Lula trai memória da 2ª Guerra ao celebrar vitória com Putin
O Globo
Brasil não deveria endossar a versão
mentirosa do conflito usada pelo russo para justificar agressão contra Ucrânia
É um erro a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de participar, ao lado do russo Vladimir Putin, das celebrações do Dia da Vitória, que marca o 80º ano do triunfo sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra. Além de Lula, assistirão ao desfile militar na Praça Vermelha o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e o cubano, Miguel Díaz-Canel. Nenhum líder de democracia ocidental relevante aceitou dar apoio público ao responsável pela invasão da Ucrânia, maior agressão militar em solo europeu desde justamente o final da Segunda Guerra.
O contexto em que ocorre a celebração
promovida por Putin está repleto de significados. A máquina de desinformação
russa tem mantido atividade frenética nos últimos tempos ao espalhar mentiras
sobre a Segunda Guerra. Um dos exemplos mais notórios ocorreu no ano passado,
em entrevista ao propagandista americano do trumpismo Tucker Carlson. Naquela
ocasião, Putin declarou que a Polônia “colaborou com Hitler”. Trata-se de uma
distorção sem cabimento dos fatos históricos.
A guerra, como todos sabem, começou em 1º de
setembro de 1939, com a invasão da Polônia por tropas nazistas. Putin acusa os
poloneses de ter forçado a invasão ao se recusar a ceder à Alemanha o “corredor
polonês”, saída polonesa para o Mar Báltico que separava o território alemão da
região de Danzig (hoje, Gdansk na Polônia). Por essa interpretação, os
poloneses levaram Hitler a iniciar a guerra — um absurdo. Por mais que o
governo polonês, a exemplo da União Soviética sob Stálin, tivesse firmado um
pacto de não agressão com a Alemanha, continuou durante a guerra a lutar contra
os nazistas, tanto no exílio quanto por meio da resistência local.
A empulhação de Putin endossa a versão usada
pelos nazistas para justificar sua agressão à Polônia. O interesse é evidente:
traçar um paralelo com a invasão da Ucrânia, que Putin sempre justificou sob a
alegação de que os ucranianos controlavam territórios reivindicados pela Rússia.
As mentiras de Putin são tão descaradas e
ofensivas que um grupo reunindo mais de 200 dos maiores estudiosos da Segunda
Guerra subscreveu um abaixo-assinado intitulado “Historiadores pela Ucrânia”. O
texto qualifica a acusação contra os poloneses como “completamente falsa”.
Lembra ainda que, sob Stálin, a União Soviética também ocupou partes da
Polônia, atacou a Finlândia, invadiu Lituânia, Letônia e Estônia. “A razão pela
qual esta luta sobre a nossa História é tão importante é que Putin usa a
memória da Segunda Guerra como arma para justificar a invasão da Ucrânia de
hoje — um país que ele falsamente afirma ser um ‘Estado fascista’ que precisa
de ‘desnazificação’ ”, afirmam os historiadores.
Quando soube da visita de Lula, o governo
ucraniano não escondeu o mal-estar. Como informou reportagem do GLOBO, o
presidente Volodymyr
Zelensky encara os acenos do Brasil a Putin como sinal de
parcialidade. Zelensky tem razão. O fato de o Brasil importar da Rússia
fertilizantes imprescindíveis para o agronegócio não justifica os agrados a
Putin, muito menos a presença de Lula nas celebrações do Dia da Vitória. Ao
fazer isso, ele não apenas endossa implicitamente a versão mentirosa da
propaganda russa sobre a Segunda Guerra, mas a própria invasão da Ucrânia,
exatamente como faz Donald Trump.
Exame para formados em Medicina exige acordo
entre governo e Congresso
O Globo
MEC pretende aplicar prova em outubro,
enquanto projeto sobre mesmo tema tramita no Senado
Diante do aumento significativo na quantidade
de cursos de medicina e da queda não menos significativa na qualidade dos
profissionais deles oriundos, o governo e o Congresso trabalham na criação de
um exame para testar os recém-formados, similar ao aplicado pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) a quem conclui a faculdade de Direito. Mais
adiantados, os ministérios da Educação (MEC)
e da Saúde preparam-se para fazer a primeira avaliação em outubro. O ideal é
que Legislativo e Executivo se entendam sobre o modelo do exame a aplicar.
De 2010 a 2023, os cursos de medicina
aumentaram 125%, de 181 para 407, basicamente por meio de universidades
privadas. Não haveria problema se os alunos tivessem acesso a laboratórios
completos, bons professores e estágios de qualidade. Mas o último Exame
Nacional de Desempenho Estudantil (Enade), de 2023, revelou que os cursos
pioraram em relação à última avaliação, feita em 2019. Dos avaliados, 20% não
chegaram ao patamar considerado satisfatório, o nível 3 numa escala de 1 a 5.
No Enade anterior, eram 13%. “Já temos mais cursos na área que os Estados
Unidos e a Índia”, diz Eliete Bouskela, presidente da Academia Nacional de
Medicina. “ Se o médico não é bom, ele piora o problema do paciente e
desperdiça dinheiro.”
O projeto que tramita no Senado prevê a
criação do Exame Nacional de Proficiência em Medicina, aplicado pelo Conselho
Federal de Medicina, com provas teórica e prática. A proposta impediria os
reprovados de começar a exercer a profissão. Trata-se de medida sensata. “O
exame pode funcionar como um filtro para garantir que apenas profissionais
capacitados entrem no mercado”, afirma o senador Dr. Hiran (PP-RR), relator do
projeto.
PT e aliados discordam da proposta, apoiada
pela oposição. Defendem o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica
(Enamed), aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), do MEC, e não pelos Conselhos de Medicina, como
estipula a proposta em tramitação no Congresso. O Enamed não impedirá o
reprovado de exercer a profissão.“Um exame de proficiência se faz necessário”,
diz Dr. Hiran. Ele entende que “diferentes mecanismos podem ser
complementares”.
Outra possibilidade é a realização de exames
durante o próprio curso, para permitir a correção de rumos do aluno. “Avaliar é
importante, mas isso deve ser feito de forma seriada, antes da formatura”,
afirma Sandro Schreiber, presidente da Associação Brasileira de Educação
Médica. “Hoje a escola ganha uma fortuna e nada acontece. A ideia é que o
diploma seja emitido no momento que se considere esse médico apto.” A
relevância do assunto exige que ele não seja usado como munição no
enfrentamento político-partidário. O MEC precisa estar aberto às contribuições
dos Conselhos de Medicina. Há espaço para entendimento. O ideal é que o
graduado se submeta a uma prova só.
BC aumenta juros e dá sinal de fim de ciclo
restritivo
Valor Econômico
Analistas estimam que o cenário externo permitirá iniciar o ciclo de queda dos juros mais cedo, mas isso não é uma certeza
A guerra tarifária de Donald Trump produziu
caos, instabilidade e problemas em série para os bancos centrais. O
comportamento da economia americana permanece sólido, e o Federal Reserve (Fed,
o banco central americano) está esperando que apareçam sinais de fragilidade
para agir, mas não tem a menor ideia de se eles alcançarão mais a inflação, o
nível de emprego, ou ambos. Por isso, ontem o Fed decidiu de novo “esperar para
ver” e manter os juros entre 4,25% e 4,5% até que os próximos dados revelem
alguma clareza sobre os rumos da economia. A decisão do Banco Central do Brasil
(BC) sobre juros foi, comparativamente, mais simples. O Comitê de Política
Monetária (Copom) elevou a taxa Selic em 0,5 ponto, para 14,75%, a maior taxa
desde julho de 2006. Ante as enormes incertezas, absteve-se de indicar seus
próximos passos.
Entre as reuniões coincidentes do BC e do
Fed, as duas economias se moveram em direções distintas. Indústria e serviços
avançaram no primeiro trimestre no Brasil, confirmando o diagnóstico de que o
país cresce acima do potencial, uma das razões básicas para que a inflação se
mantenha resistente e longe da meta. Analistas privados e o BC estimam que o
desempenho da economia no primeiro trimestre será o maior do ano, com
desaceleração nos trimestres restantes até chegar a um PIB em torno de 2%. Não
se trata de uma retração forte o suficiente para trazer a inflação à meta de
3%, o que exigiu mais uma vez um aumento dos juros agora e talvez demande um
novo, menor, na próxima reunião do Copom.
Se a inflação está longe da meta e
desancorada no Brasil, com o mercado de trabalho aquecido e a economia
evoluindo além de seu potencial, no caso dos EUA a inflação se aproxima
lentamente da meta (2,6% nos gastos pessoais de consumo em abril e 2,8% em seu
núcleo) e o índice de desemprego continua muito baixo, 4,2%, embora exiba
sinais indiretos de arrefecimento.
Na única novidade de seu comunicado, o Fed
menciona que as mudanças nas exportações líquidas - a anormal expansão das
importações preventivas à entrada em vigor das tarifas - fizeram o PIB retrair
0,3% no primeiro trimestre, para afirmar que a economia segue em “ritmo sólido”
e o mercado de trabalho permanece forte. Mas Jerome Powell, presidente do Fed,
como os analistas, vê que os riscos de elevação da inflação e do desemprego
estão claramente em alta. A incerteza sobre qual será o efeito em cada um dos
dois mandatos do banco central, emprego e inflação, não permite ao Fed agir
preventivamente.
O dilema é que as tarifas podem colocar em
risco tanto a inflação, que tende a subir, quanto o nível de emprego, que tende
a cair com o arrefecimento esperado da economia. O Fed terá então de optar, e
Powell indicou, hipoteticamente, que a opção de política monetária se dará em
relação a qual dos objetivos se afastar mais da meta - do pleno emprego ou da
inflação de 2%. A dificuldade, segundo ele, é que nenhum dos efeitos temidos e
esperados sobre ambos se manifestou ainda. O consumo continua forte, a economia
ainda cria empregos em bom ritmo - 177 mil em abril - e a inflação cai
lentamente com a política monetária restritiva. É impossível para o Fed, então,
sugerir qualquer ação futura enquanto os dados não mostrarem claramente como as
atividades foram afetadas por uma mudança tão radical na forma de operar da
política econômica americana.
No caso do Brasil, há perspectiva de que o
efeito da guerra comercial sobre o dólar e os preços das commodities,
decorrente da desaceleração da economia global, auxilie a desinflação. O
petróleo já recuou 20% de sua cotação média do último ano e a Petrobras já
reduziu três vezes o preço do diesel. No primeiro trimestre, o dólar perdeu
8,5% de valor ante o real, e não se prevê novo episódio de megadesvalorização
da moeda nacional a curto prazo - a menos que estímulos renovados via gastos
públicos reacendam reações fortes diante da maior fragilidade fiscal.
O Copom mudou o balanço de riscos e tornou-os
equilibrados. Antes citava três fatores de alta e dois de baixa. Aos últimos
foi acrescentada a redução de preços das commodities em reais, o que engloba
tanto um dólar menos forte quanto as consequências de uma desaceleração global.
O IPCA está sendo puxado por alimentos e por
preços monitorados. Os preços dos combustíveis podem arrefecer com a queda do
petróleo, mas a falta de chuvas elevará o custo da eletricidade ao consumidor
nos próximos meses. A supersafra deve reduzir o ímpeto dos preços dos
alimentos, e os juros absurdamente altos, os maiores em quase duas décadas,
devem elevar o grau de ociosidade na economia, reduzindo a inflação.
O Copom manteve a indicação de que “o cenário
segue sendo marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação
elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de
trabalho”. Em mudança recente, os analistas estimam que o cenário externo
permitirá ao BC iniciar o ciclo de queda dos juros mais cedo, perto do fim do
ano. Como isso não é uma certeza, o BC sinalizou que os juros continuarão no
modo restritivo pelo período que for necessário, que pode ser longo.
IDH mostra progresso lento e desigualdade
alta no Brasil
Folha de S. Paulo
Índice do país acumula aumento de 22,6% desde
1990; se considerada distância entre ricos e pobres, resultados desabam
Em 1990, quando a ONU começou a
calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupava uma posição
pouco mais do que intermediária entre os 130 países do levantamento, com
desempenho 5% acima da média geral.
No mais recente relatório do IDH, referente
ao ano de 2023 e divulgado na terça-feira (6), o Brasil enfim superou o índice
obtido em 2019, antes da pandemia, e
aparece na 84ª posição entre 193 países considerados —com resultado 4%
acima da média.
Ao longo dessas mais de três décadas,
acumulamos evidentes progressos nas medidas de renda, saúde e educação que
compõem o indicador das Nações Unidas. O PIB por
habitante subiu de US$ 12.178 para US$ 18.011, em valores corrigidos; a
expectativa de vida ao nascer, de 65,86 para 75,85 anos; a escolaridade média,
de 3,69 para 8,43 anos, e a esperada, de 14,1 para 15,79.
Mas, se os dados desautorizam diagnósticos
catastrofistas, tampouco são dignos de entusiasmo em termos relativos.
Numa escala de 0 a 1, o IDH brasileiro chegou
a 0,786, patamar que a ONU classifica, com alguma benevolência, como de alto
desenvolvimento humano —enquanto os 74 países com mais de 0,8, aí incluídos os
sul-americanos Chile, Argentina e Uruguai, são
hoje considerados de desenvolvimento muito alto.
Desde 1990, nosso índice acumulou um aumento
de 22,6%, enquanto o ritmo global foi de 24,3%, e o do grupo onde estamos, de
36,6%. Outros emergentes importantes ostentam avanços mais velozes, casos
de China (62,3%), Índia (53,6%)
e Turquia (42,6%),
além dos vizinhos Peru (27%)
e Colômbia (26,5%),
que estão pouco acima no ranking.
Além de lentas em termos comparativos, as
melhoras aqui são pessimamente distribuídas entre os cidadãos. No cálculo em
que a ONU ajusta o IDH de acordo com a desigualdade social, o índice brasileiro
desaba para 0,594, patamar mais próximo ao de baixo desenvolvimento humano
(abaixo de 0,55), com perda de 21 posições na listagem global.
Na vergonhosa disparidade nacional, os 40%
mais pobres detêm apenas 11,3% dos rendimentos da população, enquanto os 10%
mais ricos ficam com 41%. Nos Estados
Unidos, país mais desigual entre os ricos, os percentuais são 15,6% e
30,2%, respectivamente.
Elevada concentração de renda, bem como baixo
crescimento econômico e precária qualidade da educação, são gargalos que o
Brasil não conseguiu superar desde o restabelecimento da democracia, período de
grande ampliação dos gastos públicos.
Boa parte da atuação do Estado, na verdade,
agrava a desigualdade —por meio de tributação regressiva, subsídios
exorbitantes para setores empresariais influentes, supersalários
para a elite do funcionalismo e ensino
superior gratuito para estratos abonados. Já o persistente desequilíbrio
orçamentário resulta em juros elevados que travam o consumo e o investimento.
Infraestrutura de Belém preocupa na COP30
Folha de S. Paulo
Governos focam em crise de hospedagem e
transportes, sem atenção para benefícios que a cúpula poderia trazer à cidade
Nada mais sintomático das contradições
brasileiras do que escolher para sede da maior
conferência ambiental do mundo a cidade de Belém, onde 8
entre 10 moradores vivem sem coleta de esgoto. E não será o frenesi de obras
da COP30 a
remediar tamanha iniquidade.
O estado do Pará investe
meros R$ 22 per capita por ano em saneamento,
ante R$ 111 na média nacional —e o desejável seriam R$ 231, segundo estimativa
do Instituto Trata Brasil. A insalubridade resulta da incúria de várias
gestões, não há como maquiá-la multiplicando tapumes.
Considere-se o Parque Urbano São Joaquim,
intervenção que recebeu R$ 170 milhões da hidrelétrica de Itaipu. Apenas está
em obras —aliás, atrasadas— o trecho 1, de 720 m ao longo do canal de mesmo
nome, sem previsão de começar drenagem e saneamento nos outros 8 km. O trecho 1
fica no caminho do aeroporto e já foi descrito, sem ironia, como cartão de
visitas da cidade.
Os cerca de 50 mil participantes esperados
para o evento terão outras mazelas urbanísticas com que se preocupar.
Mobilidade, para começar, numa metrópole de ruas estreitas e trânsito caótico.
A frota do precário sistema de transporte
público vai aumentar 30%, pelo acréscimo de 300 ônibus com
wifi e ar-condicionado.
Mesmo rasgando avenidas novas, como a da
Liberdade, não há garantia de que esses coletivos não ficarão retidos na massa
de 557 mil veículos belenenses.
Cogita-se deslocar mais 350 ônibus da região
só para transportar os participantes até o Parque da Cidade, onde se
concentrará a COP30, desde o porto de Outeiro, a 30 km da sede. Reformado para
receber grandes navios para hospedagem, o ancoradouro não chega a constituir
opção prática para 6.000 hóspedes que ficarem sem alternativa.
O
déficit de leitos está em cerca de 14 mil vagas. Organizadores contabilizam
apenas 36 mil disponíveis, incluindo 15 mil para aluguel temporário por
aplicativos e 2.000 em motéis —para nada dizer de 5.000 fora do município, em
locais entre 9 e 70 km de distância, parte deles acessíveis apenas por embarcações.
As soluções cheiram a improviso, como
antecipar férias e a chegada dos chefes de Estado para desafogar a reunião
propriamente dita. O governo federal se empenha em acordos para conter a
escalada de preços de hotéis, passagens aéreas e víveres, mas parece duvidoso
que tenha sucesso.
Não espanta que a COP30 já seja vista por parte dos moradores como desvantajosa, pela perturbação que impõe sem contrapartida de um legado civilizador.
A solidão de Lula
O Estado de S. Paulo
A anunciada saída do PDT da base governista
deixa claro de vez que Lula não está conseguindo atrair e manter aliados, mesmo
entre aqueles que supostamente compartilham da mesma agenda
O governo do presidente Lula da Silva
protagonizou nesta semana mais um capítulo de um enredo cada vez mais
constrangedor para o atual mandato: foi esnobado até pelo PDT, que com seus 17
deputados é apenas o nono partido da Câmara. A legenda informou que deixará a
base de apoio ao governo, por se considerar desrespeitada no episódio que
culminou com a demissão de Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, que
estava no Ministério da Previdência – aquele sob cujas barbas ocorreu o
escândalo da rapinagem dos aposentados do INSS.
Eis aí o retrato pronto e acabado da solidão
de Lula. Uma coisa é ter dificuldade para manter na base governista partidos
poderosos do Centrão, que têm interesses eleitorais e políticos próprios e cuja
agenda nem de longe coincide com a do PT. Outra, muito diferente, é perder o
apoio de um partido de baixa estatura, portanto dependente dos holofotes do
governo, e que ademais é perfeitamente alinhado com a estatolatria lulopetista.
Se até o PDT ameaça abandonar Lula, é difícil saber com quem o presidente pode
contar para o resto de seu mandato e para seu projeto de reeleição.
O líder do PDT na Câmara dos Deputados, Mário
Heringer (MG), disse que o problema de relacionamento com o governo “já vem de
muito tempo”, e que a crise envolvendo o INSS foi a “gota d’água” que faltava
para o copo da insatisfação transbordar. Afirmou também que o governo não
estava oferecendo “a reciprocidade e o respeito” que o PDT “julga merecer”.
Enquanto isso, integrantes da ala mais oposicionista do partido, ligada a Ciro
Gomes, criticaram a troca de Carlos Lupi por Wolney Queiroz, que, embora número
2 na pasta e também pedetista, foi escolhido, ao que parece, sem o crivo
oficial da caciquia da legenda. Não obstante a relutância de Lula em demitir
Lupi, mesmo com toda a crise deflagrada no INSS, o partido considerou o
tratamento dado ao ministro um “extremo constrangimento”.
Pois “constrangimento” resume bem a
dificuldade de articulação política do Executivo, obrigado a lidar com uma base
heterogênea, frágil, indócil e hostil, um governo impopular e sem pauta clara
para o País, um presidente impaciente para recuperar a popularidade e
displicente no diálogo com os partidos, além da concentração excessiva de
poderes no PT, que tem 12 das 38 pastas, incluindo todos os ministérios que
funcionam no Palácio do Planalto. Sem falar na evidente inclinação de Lula para
acelerar as pautas da esquerda, o que torna ainda mais penosa a tarefa de
manter legendas centristas, como PSD, União Brasil, PP e Republicanos, todos
integrantes do governo, mas com críticos cada vez mais ferozes do lulopetismo.
Não há ingênuos ou injustiçados nessa
história. Basta lembrar que grande parte dos partidos hoje é uma soma de
interesses paroquiais e ideologias distintas. Não é incomum, por exemplo, a
convivência simultânea, num mesmo partido, entre alas oposicionistas e
governistas. Também se tornou parte da rotina do governo enfrentar situações
como a do PSD, do União Brasil e do Republicanos, que mesmo tendo ministros na
Esplanada dos Ministérios não hesitam em exibir prováveis pré-candidatos em
oposição a Lula em 2026 – respectivamente, os governadores Ratinho Junior,
Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas.
O problema é que os reconhecidos vícios
partidários são aguçados mais ainda pela disfuncionalidade do governo (com sua
ineficiência crônica) e do sistema (um Executivo enfraquecido, um Legislativo
com poderes exacerbados pelo controle do Orçamento e um Judiciário politizado).
Pior, Lula não só não entendeu a natureza da “frente democrática” que o elegeu,
como os quase 30 meses de mandato foram insuficientes para aprender com
sucessivas derrotas no Congresso. Sua fragilidade na articulação política tornou
ainda mais evidente a carência de novas ideias vindas dele e do PT. Tudo
somado, fica claro que Lula vem perdendo o poder de sedução. Conforme a
tradição da política brasileira, quando se trata de namoro entre partidos, o
maior afrodisíaco é mesmo a perspectiva de poder.
E assim vai a malaise governista,
onde se misturam impopularidade, incompetência e horizonte sombrio.
Patifaria não é disputa política
O Estado de S. Paulo
Ao suspender o mandato do deputado Gilvan da
Federal por ofender a ministra Gleisi Hoffmann, a Câmara enfim toma alguma
providência contra a baixaria que conspurca sua imagem há anos
O Conselho de Ética da Câmara suspendeu na
terça-feira passada o mandato do deputado Gilvan da Federal (PL-ES) após as
ofensas que ele proferiu contra a ministra da Secretaria de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann, e o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ). A
decisão é fruto de uma representação por meio da qual a Mesa Diretora da Casa
acusou Gilvan de quebra de decoro em razão de “manifestações gravemente
ofensivas e difamatórias” feitas durante uma sessão da Comissão de Segurança
Pública e Combate ao Crime Organizado, em 29 de abril.
Nela, em vez de arguir o ministro da Justiça
e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que participava de audiência pública
para falar das iniciativas de sua pasta, o deputado usou seu tempo para
distribuir insultos. Este jornal poupará o leitor da íntegra de suas
declarações e do contexto em que elas ocorreram. Fato é que ele chamou a
ministra de “prostituta”, e nada justifica uma ofensa dessa ordem à dignidade
de uma mulher. A Polícia Legislativa teve de intervir, pois faltou pouco para
que ele e Lindbergh, que além de colega de partido é companheiro de Gleisi,
chegassem às vias de fato.
Gilvan há tempos abusa da imunidade
parlamentar para falar tudo que lhe vem à cabeça. Menos de um mês antes, o
deputado defendeu uma proposta para desarmar a guarda presidencial e afirmou
desejar a morte do presidente Lula da Silva. Em junho, usou o plenário para
chamar o senador Marcos do Val (Podemos-ES) para uma briga em um ringue depois
que os dois trocaram empurrões no Aeroporto de Vitória. Em dezembro de 2023,
xingou o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) de “traidor”.
Sempre com uma bandeira do Brasil a tiracolo,
o deputado, um empedernido bolsonarista, não faz distinção político-partidária
ao eleger seus alvos. Isso deve ter sido decisivo para que o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), assinasse uma representação contra ele no
dia seguinte ao episódio contra a ministra Gleisi, recomendando sua suspensão
cautelar ao Conselho de Ética da Casa.
Foi a primeira vez que Motta fez uso de uma
resolução aprovada no ano passado que alterou o Regimento Interno e criou um
rito sumário para punir deputados. Houve quem visse despotismo na proposta, de
autoria do ex-presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL), mas parece claro que era
necessário impor limites à escalada da baixaria na Câmara.
Discussões acaloradas entre parlamentares
governistas e de oposição sempre foram comuns no Congresso, mas o que temos
assistido nos últimos anos não pode ser chamado de debate. A ascensão de
deputados eleitos no rastro do bolsonarismo mudou o perfil da Câmara. Se antes
da chegada dos bolsonaristas a Câmara já não primava muito pela qualidade dos
debates, mas havia algum respeito, agora o que se testemunha cada vez mais são
bate-bocas grosseiros provocados deliberadamente para gerar audiência em redes
sociais.
Em paralelo, a dificuldade do Legislativo de
punir seus membros é histórica e, mais recentemente, alcançou níveis
anedóticos. Preso desde março de 2024, o deputado Chiquinho Brazão, acusado de
ser um dos mandantes do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle
Franco (PSOL), só teve o mandato cassado há duas semanas. Motivo: excesso de
faltas.
É compreensível, portanto, que os arruaceiros
se sintam à vontade para fazer o que mais sabem, pois parecem intuir que não
serão punidos por quebra de decoro. Mesmo quando teve seu mandato suspenso, o
sr. Gilvan da Federal ainda ganhou dos colegas do Conselho de Ética um castigo
de apenas três meses, metade do que pretendia a Mesa Diretora. O deputado,
claro, disse que não pretende recorrer da decisão.
Se é impossível mudar a natureza baderneira
de alguns políticos da Câmara, que não honram os votos que receberam para
exercer o mandato, espera-se que ao menos o rito sumário lhes coloque um freio.
Sabe-se que a Câmara não é um mosteiro, mas tampouco pode ser palco para
agressões físicas e verbais. É preciso deixar claro que patifaria não é
política.
O novo e frágil governo alemão
O Estado de S. Paulo
Merz tem dificuldade em conseguir votos de
sua própria coalizão para ser chanceler
O líder da União Democrata Cristã (CDU, na
sigla em alemão), Friedrich Merz, foi confirmado no posto de chanceler
(primeiro-ministro) da Alemanha, como era esperado. O caminho para a
confirmação, porém, foi constrangedor e indica que a vida do agora premiê será
mais difícil do que já era previsto.
Ao acordar na terça-feira passada, Merz
certamente imaginava o seguinte roteiro para o dia: obter um mínimo de 316 dos
630 votos dos parlamentares alemães, ser formalizado primeiro-ministro e,
então, passar oficialmente a lidar com os desafios nada triviais da principal
economia europeia, que vão da retomada do crescimento à cada vez mais complexa
questão da imigração, além da necessidade de se investir em áreas como defesa e
infraestrutura.
Mas, num vexame inédito desde o fim da 2.ª
Guerra Mundial, Merz, em uma primeira votação, ficou seis votos aquém do
necessário para ser confirmado chanceler pelo Bundestag (o Parlamento alemão),
apesar de ter 328 votos supostamente garantidos graças à coalizão com os
social-democratas (SPD) e a União Social Cristã (CSU).
O resultado inicial surpreendeu o mundo,
colocou Merz em uma situação embaraçosa e animou a Alternativa para a Alemanha
(AfD), de extrema direita, hoje a segunda maior força política do país, a pedir
uma nova eleição, o que é uma óbvia provocação.
Somente após uma segunda rodada de votos Merz
foi confirmado premiê, ao receber 325 votos, nove a mais que o mínimo
necessário.
Apesar de o estrago maior ter sido evitado, a
liderança de Merz já começa abalada, uma vez que a coalizão que ele costurou se
mostrou frágil no primeiríssimo teste.
Ao tomar posse, Merz fez as promessas de
praxe, garantindo que trabalhará pelo “bem-estar do povo alemão” e que
defenderá a Constituição e as leis, cumprindo seus “deveres de consciência” e
fazendo “justiça para todos”. Não será nada fácil.
Mal começou a governar, Merz já é impopular,
e terá de administrar um país que experimenta uma rara instabilidade política,
como mostrou, aliás, sua dificuldade em ser confirmado como chanceler, um
processo que habitualmente é protocolar. É difícil acreditar que, nesse
contexto, Merz consiga passar sem dificuldade os projetos necessários para
fazer a Alemanha gastar mais dinheiro – algo a que os alemães têm ojeriza –
para enfrentar a crise causada pela ruptura trumpista nos EUA, pela ofensiva
russa, pela concorrência chinesa e pela prolongada estagnação econômica do
país.
A base programática do novo governo, acertada
previamente entre conservadores e social-democratas, prevê regras de imigração
mais rígidas, corte de impostos e aumento do livre comércio – o acordo entre
Mercosul e União Europeia, que ainda precisa ser ratificado, é citado no
programa de governo.
No entanto, a julgar pela evidente fissura em sua coalizão, manifestada nos votos contrários à sua confirmação como chanceler, Merz já começa seu governo sob o signo da profunda desconfiança.
Educação se faz com ações antirracistas
Correio Braziliense
O financiamento da educação segue uma lógica
que se pressupõe universal, uma vez que levam em consideração o número de
matrículas. Para que haja equidade, porém, é preciso dar suporte aos mais
frágeis
Todos são iguais perante à lei. O mandamento
constitucional não é uma realidade no Brasil. Para torná-lo concreto, é
necessário, entre outros elementos, educação com igualdade para todos,
independentemente de raça, cor, etnia, orientação sexual e condição
socioeconômica. Não é o que acontece. O que mobilizou, ontem, 40 jovens de São
Paulo, que compõem a Caranava Uneafro-BR pela Equidade, a desembarcar em
Brasília para participar de audiência pública e seminário no Senado Federal em
defesa de uma educação antirracista, como estabelecido no Plano Nacional de
Educação (PNE) para a decênio 2024-2034 (Projeto de Lei 2.614/2024), de autoria
do governo federal.
Diferentemente de propostas passadas, o novo
PNE contempla ações exclusivas para a educação escolar indígena, para o meio
rural e para os quilombolas, que implicam ampliação do acesso e da qualidade do
ensino para os estudantes desses segmentos da sociedade brasileira. Um avanço.
A ausência de políticas para esse grupos sempre foi identificada como uma
das causas do êxodo rural e do deslocamento de comunidade em busca de
conhecimento.
O racismo e o preconceito étnico-racial, a
diversidade de gêneros e as condições socioeconômicas nunca foram superados
pela sociedade brasileira. Entre os vários indicadores, está o descumprimento
por 71% dos 5.570 municípios da Lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório o
ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de
ensino fundamental e médio.
O descaso é um detalhe do quanto o
racismo é prejudicial à sociedade. O financiamento da educação segue uma lógica
que se pressupõe universal, uma vez que os orçamentos levam em consideração o
número de matrículas. Para que haja equidade, porém, é preciso ter uma
política de suporte aos que são mais frágeis. Ou seja, ações que contemplem
negros, pardos, indígenas em situação de maior vulnerabilidade para que, além
do acesso, haja permanência e aprendizagem por esses segmentos da sociedade.
Esse suporte é também uma forma de reparação
aos que sempre estiveram em desvantagem e foram estigmatizados pela cor da
pele, etnia, diversidade de gênero, entre outros fatores que os diferenciam do
padrão estabelecido pela sociedade, amparado em valores eurocentristas.
No campo educação, o sistema de cotas raciais
para o acesso de pretos, pardos e indígena ao ensino superior é, até agora, a
principal política pública de reparação. Mas insuficiente, uma vez que o
racismo sistêmico e estrutural compromete as políticas públicas.
Ainda assim, não faltam tentativas políticas
contrárias aos interesses desses segmentos, embora haja um entendimento
convergente de que, sem educação de qualidade, nenhuma nação consegue elevar a
qualidade de vida da população. Esses empecilhos e contrassensos fizeram parte
do debate ontem do novo PNE, que, entre os desfechos, concluiu que o Movimento
Negro no Brasil é, antes de tudo, um movimento educativo.
Que seja sendo. Mas, ainda que sua força e importância histórica sejam reconhecidas, não devem partir exclusivamente de setores da população as iniciativas para a construção de uma sociedade pautada pela equidade. Esse é um papel predominantemente dos poderes públicos, previsto em lei.
Um obstáculo no caminho da energia verde
O Povo
O Ceará e o Nordeste não podem perder essa
oportunidade, que abrirá um novo ciclo de desenvolvimento para a região
O governador Elmano de Freitas (PT) anunciou
que nas próximas semanas será apresentada uma solução técnica para o problema
que impede a conexão de usinas de hidrogênio verde (H2V) ao Sistema Interligado
Nacional (SIN). Segundo registrou este jornal (6/5/2025), Elmano garantiu que
"o desenho jurídico está quase definido" para ser apresentado ao
Ministério de Minas e Energia (MME).
O hub de energia verde foi lançado
em 2021 pelo governo do Estado do Ceará, em parceria com o Complexo Industrial
e Portuário do Pecém (CIPP), Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec)
e Universidade Federal do Ceará (UFC). O objetivo da iniciativa é transformar o
Ceará em "um grande fornecedor global de H2V", gerando emprego, renda
e contribuindo diretamente para a descarbonização do planeta, segundo registra
o portal do CIPP.
Outros estados da região também fazem
investimentos no mesmo setor, com o propósito de transformar o Nordeste em
um polo de produção de energia limpa.
Mas o Ceará foi pioneiro no desenvolvimento
de projetos de H2V, tendo mais de 30 memorandos de entendimento com
empresas brasileiras e estrangeiras. Além disso, existem seis pré-contratos
assinados para a instalação de usinas na Zona de Processamento de Exportação do
Ceará, no Complexo do Pecém.
No entanto, o entusiasmo com um negócio, com
potencial de trazer bilhões de reais de investimentos para o Ceará,
além de contribuir para desacelerar o aquecimento global, encontrou um
obstáculo pela frente.
A Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) seguindo recomendação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS),
apontou que haveria sobrecarga na rede de transmissão, e negou a conexão
ao Sistema Interligado Nacional (SIN) para três projetos: Fortescue e Casa dos
Ventos, no Ceará, e Solatio, no Piauí.
A Associação Brasileira da Indústria do
Hidrogênio Verde (ABIHV) e a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas
Tecnologias (Abeeólica), assinaram um documento alertando que a situação põe em
risco os investimentos programados e pedem urgência ao Ministério das Minas e
Energia quanto às providências para superar problema. As entidades cobram o governo
federal pelo atraso no cronograma de ampliação das linhas de transmissão.
O Consórcio Nordeste, que reúne os nove
estados da região, também acompanha o caso. O governador Elmano de Freitas (PT)
sugere, inclusive, que os estados arquem com a construção das linhas de
transmissão para dar mais agilidade ao processo.
O fato é que o Ceará e o Nordeste não podem perder essa oportunidade, que abrirá um novo ciclo de desenvolvimento para a região.
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