segunda-feira, 5 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É preciso sabedoria ao tirar proveito do avanço da China

O Globo

Investimento chinês bate recorde, e país responde por 41% do superávit brasileiro. Risco é criar dependência

É crescente a importância global da China — e ela só tende a aumentar com o isolacionismo dos Estados Unidos sob Donald Trump. É essencial, portanto, que o Brasil tenha uma estratégia para lidar com seu maior parceiro comercial, de que se torna a cada dia mais dependente como fonte de investimentos e destino de exportações. Há, em virtude da guinada na política externa americana, clara intenção chinesa de aprofundar as relações com países latino-americanos. É uma situação que exigirá da nossa diplomacia sabedoria para aproveitar as oportunidades e evitar as armadilhas.

Em 2024, o Brasil obteve superávit comercial de US$ 30,8 bilhões com a China (US$ 94,4 bilhões em exportações e US$ 63,6 bilhões em importações). Os investimentos chineses bateram recorde pelo quarto ano consecutivo, alcançando US$ 73 bilhões, segundo dados preliminares do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Confirmada a estimativa, os chineses estão em quinto lugar como investidores no Brasil, atrás de americanos, holandeses, franceses e espanhóis.

Formalmente, o Brasil evitou aderir à Nova Rota da Seda, iniciativa lançada em 2013 para conectar a China a Ásia, Europa, África e América Latina por meio de projetos de infraestrutura. Foi a decisão acertada, pois evita atrito desnecessário com os Estados Unidos. E não tem impedido investimentos no país. Ao contrário. Há pelo menos 137 projetos com capital chinês no Brasil, como portos, estradas, usinas ou fábricas. Estão concentrados nos setores de energia (45%), óleo e gás (30%), manufatura (sobretudo automotiva), mineração, infraestrutura e agricultura.

O Grupo Cofco, de alimentos, já mantém no Brasil instalações portuárias, unidades de processamento e armazéns. A empresa expande no Porto de Santos seu maior terminal fora da China, investimento de US$ 285 milhões para movimentar 14,5 milhões de toneladas por ano. “Queremos aumentar nossa capacidade de produção, processamento e transporte para atender mais produtores rurais e cooperativas”, disse em Xangai, no Summit Valor Brazil-China, o diretor de política e estratégia do Cofco, Guo Jumping.

Do lado brasileiro, empresários planejam aumentar a integração pela via da transição energética, prioridade estratégica também da China. Os chineses se consolidam como líderes em energias alternativas e na eletrificação da frota automotiva. “O carro elétrico será dominante no Brasil”, afirmou Liu Xiaoshi, da plataforma China EV 100. No ano passado, o segmento bateu recorde no Brasil. A chinesa BYD investe R$ 5,5 bilhões em Camaçari, na Bahia, para erguer sua maior fábrica fora da Ásia. Com o barateamento trazido pela tecnologia chinesa, parece inexorável o motor a combustão estar com os dias contados.

O avanço chinês no Brasil precisa também ser analisado de perspectiva mais ampla. No ano passado, a China absorveu 28% das exportações e respondeu por 41,4% do superávit comercial brasileiro. É pertinente perguntar se convém ao Brasil tamanha dependência. Embora a guerra comercial com os americanos abra oportunidades para exportações do agronegócio brasileiro aos chineses, não espantará se em algum momento houver acordo para reduzir tarifas — e portas se fecharem. A melhor estratégia para o Brasil é diversificar ao máximo suas exportações, tanto na pauta quanto no destino.

Tragédia humanitária no Sudão requer ação imediata de atores globais

O Globo

Em dois anos, 150 mil morreram, 13 milhões tiveram de fugir e 25 milhões são ameaçados pela fome

A comunidade internacional continua cega, surda e muda diante da tragédia no Sudão, onde ocorre a maior crise humanitária do mundo. A origem é a guerra interna deflagrada em 2023 por dois generais que disputam o poder: Abdel Fattah al-Burhan, comandante do Exército sudanês, e Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, à frente das Forças de Apoio Rápido (FAR). A origem do desentendimento é a resistência a integrar as FAR ao Exército regular, como estabelecido nos acordos que puseram fim ao conflito em Darfur, que já deixara centenas de milhares de mortos.

Estima-se que, só nos últimos dois anos, a guerra civil tenha levado ao deslocamento forçado de 13 milhões de pessoas — numa população de pouco mais de 50 milhões —, causado a morte de aproximadamente 150 mil sudaneses, mutilado ou matado cerca de 2.700 crianças e espalhado a fome entre 25 milhões. As Nações Unidas, organizações não governamentais e analistas têm criticado, com razão, a apatia deliberada dos atores globais diante da catástrofe humanitária.

Não é por desconhecimento. Em janeiro, no final do governo de Joe Biden, o então secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou as FAR de cometer “sistemáticas atrocidades”, chamadas por ele de “genocídio”. Anunciou que os Estados Unidos estabeleceriam sanções contra Hemedti. Mas eram medidas tardias e pouco eficazes. Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, o Sudão saiu da agenda do Departamento de Estado. Pior: ao assumir, Trump cortou a assistência humanitária, usada para abastecer cozinhas emergenciais criadas para enfrentar a fome.

Cerca de 70% dessas cozinhas fecharam, segundo reportagem do colunista Nicholas Kristof no New York Times. Ao testemunhar o drama da população sudanesa em março, ele ouviu relatos dramáticos. Dois professores que conseguiram sair da capital, Cartum, afirmaram ter sido obrigados a usar estradas secundárias na fuga, para evitar barreiras dos grupos em luta. Quando os caminhões repletos de gente quebram nessas vias, muitos morrem lá mesmo por não haver comida disponível. Pela segunda geração, mulheres voltaram a ser atacadas e estupradas.

O regime sudanês liderado por Al-Burhan é apoiado com drones, mísseis e outras armas por Egito e Arábia Saudita, além de por Catar, Turquia e mesmo pelo Irã. O líder das FAR, Hemedti, recebe ajuda sobretudo dos Emirados Árabes Unidos, mas também de Líbia, Chade, República Centro-Africana, Sudão do Sul, além de contar com trânsito favorável com Etiópia, Uganda e Quênia. Uma iniciativa diplomática promovida por Emirados, Etiópia e um grupo de países recebeu apoio na última reunião de chanceleres do Brics, realizada no Rio. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos vendem armas aos Emirados e a países da região com que mantêm fortes laços. Sua diplomacia teria como liderar um movimento multilateral para forçar o fim da guerra. Não há justificativa para a comunidade internacional não se mobilizar para interromper o massacre de sudaneses.

Sinal de negociação entre China e EUA é bom para o mundo

Valor Econômico

Acordo poderia por fim a guerra tarifária que prejudica a todos e, principalmente, os Estados Unidos

Para quem se considera um grande negociador, ao presidente Donald Trump não lhe faltam bons motivos para ajustar suas demandas à realidade. As reações ao tarifaço foram extremamente negativas desde 2 de abril, “dia da liberação”, e só se amenizaram com recuos paulatinos de Trump. Sinais do que está por vir apareceram na forma de queda de 0,3% do PIB dos Estados Unidos e do recuo da produção industrial da China em abril, o maior desde dezembro de 2023. Com um cenário muito mais adverso à frente, Trump e o presidente Xi Jinping assinalam que podem começar a conversar.

Ao assestar 145% de tarifas nos produtos da China, o que praticamente a alijaria do maior mercado do mundo, Trump esperava que Xi Jinping se mostrasse disposto a fazer de tudo para impedi-las. Pequim retaliou e manteve-se impassível na posição de não iniciar discussões sob ameaça. Trump mentiu sobre o inexistente interesse chinês diversas vezes. Na sexta, sinais de fumaça partiram do Ministério do Comércio chinês, que, em comunicado, registrou: “Os EUA enviaram recentemente mensagens à China por meio de partes relevantes, expressando o desejo de iniciar conversas. A China está atualmente avaliando isso”.

Diante das consequências negativas, abriram-se brechas na muralha tarifária de ambos os lados. As exóticas tarifas “recíprocas” de até 50% foram suspensas até julho, uma volta atrás que se estendeu depois a smartphones, eletrônicos, semicondutores vindos da China e um abatimento nos 25% aplicados à importação de carros e autopeças. Sem alarde, a China fez o mesmo com produtos vitais que dependem do fornecimento americano, como farmacêuticos e químicos, em lista que envolve US$ 40 bilhões de importações dos EUA (Bloomberg, 1/5). As exceções americanas atingem US$ 102 bilhões, pouco mais de um quinto das compras que os EUA fizeram da China em 2024.

Esse realismo decorre de abundantes indicações de deterioração na situação econômica das duas principais economias do mundo. Especialistas preveem um crescimento bem mais lento para a economia chinesa este ano, na faixa dos 4%, ante a meta oficial de 5% de Pequim. As exportações terão queda muito significativa a partir de 9 de abril - data em que os 145% passaram a valer -, de acordo com a demanda por reserva de navios para escoar bens chineses para os portos americanos, com diminuição de 35% a 40%. As vendas para os EUA foram muito boas devido à antecipação de compras para evitar tarifas.

A perda de dinamismo na economia americana será maior, de 2,7% para 1,8%, segundo o Fundo Monetário Internacional, previsão que é otimista diante dos grandes bancos americanos, como o Goldman Sachs, que espera expansão de 0,5%. O PIB do primeiro trimestre, que encolheu 0,3%, reflete ainda reação às tarifas. As importações dispararam muito acima das exportações e retiraram 4,8 pontos do PIB, algo totalmente atípico. A demanda interna permanece vigorosa, com o consumo crescendo 1,8% ao ano e sua soma com o investimento fixo atingindo 3%. O desemprego permanece em 4,2% e a abertura de vagas de trabalho mantém bom ritmo, longe dos números que indicam uma recessão logo ali na esquina.

A rigor, quase nenhum efeito foi produzido pelas tarifas nas estatísticas, mesmo nas de inflação. O núcleo dos gastos pessoais de consumo (PCE), preferido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), caiu para 0,2% em abril e 2,8% anuais. O PCE cheio foi de 2,6%. Sem o “efeito antecipação” das tarifas, a economia dos EUA mantém um ritmo que desencoraja esperanças de um corte de juros logo.

Mas esses números são o passado. Com eventual volta das tarifas recíprocas, a barreira de proteção dos EUA chega a 27% - com a suspensão, estão em 21%, segundo a Oxford Economics. Se Trump recrudescer e elevá-las na média a 35% até o terceiro trimestre, a consultoria prevê que inflação subirá aos altos níveis da pandemia (chegou a 9%) e a economia mergulhará em recessão. No melhor cenário, de proteção tarifária de 12%, a inflação aumentaria um pouco e a economia poderia crescer perto de seu potencial (1,8%).

Trump envolve negociações em uma cortina de fumaça, afirmando que há dezenas de países nelas envolvidos ao mesmo tempo. Na forma inviável imposta por Trump, seria criado um pesadelo alfandegário e um labirinto negocial - no limite, mesmos produtos terão tarifas diferentes para cada país que fez acordo com os EUA. O déficit comercial americano de US$ 1 trilhão é fruto de transações com meia dúzia de países, e a maior parte dele com a China, que pretende isolar.

À medida que as pressões para desmontar as medidas protecionistas cresçam, com a queda de popularidade do presidente e proximidade das eleições para o Congresso, onde os republicanos podem levar uma surra, Trump poderá recuar. A negociação crucial será feita com a China. O silêncio de Xi Jinping diante das investidas de Trump indica que Pequim não mais considera as boas relações com os EUA como relevantes para seu futuro. Mas para defender seus próprios interesses, e o da economia global, seria importante que chegassem a um acordo para pôr fim a uma guerra que prejudica a todos, e, principalmente, os EUA.

Prosseguir na queda da pobreza depende da economia

Folha de S. Paulo

Taxa cai por três anos, mas melhora perde ritmo; deve-se reformar Orçamento para conter dívida pública e gerar emprego

Num quadro de expansão do emprego e de gastos sociais, a taxa de pobreza no Brasil caiu de 21,7% em 2023 para 20,9% no ano passado, o terceiro consecutivo em que o indicador do Banco Mundial mostra redução. Trata-se, obviamente, de uma boa notícia.

É também a segunda melhor marca da série histórica iniciada em 1981, só superada em 2020 em razão das transferências emergenciais durante a pandemia.

Mesmo assim, ainda são 45,8 milhões de pessoas com renda abaixo de US$ 6,85 por dia em paridade de poder de compra das moedas, equivalente a cerca de R$ 50 por dia no Brasil.

Apesar da melhora, a taxa brasileira ainda se mostra alta em comparação com as de países latino-americanos, casos de Chile (4,6%), Argentina (13,3%), Bolívia (14,1%) e Paraguai (16,2%).

Chama a atenção, ademais, que o ritmo do progresso aqui venha caindo —de 5 pontos percentuais em 2022 para 2 em 2023, apenas 0,8 em 2024 e parcos 0,2 esperados neste ano.

É provável que haja perda de vigor nos dois principais fatores para a queda da pobreza: a geração de emprego, de um lado, e a ampliação continuada de despesas sociais, de outro.

No ano passado, com crescimento do PIB de 3,4% e criação de postos, houve alta de 4,8% do salário médio real. A diminuição da pobreza poderia ter sido até maior, não fosse a inflação que abarcou artigos de primeira necessidade, como os alimentos.

Neste 2025, diante de juros elevados e da necessidade de conter a inflação, que como sempre penaliza os mais pobres, espera-se menor geração de empregos, um custo evitável se o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tivesse sido mais previdente.

Também se esgota o segundo vetor, a rapidez de expansão de despesas sociais, dado o quadro de fragilidade orçamentária. O crescimento das rubricas obrigatórias, que muitas vezes não são focalizadas nos que mais necessitam, reduz o espaço para a ampliação de programas sociais que seriam mais eficientes.

O Banco Mundial mostra que houve evolução significativa, mas permanecem desafios.
Depois de cair à metade entre 2003 (48,7%) e 2014 (24,4%), a taxa de pobreza vem progredindo muito pouco nos últimos dez anos. Retomar uma tendência mais clara e sustentável de melhora adiante depende de reformas que impulsionem a produtividade e o emprego.

Há avanços, como a reforma tributária, mas é necessário eliminar as incertezas em relação à capacidade do governo de controlar a dívida pública e assim abrir espaço para juros menores.

O país também precisa de políticas públicas inclusivas, tributação mais progressiva e uma ampla reforma orçamentária que controle gastos obrigatórios.

Para tanto, a instituição recomenda um ajuste fiscal equivalente a 3% do PIB, o que inclui a desvinculação entre benefícios da Previdência Social e o salário mínimo.

É preciso revisar penas sob a Lei de Drogas

Folha de S. Paulo

Aplicação de tráfico privilegiado pode reduzir punições; não faz sentido prender quem não representa risco à sociedade

Ao contrário do que prega a cartilha do populismo penal, o encarceramento por si só não resolve problemas de segurança pública. Equívocos nessa seara implicam, geralmente, prender muito e mal.

Levantamento inédito do Conselho Nacional de Justiça, reportado pela Folha, revelou que 110 mil dos 378 mil condenados por crimes relacionados a drogas poderiam ter suas penas reduzidas se a condenação fosse revisada como tráfico privilegiado.

Tal figura legal prevê regime mais brando em casos que envolvem réus primários, com bons antecedentes e sem relação com organizações criminosas.

A razão é simples: prender quem não representa risco só fortalece facções do narcotráfico que atuam em presídios de todas as regiões do país, sem qualquer ganho em segurança para a sociedade. Apesar dessa premissa baseada em evidências, a realidade é bem diferente.

O Brasil ostenta o terceiro lugar no ranking global de maior população carcerária, embora ocupe o sétimo lugar em número total de habitantes. O principal motor prisional está no uso punitivista da Lei de Drogas, de 2006, que não estabelece diferença objetiva entre usuários e traficantes.

É o que revelam os números: subiu de 14% para 28% o número de presos por tráfico entre 2005 e 2014. No caso das mulheres, a taxa cresceu oito vezes entre 2002 e 2018, chegando a 64%.

A tipificação de tráfico privilegiado poderia contribuir para desafogar o sistema, que além de tudo apresenta condições de vida degradantes. Há empecilhos, no entanto. Tribunais tendem a afastar a hipótese do tráfico privilegiado com argumentos vagos sobre o pertencimento do acusado a organização criminosa.

Mas há também movimentos no sentido oposto. O Supremo Tribunal Federal determinou, em 2023, que a União e estados enfrentem problemas estruturais dos presídios, e o CNJ promove mutirões para reduzir o número de presos injustamente.

Em junho de 2024, o STF decidiu descriminalizar o porte de maconha para quem tiver até 40 gramas da droga ou seis plantas fêmeas —medida que levou à elaboração de uma nova política de drogas, ainda em andamento, por parte do Executivo e do CNJ para que seja garantida a sua eficácia.

Já o plano Pena Justa do CNJ propõe, entre outras medidas, padronizar decisões do Judiciário sobre tráfico privilegiado para garantir maior objetividade.

As cortes precisam aplicar a lei com sensatez, para que réus de baixa periculosidade não acabem em prisões lotadas e insalubres.

O necessário debate sobre o mínimo

O Estado de S. Paulo

Nenhuma âncora fiscal será capaz de conter a dívida enquanto o PT continuar a interditar a discussão sobre o salário mínimo e sua vinculação com benefícios previdenciários e assistenciais

O economista Arminio Fraga foi recentemente tratado como um pária ao propor que o salário mínimo tenha seu valor real congelado por seis anos para conter a trajetória descontrolada dos gastos públicos. A ideia recebeu uma saraivada de críticas de integrantes e aliados do governo Lula da Silva, que, em vez de rechaçá-la com argumentos, optaram por atacar o mensageiro, que participava da Brazil Conference, evento anual realizado pela comunidade brasileira de estudantes na região de Boston, nos Estados Unidos.

Arminio Fraga, como se sabe, foi presidente do Banco Central durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, período que, segundo a narrativa lulopetista, foi marcado por políticas neoliberais que legaram ao País uma “herança maldita”.

Assim, a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, destacou a “crueldade” da medida, enquanto o ex-ministro da Casa Civil e ex-deputado José Dirceu sugeriu que “propor sempre uma redução do Estado de Bem-Estar Social” é uma injustiça social e um erro histórico que inviabiliza o desenvolvimento nacional.

Não surpreende que nem Gleisi nem Dirceu tenham sugerido uma alternativa viável para conter o galopante déficit fiscal. Isso exigiria a honestidade de admitir a existência de um problema que ambos preferem fingir que não existe.

Arminio Fraga teve papel relevante num dos momentos econômicos mais críticos da história recente, quando o Brasil adotou o regime de câmbio flutuante. Sob sua batuta, o BC administrou a desvalorização da moeda e manteve a inflação sob controle. A despeito de uma taxa básica de juros que chegou a 45% ao ano, o País registrou crescimento econômico e alcançou superávits primários na proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

São credenciais que falam por si só, e seria, no mínimo, recomendável ouvir o que ele tem a dizer. Para Fraga, congelar o salário mínimo por seis anos seria politicamente mais palatável a um governo petista do que promover uma ampla reforma da Previdência. Em paralelo, a redução da proporção de benefícios fiscais classificados como gastos tributários federais dos atuais 4,5% para 2% do PIB contribuiria para um cenário fiscal mais benigno e a consequente redução da taxa básica de juros.

Entre os incentivos fiscais que o economista qualificou como “perversos” estão as deduções do Imposto de Renda que beneficiam as classes mais abastadas, tanto na pessoa física quanto na pessoa jurídica, e as renúncias da Zona Franca de Manaus, do Simples Nacional e do Lucro Presumido. Como se vê, não se trata de nada radical ou exótico. A proposta, ademais, poderia ajudar governos petistas, conhecidos pela imensa dificuldade que têm para reduzir gastos na base da pirâmide social e cortar privilégios do topo da elite empresarial.

Não é preciso ser um especialista em contas públicas para reconhecer a urgência desse debate. Ninguém é contra a existência de um piso para assalariados, mas o fato é que, enquanto o salário mínimo tiver aumento real e servir como referência para aposentadorias, pensões, abono salarial, seguro-desemprego e Benefício de Prestação Continuada (BPC), essas despesas públicas também terão um crescimento acima da inflação.

Manter a correção do salário mínimo atrelada à inflação diminuiria a projeção de rombo do Orçamento Geral da União, algo que tem sido um impeditivo para a redução dos juros que financiam a dívida pública e para a retomada dos investimentos necessários ao crescimento econômico.

No ano passado, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, chegou a propor a desvinculação entre o salário mínimo e alguns dos benefícios assistenciais, mas foi igualmente alvejada por Gleisi, à época presidente do PT. No entanto, a prática do partido de desqualificar o interlocutor não fará com que o problema desapareça.

Já está claro que o arcabouço fiscal não foi suficiente para reequilibrar as contas públicas, mas nenhuma âncora fiscal será capaz de conter a dívida pública enquanto o PT continuar a interditar o debate. Mais cedo ou mais tarde essa conta chegará, e quanto maior a demora, mais dolorosa ela será.

Na educação, a pandemia não acabou

O Estado de S. Paulo

Dados do Saeb mostram recuperação lenta após a pandemia, que só agravou problemas crônicos da educação nacional, como a defasagem do ensino médio e da formação em matemática

A pandemia foi a maior ruptura educacional da história mundial. O Brasil ainda viveu uma crise dentro da crise, pecando por falta e por excesso. De um lado, o País teve o azar de ter no comando do governo federal um presidente negacionista e negligente com a educação. É um recorde difícil de bater, mas o Ministério da Educação (MEC) concorre ao título de pasta mais desorganizada e incompetente da gestão de Jair Bolsonaro. Em quatro anos foram cinco ministros, menos preocupados com instrução do que em transformar o MEC numa trincheira de guerrilhas culturais. Por outro lado, por excesso de zelo ou simples comodismo, o Brasil foi um dos países que mantiveram as escolas fechadas por mais tempo no mundo.

Com a edição de 2023 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela primeira vez foi possível analisar em detalhes o efeito da pandemia sobre o desempenho de alunos do ensino básico. Um levantamento do Todos pela Educação revelou que em 2023 a aprendizagem média dos estudantes ainda não tinha voltado aos patamares de 2019. Projetando-se a trajetória ascendente, não é impossível que hoje já tenha voltado. Mas o ritmo lento preocupa. Além disso, desigualdades educacionais já evidentes antes da pandemia persistem e em alguns casos se aprofundaram, com diferenças marcantes entre estudantes de redes públicas e privadas, entre diversos grupos socioeconômicos e entre unidades da Federação. No caso das desigualdades raciais, em 2023 elas foram maiores que em 2013.

O estudo buscou ainda enquadrar o impacto da pandemia no contexto mais amplo da evolução da educação nacional nas duas últimas décadas. Nessa perspectiva, houve avanço relevante, mas longe de suficiente, no porcentual de estudantes com níveis de aprendizagem considerados “adequados” conforme os critérios do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.

Os índices de sucesso se mostraram decrescentes à medida que se avança nas etapas da educação básica. Entre os alunos do 5.º ano, por exemplo, em 20 anos o porcentual com nível de aprendizado adequado em português cresceu de 21% para 55% e, em matemática, de 11% para 43%. No caso dos alunos do 9.º ano, as elevações foram menos expressivas: de 15% para 36% em português e de 9% para 16% em matemática. No ensino médio, a elevação em português foi a menor dos três níveis: 13 pontos porcentuais (de 19% para 32%). Em matemática, houve retrocesso – de 5,8% para 5,2% –, ou seja: o Brasil conseguiu piorar o que já era péssimo.

Assim, é possível distinguir dois desafios críticos e persistentes para a educação básica: em termos de estágios, a formação no ensino médio; em termos de disciplinas, a formação em matemática. Nesse último caso, o tamanho do problema é evidenciado pelo desempenho das escolas particulares. Em geral, alunos do ensino privado têm resultados gerais razoavelmente próximos dos de seus pares nos países desenvolvidos e superiores aos de seus conterrâneos nas escolas públicas. Na matemática, a defasagem é geral: pior nas escolas públicas, mas ainda assim muito ruim nas privadas.

No mundo da revolução industrial 4.0, esse é um problema estrutural grave não só para a evolução pessoal dos alunos, mas para o desenvolvimento socioeconômico do País. Como mostrou um estudo da Fundação Itaú, trabalhadores em ocupações que usam muita matemática têm maior nível de escolaridade, menor taxa de informalidade e melhores salários que a média. A defasagem no ensino de matemática tem plausivelmente uma relação direta com a queda acentuada de matrículas nas graduações de Engenharia – segundo o Instituto Semesp, só em Engenharia Civil houve diminuição de 51% desde 2015 –, na contramão de países como Coreia do Sul, China ou Estados Unidos, que investem pesadamente nesses profissionais visando à criação de infraestruturas e novas tecnologias.

Mais do que sintoma da má formação em matemática, o encolhimento do número de estudantes de Engenharia é emblema de um país que a duras penas e com atraso – como evidencia a lenta recuperação pós-pandemia – compreende a importância da educação para construir o futuro.

A joint venture entre PCC e CV

O Estado de S. Paulo

Para o cidadão aterrorizado pelo crime, o fim do empreendimento delinquente não muda nada

Espanta a naturalidade com que se noticiou recentemente o fim de uma “trégua” entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Tão presentes na vida cotidiana de paulistas e fluminenses, as duas principais organizações criminosas do País já não causam mais espécie e são encaradas como são: vastos empreendimentos que eventualmente se juntam numa espécie de joint venture para aproveitar “sinergias” e aumentar a eficiência.

Em fevereiro passado, um relatório de inteligência da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, revelou a existência do suposto acordo. A ideia era unificar a atuação dos advogados dos criminosos, de modo que pudessem obter conjuntamente a flexibilização das atuais medidas de isolamento a que os presos estão submetidos, reduzir os conflitos com mortes entre os dois grupos e fortalecer seus negócios ilícitos.

Um dos motivos para o insucesso da empreitada teria sido uma suposta rejeição do bando paulista às práticas violentas cometidas pela facção do Rio de Janeiro. Não é fácil crer nessa versão: o PCC é conhecido por seu histórico de atrocidades praticadas no “tribunal do crime”, em que bandidos, como se se constituíssem em autoridades de um Estado paralelo, denunciam, julgam e condenam, não raro à morte, seus dissidentes.

Parece mais crível o fato de que o PCC e o CV não chegaram a um acordo naquilo que mais entendem: o cometimento de crimes. Pois é isso o que sabem fazer e pretendem monopolizar. Como afirmou o promotor Lincoln Gakiya, que há 20 anos investiga a facção paulista, não dava para acreditar que “essa trégua seguiria adiante, porque tanto o PCC quanto o Comando Vermelho têm interesses comuns”. E os interesses comuns dessas organizações são, além dos pontos de venda de drogas País afora, as rotas de tráfico internacional, com destino sobretudo para a Europa.

Gakiya disse também que “dificilmente” os bandidos que atuam nas ruas abririam mão de poder, digamos assim, por ter havido uma determinação dos líderes de dentro das penitenciárias. E, como mostrou a reportagem do Estadão, um integrante da alta cúpula da Polícia Militar do Estado de São Paulo afirmou que a aproximação dos bandos gerou dúvidas nos membros do PCC e do CV. Sem o mínimo de coesão entre os faccionados, as organizações, “pacificamente”, como alguns querem fazer crer, decidiram romper a tal aliança.

Mas o que muitos chamam de aliança, acordo ou parceria – seja lá que nome queira se dar – não passa de complô. Esse é o termo adequado para se referir quando criminosos se juntam para atacar os cidadãos, o Estado e as suas instituições. Não se trata da fusão de dois grupos empresariais para a formação de um conglomerado, muito embora ambos movimentem cifras bilionárias e se infiltrem nas estruturas legais para contaminá-las. Trata-se de organizações mafiosas que aterrorizam os cidadãos e continuarão a fazê-lo – juntas ou separadas.

Conclave e o futuro da Igreja

Correio Braziliense

Quem entra papa, sai cardeal. Às vésperas do conclave, a máxima é lembrada pelos integrantes mais calejados do colégio cardinalício, o alto escalão da Igreja Católica que escolherá o Sumo Pontífice. Favoritos nas bolsas de apostas podem naufragar; e outros, sequer lembrados, se surpreender com os votos a seu favor.

Em resumo, o resultado da reunião na Capela Sistina, no Vaticano, que começa na quarta-feira, é mesmo uma "caixinha de surpresas", expressão que, com certeza, agradaria ao papa Francisco, admirador número 1 de futebol. Até sair a fumaça branca na chaminé indicando a eleição do novo pontífice e a multidão aglomerada na Praça de São Pedro ouvir o "Habemos Papam", tudo pode acontecer. Em segredo.

A duração do conclave se reveste de mistério. Várias vezes, a fumaça preta pode tingir o céu de Roma, mostrando que nada foi decidido. Como ninguém sabe o que ocorre entre as paredes da capela coberta pelos afrescos de Michelangelo, o destino vai depender mesmo da ação do Espírito Santo. Somente Ele, conforme a fé católica, ilumina e orienta a decisão dos presentes.

Entre os 133 cardeais que vão eleger o futuro ocupante do trono de São Pedro, há nomes bem cotados. Estão no topo da lista o filipino Luis Antonio Tagle, apelidado de "Francisco asiático", e o italiano Matteo Zuppi, próximo a movimentos sociais, ambos da linha progressista. Contrário a uniões homossexuais, ideologia de gênero e questões morais que atribui ao "colonialismo ideológico do Ocidente", se destaca o africano Robert Sarah, da Guiné. Também conservador, ganha atenção o húngaro Péter Erdó, teólogo de formação rigorosa.

No grupo daqueles considerados moderados, vistos como essenciais neste mundo polarizado para construção de pontes entre progressistas e conservadores, figuram o italiano Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé, e o congolês Fridolin Ambongo Besungu, que já se mostrou contra a bênção a casais gays. Ele, a exemplo de cerca de 80% dos atuais integrantes do colégio cardinalício, foi escolhido por Francisco. Do Brasil, há sete cardeais com menos de 80 anos, que são eleitores e podem ser eleitos.

Em tempos tão midiáticos, as conversas nas ruas, nos bares e em locais de trabalho quase sempre incluem o conclave. O assunto está na boca do povo. E o cinema turbinou o tema com o filme (Conclave) ganhador do Oscar de melhor roteiro adaptado. Mas entre ficção e realidade, há oceanos de diferenças. É bom lembrar que, além de líder de 1,4 bilhão de católicos no mundo, o papa desempenha o papel de chefe de Estado, tem múltiplas responsabilidades. Portanto, a decisão final pode surpreender alguns dos participantes, e exigir uma resposta imediata, apontar a direção.

O próprio Francisco contou em seu livro Esperança, primeira autobiografia de um Sumo Pontífice, como foi pego de surpresa. E falou da sua reação: "Quando o meu nome foi pronunciado pela septuagésima vez, explodiu um aplauso, enquanto a leitura dos votos continuava. Não sei quantos foram exatamente no final, não conseguia ouvir mais nada, o barulho encobria a voz do escrutinador". A volta à realidade veio na voz do cardeal gaúcho dom Cláudio Hummes, que o lembrou: "Não se esqueça dos pobres". Francisco escreveu que a frase o marcou, sentiu na carne: "Foi ali que surgiu o nome Francisco".

O cenário de licenciamento ambiental do Ceará

O Povo

O que se vê é um cenário de permissividade, no qual nenhuma das instâncias reguladoras e fiscalizadoras tem sido capaz de acompanhar as estratégias para contornar a legislação ambiental

A proposta de criação de uma Autarquia do Meio Ambiente de Guaramiranga (CE), pelo Projeto de Lei (PL) municipal nº 05/2025, acendeu alerta vermelho entre os cearenses. Com a autarquia, Guaramiranga estaria apta a emitir licenciamentos ambientais, um direito dos municípios desde que atendidas condições técnicas. A notícia tomou as redes sociais e ambientalistas externaram preocupação com a possibilidade de o município licenciar projetos de impacto negativo na Área de Preservação Ambiental (APA) da Serra do Baturité, o que já vem ocorrendo na região.

Após denúncias, O POVO+ identificou que o problema vai além de Guaramiranga e levantou pelo menos 17 municípios com irregularidades comprovadas nos licenciamentos ambientais. "Recebemos muito mais do que os 17 casos explicitados. Eram listas e listas de relatos de irregularidades nos órgãos licenciadores dos municípios e na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Muitas acusações, ainda que graves, não podiam ser comprovadas", descreve a repórter do OP+ Ludmyla Barros, autora da reportagem "Carta branca para 'tratorada': concessão de licenças vira farra ambiental no Ceará".

Os desvios vão da falta de competência técnica de municípios para emitir os pareceres, incluindo a inexistência de profissionais concursados, até a fraude em estudos ambientais. Em Trairi, um estudo que recebeu licença em 2013 pela Semace plagiou vários parágrafos de outro documento. Quem identificou a fraude anos depois foi a própria superintendência estadual. Já em Tabuleiro do Norte, uma empresa de agropecuária investigada pelo Ministério Público tinha, no quadro de funcionários, um engenheiro florestal que trabalhava na autarquia do município fornecendo licenças ambientais.

O que se vê é um cenário de permissividade, no qual nenhuma das instâncias reguladoras e fiscalizadoras tem se mostrado capaz de acompanhar as estratégias para contornar a legislação ambiental. Enquanto autarquias municipais e estaduais pecam na revisão íntegra e meticulosa dos estudos, os órgãos fiscalizadores estão esvaziados e dependem de poucos funcionários para abranger um estado com ecossistemas sensíveis.

O litoral e as serras estão especialmente vulneráveis, com empreendimentos investindo em habitats de espécies em risco de extinção. No sertão, as irregularidades parecem refletir diretamente na saúde humana, na segurança alimentar e hídrica e no direito ao território.

Fica claro que antes dos municípios e o Estado usufruírem do direito de emitir licenças ambientais, se faz necessário fortalecer as instituições para cumprir um dever basilar da Constituição Federal de 1988: o de proteger o meio ambiente, a fauna e a flora (Art. 23) e o de priorizar a natureza mesmo na ordem econômica (Art. 170).

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