com sua serenidade, um dos primeiros a tentar abrir os olhos de seus colegas regionais para a deriva autoritária do chavismo na Venezuela e de Ortega na Nicarágua.

Pepe Mujica mostrou que não é preciso adular autocratas amigos, como Luiz Inácio Lula da Silva acaba de fazer com Vladimir Putin, para cumprir a agenda da esquerda moderna. Aprovou legislações liberais para o consumo da maconha e o aborto que não foram revertidas por governantes conservadores que o sucederam. É um colosso de legado que não deveria ser esquecido.

A má-fé ‘estratégica’ de Lula em Pequim

O Estado de S. Paulo

Visita à China rendeu acordos e investimentos bilionários, mas expôs os vícios ideológicos de Lula: empregar a cooperação comercial como pretexto para o alinhamento geopolítico

A visita do presidente Lula da Silva à China foi marcada por anúncios comerciais relevantes: a promessa de R$ 27 bilhões em investimentos, acordos nas áreas de semicondutores, energia e infraestrutura, além da abertura de mercado para produtos do agro brasileiro. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, e encontros de alto nível são cruciais a uma estratégia de inserção internacional. Nesse sentido, a passagem de Lula por Pequim não pode ser confundida com sua aparição na Praça Vermelha ao lado de Vladimir Putin e seus comparsas ditadores – um episódio que manchou a diplomacia brasileira associando-a a uma celebração imperialista em meio à agressão à Ucrânia.

No entanto, é precisamente pela relevância da relação com a China que se exige do chefe de Estado brasileiro uma conduta madura, guiada por interesses nacionais, e não fetiches ideológicos. Lula, mais uma vez, falhou nesse teste. Sua visita foi marcada por declarações e gestos que extrapolam a esfera da cooperação pragmática e o colocam como entusiasta de uma aproximação geopolítica com a China, inspirada por motivações partidárias, em detrimento da equidistância diplomática característica do Itamaraty.

A afinidade do lulopetismo com o regime chinês e outras experiências autocráticas não é nova. Mas, na atual conjuntura, ela se torna ainda mais preocupante. Reiteradamente, Lula tem feito provocações gratuitas aos EUA, como quando declarou, aludindo às políticas tarifárias de Donald Trump, que Brasil e China estão “determinados a unir suas vozes contra o protecionismo e o unilateralismo”, como se ambos os países fossem baluartes do livre comércio. O petista foi além, ao comparar suas vitórias eleitorais à revolução comunista de 1949, violentando, por ignorância ou má-fé, o fato histórico de que os avanços socioeconômicos da China vieram da ruptura com a tirania homicida de Mao Tsé-tung e da liberalização do mercado sob Deng Xiaoping. O constrangedor episódio em que a primeira-dama Janja da Silva interpelou Xi Jinping, sugerindo enviesamento do TikTok contra a esquerda, é um emblema caricato desse voluntarismo trapalhão que permeia a diplomacia presidencial.

Lula disfarça seu alinhamento a Pequim sob o manto de um pragmatismo virtuoso: garantir investimentos e acesso ao mercado chinês. É uma inversão da realidade. A verdade é que Lula utiliza os negócios como pretexto para satisfazer suas inclinações ideológicas e ambições pessoais. O comércio Brasil-China cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas sob governos de diferentes matizes, inclusive sob Jair Bolsonaro e suas invectivas contra Pequim. Além disso, países como EUA, Índia, Japão e até Taiwan mantêm com a China relações comerciais robustas, a despeito de profundas rivalidades geopolíticas. A Índia, aliás, é exemplo de pragmatismo que o Brasil faria bem em emular: coopera com a China quando lhe convém, mas preserva sua soberania estratégica e não se alinha automaticamente a nenhum polo.

O Brasil não precisa bajular ditaduras para vender soja, carne ou minério. Acima de tudo, não precisa recorrer ao ditador Xi Jinping para discutir a regulação das redes sociais, como fez Lula de forma desconcertante, desdenhando dos princípios constitucionais de liberdade de expressão e separação entre os Poderes.

Diante da polarização entre China e EUA, o Brasil tem todas as condições de adotar uma postura independente e propositiva. Nosso histórico pacífico, a qualidade de nossos quadros diplomáticos, nossa importância ambiental e o peso de nossa economia nos conferem credenciais para atuar como voz moderadora e construtiva. Mas, para isso, é necessário que a diplomacia sirva ao interesse do Estado brasileiro – não às idiossincrasias de um líder obcecado por glórias internacionais.

Lula, em vez de liderar o Brasil com sobriedade em um mundo multipolar, arrisca transformá-lo em satélite de uma autocracia. Ao fazê-lo, trai a tradição do Itamaraty, pisoteia valores inscritos na Constituição, como a primazia da democracia e dos direitos humanos, e arrisca alienar parceiros do Ocidente. Os negócios com a China são bem-vindos. A subserviência, não.

Juros altos por muito tempo

O Estado de S. Paulo

Com incertezas causadas pela guerra comercial dos EUA e pela política fiscal do governo Lula, Banco Central deixa próximos passos em aberto e indica que Selic não cairá tão cedo

Após elevar a taxa básica de juros ao maior nível desde 2006, o Comitê de Política Monetária (Copom) deu alguns sinais de que pode interromper o ciclo de alta iniciado no ano passado, que levou a Selic a 14,75% ao ano. A ata da reunião realizada na semana passada deixou em aberto a possibilidade de aumento dos juros em mais 0,25 ponto porcentual, mas, para a maioria dos analistas do mercado financeiro, o Banco Central (BC) parece mais inclinado a deixar os juros onde estão por bastante tempo do que a ampliar o aperto monetário.

Muita coisa mudou desde setembro de 2024, quando o BC aumentou a Selic em 0,25 ponto porcentual, de 10,50% para 10,75% ao ano. Era a primeira vez que a autoridade monetária elevava os juros no governo de Lula da Silva. À época, o Copom reconheceu que a economia crescia acima de sua capacidade, admitiu que havia mais chances de que a inflação subisse do que caísse e mencionou a política fiscal expansionista do Executivo como um dos fatores a incentivar o consumo e a demanda agregada.

Sobre os Estados Unidos, a expectativa do Copom era de uma desaceleração gradual e ordenada da economia, cenário que mudou de maneira drástica após a eleição de Donald Trump. Ninguém, à época, poderia imaginar que uma das economias mais beneficiadas pela globalização adotaria uma agressiva política comercial, sem poupar nem mesmo parceiros históricos como México e Canadá.

As idas e vindas dos Estados Unidos nessa seara ampliaram as incertezas no cenário global. Entre a reunião da quarta-feira da semana passada e a divulgação da ata da reunião na terça-feira passada, Estados Unidos e China anunciaram uma trégua. Pelos próximos 90 dias, os Estados Unidos reduzirão as taxas sobre as importações chinesas de 145% para 30%, enquanto a China cortará o imposto sobre produtos norte-americanos de 125% para 10%.

Até agora, a bagunça promovida por Trump contribuiu para desvalorizar o dólar e, consequentemente, valorizar o real, o que fez com que o câmbio voltasse a ser cotado a níveis próximos de R$ 5,60, o que não ocorria há sete meses. Um câmbio mais valorizado ajudaria a conter os preços e facilitaria o trabalho do Banco Central de conduzir a inflação à meta de 3%.

Por outro lado, o acordo entre as duas potências reduz as apostas de que os Estados Unidos enfrentarão uma estagflação, ou seja, um misto de recessão econômica com inflação elevada, e tende a valorizar o dólar ante outras moedas, inclusive a brasileira. O cenário também diminui as chances de uma redução nos preços das commodities em razão da menor demanda da China, e manteria sob pressão a inflação, em particular a de alimentos.

Como há dúvidas sobre a perenidade desse acerto, o BC está correto ao manter suas cartas na manga até a próxima reunião do Copom, nos dias 17 e 18 de junho. Internamente, a inflação e seus núcleos permanecem acima da meta. Alguns indicadores, no entanto, apontam para uma desaceleração da atividade econômica, como sondagens empresariais, balanços de empresas e mercado de trabalho.

Ainda assim, o governo de Lula da Silva continua a dar trabalho ao Banco Central. No mercado de crédito, quando os juros mais altos começavam a conter a demanda em algumas linhas direcionadas a pessoas físicas, o Executivo decidiu lançar o crédito consignado privado para trabalhadores com carteira assinada. Para o Copom, é cedo para estimar o impacto do programa na economia, mas é possível que haja uma alteração estrutural no mercado de crédito. Se esse for o caso, a medida também terá de ser incorporada nos cenários com os quais o BC trabalha para definir os juros.

Por mais que o governo negue, a política fiscal tem causado um “estímulo significativo” na economia nos últimos anos, segundo o Copom. E como não há nenhuma esperança de que o governo tire o pé do acelerador até a eleição do ano que vem, tampouco há razões para acreditar que a taxa básica de juros possa cair significativamente até lá.

O grande legado de Mujica

O Estado de S. Paulo

Ex-presidente do Uruguai provou que é possível fazer política íntegra na América Latina

“Na política internacional não servimos nem o café. Temos de nos unir para nos defendermos, mas a agenda nacional nos suga o tempo todo.” Esse foi o diagnóstico sobre a América Latina que José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, fez ao jornal El País no ano passado. Na ocasião, Mujica lembrou que nem durante a pandemia os presidentes latino-americanos se reuniram, a despeito de enfrentarem uma crise que não conhecia fronteiras.

Em uma região marcada pela desunião crônica, Mujica, que morreu anteontem, aos 89 anos, foi quase uma unanimidade. O uruguaio foi um dos poucos líderes políticos do mundo a ser respeitado até por adversários por praticar o que pregava, algo raro na esquerda e na direita globais.

A transparência de Mujica sobre seu estado de saúde, por si só, já o distingue de seus pares. Além de não esconder o câncer no esôfago, o uruguaio jamais instrumentalizou a doença para obter ganhos de qualquer natureza, encarando a morte como um fato da vida com extrema dignidade pessoal.

Como presidente do Uruguai (2010 a 2015), quando foi tido como o mandatário “mais pobre do mundo”, Mujica ganhou notoriedade por dispensar o palácio presidencial e seguir morando em sua modesta propriedade rural nas cercanias de Montevidéu, a mesma onde morreu. A austeridade do uruguaio, ao contrário da de políticos que se “banham de povo” apenas para ganhar votos, era sincera – e por isso se tornou digna de nota.

Na juventude, Mujica foi líder da guerrilha de esquerda Tupamaros. Entre outras ações, a organização promoveu assaltos e sequestros, entre outros crimes. Preso, “Pepe” acabou isolado em solitária por longo período durante a vigência da ditadura militar no Uruguai (1973-1985), quando foi submetido à tortura.

Com a anistia que se seguiu ao fim da ditadura, Mujica deixou para trás qualquer vestígio de ressentimento e fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), partido pelo qual foi eleito deputado, senador e presidente. Ao promover o diálogo entre diferentes, tornou-se uma referência para a democracia muito além das fronteiras uruguaias.

Inequivocamente esquerdista, Mujica não se curvou às conveniências ideológicas para deixar de criticar líderes autoritários, como o venezuelano Nicolás Maduro e o nicaraguense Daniel Ortega, quando achava que devia fazê-lo. Embora contrário a uma intervenção na Venezuela, Mujica afirmou ter “uma discordância íntima com regimes autoritários”, posição bem mais corajosa do que a de Lula da Silva, por exemplo, que, mesmo diante da patente fraude eleitoral cometida por Maduro, no ano passado, demorou para fazer comentários críticos sobre o ditador venezuelano.

Mujica também demonstrou ter mais intimidade com os reais propósitos do liberalismo – que, segundo ele, “nos trouxe o espírito das relações adultas, do respeito a viver com diferenças” – do que líderes pretensamente liberais como Jair Bolsonaro, Javier Milei e Donald Trump.

Numa região tão marcada pelo populismo e por governos autoritários, Mujica foi exemplo de liderança política que serve à promoção do diálogo e à defesa das liberdades cívicas.

Submundo digital é ameaça aos jovens

Correio Braziliense

Um dos reflexos é a elevação na quantidade de crianças, a partir de 10 anos, e de adolescentes que se suicidaram. Entre 2013 e 2023, 11.494 deles tiraram a própria vida, um aumento de 42,7%.

Ao completar um mês, a morte de Sarah Raíssa Pereira ainda tem questões a serem respondidas pela polícia — como quem são os responsáveis pelo sórdido desafio que pode ter tirado a vida de uma menina de apenas 8 anos —, mas também tem evidenciado a existência de um submundo na internet que implica os jovens brasileiros de forma perturbadora. Cada vez mais, eles são vítimas ou protagonistas de redes que lucram livremente com a disseminação do ódio, o armazenamento e a divulgação de pornografia infantil, a instigação ao suicídio, entre outras degradações dos direitos humanos.

Um dia depois do enterro de Sarah Raíssa, a Polícia Federal (PF) desarticulou uma organização "altamente estruturada", com integrantes em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul, que aliciava vítimas em grandes plataformas, como Telegram e Discord.  Na ocasião, dois adultos foram presos e sete adolescentes, apreendidos. Um dos jovens é acusado de ter transmitido ao vivo um ataque com coquetéis molotov, protagonizado por outro menor de idade, contra um homem em situação de rua. A vítima teve 70% do corpo queimado, e o crime foi transmitido pelo Discord para 220 pessoas. Na segunda fase da operação, deflagrada ontem, outros quatro adolescentes foram levados para prestar esclarecimentos.

Segundo a ONG Safernet, nos dois primeiros meses de 2025, o número, de denúncias que incentivam a prática de crimes dentro do Discord, no país, cresceu 172,5%, quando comparado ao mesmo período do ano passado. A plataforma costuma afirmar ter política de "tolerância zero" para atividades ilegais, agindo "imediatamente" ao ter conhecimento delas — por exemplo, derrubando servidores. Demais redes recorrem à justificativa semelhante quando questionadas sobre esse tipo de crime. Não basta. 

Há um modelo de negócio sustentado por algoritmos e premiação do engajamento a qualquer custo que precisa ser extirpado. São pessoas lucrando com ameaças à vida e à dignidade. Senão, o que justifica a oferta de prêmio de até R$ 200 para jovens se automutilarem ao vivo para uma plateia remota, como descobriu a PF? A corporação também tem ciência de pagamentos por meio de Pix e de criptomoedas para aqueles que se submetem aos desafios — que incluem, ainda, o estupro virtual de meninas —, de que essas redes criminosas têm conexões internacionais e adotam estratégias próprias para não serem identificadas — entre elas, o uso de linguagem cifradas e links divulgados em grupos restritos.

Chegar aos mentores não é tarefa simples. Como vem sendo defendido neste espaço, passa por medidas que favoreçam a articulação entre as forças de segurança, a capacitação de agentes públicos, a atualização do aparato técnico, além de atualizações legais para pôr fim a brechas que acabam favorecendo a prática de crimes cibernéticos. Nesse sentido, o amadurecimento do debate sobre a regulação das redes sociais se torna imprescindível. Enquanto a pauta se limitar à troca de acusações polarizadas sobre defesa ou ataque à censura, não há espaço para avanços em áreas que também são estratégicas, como a educação midiática. 

Trata-se de desenvolver, em adultos e crianças, a capacidade de identificar os riscos camuflados no ambiente digital: de golpes que levam à perda de patrimônios a desafios que tiram a vida sobretudo dos mais jovens. Ao Correio, Patrícia Blanco, presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta, enfatizou que estes acabam vítimas dos crimes cibernéticos por uma falsa sensação de familiaridade com o ambiente digital. "Apesar de nativas digitais, as crianças são inocentes digitais", reforçou a especialista. Protegê-las, portanto, é medida civilizatória imprescindível.

Taxa de homicídios cai, mas índice ainda é alto

O Povo

Estados do Sul; São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais têm os menores índices de homicídios por 100 mil habitantes; os maiores estão no Norte e Nordeste

O Atlas da Violência 2025, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), traz uma informação que parece contraditória, vista a crescente sensação de insegurança que acomete os brasileiros. Divulgado esta semana, o documento registrou 45.747 homicídios em 2023, ante 57.396 em 2013, queda de 20,3%. Se a violência diminui, a sensação de insegurança não deveria acompanhar a tendência?

Considerando-se as unidades federativas, as menores taxas de homicídios por 100 mil habitantes estão nos estados do Sul, e também em São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais. Os maiores índices estão nas regiões Norte e Nordeste. Porém, no Ceará, a queda foi de 33,1% no período.

É de se lembrar que, mesmo com a redução, o número absoluto de mortes violentas é chocante, resultando em um índice inaceitável de mais de 20 crimes letais intencionais por 100 mil habitantes. A média dos países do G20 é de 5,8. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa acima de 10 homicídios/100 mil habitantes é considerada epidêmica.

Mas é de se observar também que a redução dos crimes letais é consistente, não podendo ser atribuída a causas conjunturais. Seria então que o trabalho dos governos e das polícias promoveram a redução?

Algumas explicações para a queda da violência constam do relatório produzido pelo FBSP/Ipea. Entre elas, o envelhecimento da população, que atinge mais o Sul e Sudeste do País; trégua entre as duas maiores facções criminosas; além de uma "revolução invisível" nas políticas de segurança pública.

Segundo o entendimento dos organizadores da pesquisa, o planejamento e o foco no resultado das políticas de segurança pública também deram a sua contribuição, usando com mais intensidade a inteligência e as ações de prevenção social.

Essas medidas estariam substituindo a antiga política baseada unicamente no policiamento ostensivo. O resultado é que foram observadas redução sistemática de homicídios, há mais de sete anos consecutivos, em 11 das 27 unidades federativas.

A par de algumas medidas corretas, como melhorar a atuação das polícias, permanece uma situação preocupante. O relatório mostra que os negros enfrentam risco 2,7 vezes maior de serem vítimas de homicídio do que uma pessoa branca. Essa situação persiste a cada pesquisa divulgada, sem que se apresente uma perspectiva de mudança.

Quanto à sensação de insegurança, citada no primeiro parágrafo, parte, sem dúvida, por ser atribuída às redes sociais, com a circulação maciça de cenas de violência, brigas e mortes, estimulando o medo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, apesar da redução, o índice de violência letal no Brasil continua assustadoramente alto.


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