No espaço de pouco mais de um mês, partiram o escritor peruano Mario Vargas Llosa (1936-2025), o papa argentino Jorge Mario Bergoglio (1936-2025), o ex-presidente uruguaio José Alberto “Pepe” Mujica Cordano (1935-2025) e o fotografo brasileiro Sebastião Ribeiro Salgado Júnior (1944-2025). Todos muito diferentes uns dos outros, tanto em suas experiências de vida quanto em suas orientações políticas e sociais, mas todos eles são o que poderíamos chamar de ibero-americanos universais. Eles despertam tanta admiração global que até mesmo seus menos afetos lamentam suas partidas.
Em uma área planetária caracterizada por uma
história institucional complexa, sempre parece haver espaço para o surgimento
de personalidades arquetípicas que, por meio de suas obras e ações, se tornam
emblemáticas de uma melhor compreensão da América e da Ibero-América, com seus
destaques e sombras ao longo do tempo.
A importância dos escritores explica, entre outras coisas, por que eles são regularmente consultados sobre política e até se aventuram nela, como fez o peruano no Peixe na Água, e/ou por que eles assumem cargos diplomáticos.
Bergoglio, ou Papa Francisco desde 2013,
representa a importância da figura religiosa na Ibero-América, região
planetária onde o avanço do secularismo segue seu próprio percurso tal qual no
restante do globo. Aqui, os católicos competem mais com as igrejas evangélicas
e com os sincretismos inerentes às suas múltiplas heranças culturais. Por
exemplo: no México afirma-se que até os ateus são guadalupenses.
Ter tido um Papa argentino foi, de certa
forma, um reconhecimento do papel do padre numa área onde, mesmo em cidades
devastadas por guerrilheiros, narcotraficantes de drogas, milicianos entre
outras figuras de igual naipe, este continua sendo uma autoridade; muitas vezes
a única.
Tivemos Mujica, um ex-guerrilheiro de
esquerda que, após cumprir pena na prisão, abandonou o conflito armado,
promoveu a reconciliação em seu país e acabou se tornando Presidente da
República.
A figura do revolucionário e/ou rebelde,
amplamente estudada pelo saudoso Eric Hobsbawm (1917-2012), foi característica
de ordens sociais excludentes, onde a recusa das classes dominantes em se abrir
a novas forças — ou em compartilhar o poder, que no frigir dos ovos dá no mesmo
como diria Vladimir Ilyich Ulianov (1870-1924) — acaba levando-as a decidir se
expressar fora do sistema de forma violenta. Há muitos insurgentes que
escreveram páginas na história recente e não tão recente da Ibero-América. No entanto,
poucos como Mujica, que aprenderam lições do passado e avançaram
harmoniosamente para o futuro.
Por fim, Sebastião Salgado fez de sua
trajetória a de um fotógrafo capaz de criar conexões profundas com as suas
fotos, suas paisagens e os povos e pessoas que retratou. Sua conexão com o rio
Amazonas e toda a cultura daqueles ecossistemas e os povos da floresta dizem
muito de si e de sua vida.
Com o desaparecimento desses 4 cavaleiros das esperanças na figura linguística de Jorge Amado (1912-2001), algo do século XX também desaparece, já que todos os 4 cresceram e atingiram a maturidade naqueles tempos interessantes da era dos extremos, tornando-se, finalmente, quem eles eram acabariam por ser. Até seus momentos finais, eles pareciam manter um senso de missão — as ideias da literalidade, uma Igreja mais próxima dos pobres, uma ética de austeridade e a fotografia como missão — mas partindo do entendimento de que esta parte planetária não é tão-somente um lugar onde pessoas muito diversas devem coexistir e prosperar e não deve ser terreno fértil para confrontos e sim para brilhar como canta Caetano Veloso. Nesse sentido, eles eram ibero-americanos tão universais quanto excepcionais.
*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE,
da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.
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