O Globo
O Brasil carrega seus defeitos e tragédias. O
golpismo. O racismo. E a ideia de que proteção ambiental é um estorvo ao
desenvolvimento
O ex-comandante da Força Aérea Brasileira, brigadeiro Baptista Jr., contava ontem os bastidores das reuniões golpistas do governo Bolsonaro, revelando que houve até um “brainstorm” sobre como seria a prisão de ministros do Supremo. Enquanto isso, o Senado implodia o arcabouço ambiental do país. O projeto do licenciamento ambiental ficou ainda pior com a emenda do senador Davi Alcolumbre, que cria uma espécie de “fast track” para licenciar obras consideradas estratégicas. O rito será outro, e quem decidirá qual projeto terá esse andamento rápido será um conselho.
O projeto do governo anterior era destruir a
democracia e o meio ambiente. No Supremo Tribunal Federal, estão sendo julgados
aqueles que atentaram contra a democracia. No Congresso, está em pleno
andamento o golpe contra o meio ambiente. A proposta do senador Alcolumbre tem
a ver, claro, com a concessão na marra da licença para a exploração de petróleo
na Foz do Amazonas.
— É dirigido para a Foz do Amazonas porque
tem até uma digital, quando a emenda fala que tem especial validade para
estados que tenham mais de 50% de unidades de conservação e terra indígena, só
Amapá e Roraima têm — diz Márcio Astrini, secretário- executivo do Observatório
do Clima.
Ontem foi mesmo o dia de aparecerem todas as
nossas tragédias. A ministra Cármen
Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, denunciou que uma
ministra do TSE foi
impedida de entrar numa reunião da Comissão de Ética do governo para a qual
havia sido convidada. A
ministra Vera Lúcia Santana Araújo foi barrada por ser negra. “Uma das
integrantes desse tribunal foi centro de uma inaceitável conduta de
discriminação, racismo, um tratamento indigno, quando ela se apresentava
atendendo a um convite”, disse a ministra Cármen e pediu explicações à Comissão
de Ética da presidência da República.
O Brasil carrega seus defeitos. O golpismo
militar, que desta vez fracassou. O racismo sempre presente. E a ideia de que o
arcabouço ambiental é um estorvo ao desenvolvimento e, por isso, é preciso
atirar contra esse ordenamento. São muitos os projetos ameaçadores. No governo
passado, foram aprovados na Câmara de Arthur Lira,
alguns em votação de urgência, e enviados para o Senado. E lá paravam. Ao se
sentar na cadeira de presidente, o senador Davi Alcolumbre encontrou as gavetas
cheias de projetos que pode lançar contra o governo. A coalizão do agronegócio
e de empresas de engenharia — que quer obras sem obstáculos, e produção
agropecuária sem barreiras — se organizou para aprovar o PL do licenciamento. E
o governo mal esboçou resistência. Alguns parlamentares da base governista se
esforçaram. Não foram suficientes.
— Com quantas derrotas o governo vai chegar à
COP 30? Qual é a agenda do Brasil na COP? São as derrotas internas no meio
ambiente? — perguntou Astrini.
Tudo isso acontece faltando meses para que o
mundo venha ao Brasil se reunir na primeira Conferência das Partes a ser
realizada na Amazônia.
O que o Brasil terá a dizer? Que, agora, em vez de o órgão ambiental conceder a
licença, muitos empreendimentos podem ser liberados por autodeclaração. O
empreendedor preenche um formulário e se compromete a seguir as normas
ambientais. “Licenciamento por Adesão e Compromisso” é o nome da nova
modalidade.
Há outras mudanças na lei que enfraquecem
vários órgãos. ICMBio, Funai e Iphan passam a ser órgãos apenas consultivos.
O Ibama deixa
de acompanhar a obra porque terá que dar uma única licença. O impacto indireto
de uma obra não é mais considerado. Por exemplo, uma estrada que atravesse uma
área preservada da Amazônia sempre estimula a grilagem e as invasões de terras
públicas ou indígenas. Mas será considerado apenas o impacto do asfalto sobre o
solo, e não toda a destruição que ela permitirá.
E há a emenda Alcolumbre, prontamente
acolhida pela relatora, senadora Tereza
Cristina. Cria esse andamento rápido para a licença de projetos de
interesse nacional. Esses terão facilidade, poderão furar a fila e terão
critérios de aprovação que certamente não serão técnicos.
Enquanto o Senado votava esse projeto, o
brigadeiro Baptista Jr. contava em detalhes no STF o
que se passara no governo Bolsonaro. “Aconteça o que acontecer, no dia primeiro
o senhor não será presidente”, teria dito Baptista Jr. a Bolsonaro. Aquele
golpe fracassou, felizmente. Mas suas ideias e valores permanecem avançando.
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