Valor Econômico
Lideranças empresariais, em vez de reclamar
da escassez de mão-de-obra, deveriam se atentar para as mudanças no mercado de
trabalho
Empresários e executivos, dos mais variados
setores, têm repetido à exaustão: “Está difícil encontrar quem queira trabalhar
no Brasil”. A frase em geral vem acompanhada de uma crítica ao volume dos
benefícios sociais distribuídos pelo governo, que estaria estimulando as
pessoas a procurarem emprego. O problema, porém, é muito mais complexo.
A taxa de desocupação, medida pela Pesquisa
Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), apresentou em março o menor
patamar (7%) para um primeiro trimestre desde o início da série histórica
atual, iniciada em 2012. Com o país crescendo acima de 3% ao ano desde 2021, a
economia brasileira opera próximo ao pleno emprego, o que por si só já ajuda a
explicar a dificuldade de contratar testemunhada pelas empresas.
Colocando em perspectiva histórica os números da Pnad, observamos que, tendo como referência o período pré-pandemia, a hipótese de que programas sociais como o Bolsa Família desincentivam o emprego parece não se sustentar. Afinal, o percentual de pessoas fora do mercado de trabalho diminuiu de 38,3% em março de 2019 para 37,8% atualmente.
Nos últimos seis anos, o número de pessoas
ocupadas cresceu 11,6%, bem acima da variação de 3,9% no contingente da
população acima de 14 anos. Ou seja, o mercado de trabalho não apenas atraiu
proporcionalmente mais gente, como aquela mão de obra ociosa desde os tempos da
grande recessão de 2015 a 2017 passou a encontrar emprego em função do forte
crescimento pós-pandemia.
Há, porém, uma mudança em curso na sociedade
brasileira para a qual os empresários e executivos brasileiros deveriam estar
atentos, em vez de culparem os programas de transferência de renda
governamentais.
Na edição de 25 anos do Valor publicada na última
sexta-feira (02/05), a repórter Cristiane Agostine fez um mergulho na realidade
de Ermelino Matarazzo, distrito localizado no extremo leste de São Paulo e que
reflete muito bem as transformações que estão ocorrendo no país. Composição
familiar, hábitos de consumo, práticas religiosas, níveis educacionais,
preferências políticas, empoderamento feminino, intolerância ao racismo - novas
dinâmicas sociais têm mudado a realidade não apenas naquele microcosmo que tem
funcionado como termômetro eleitoral na maior cidade do país, mas são
tendências em boa parte do território nacional.
Na reportagem de campo realizada por
Agostine, três relatos ilustram muito bem o que vem ocorrendo na base do
mercado de trabalho brasileiro. Uma jovem de 31 anos foi estimulada pelo pastor
a trocar o emprego com carteira assinada para empreender na própria comunidade,
abrindo uma loja de bijuterias. Já o ex-empregado de uma padaria, 49 anos,
começou a atuar como motorista de aplicativo para complementar a renda e logo
chegou à conclusão que “CLT é bom, mas às vezes o patrão não dá o valor ao seu
trabalho”. A migração de celetista para uberizado teve consequências em termos
de renda (“hoje não trabalho menos, mas ganho mais”), mas também em qualidade
de vida: ele não precisa mais perder três horas diárias na locomoção para o
antigo emprego, além de não ser mais obrigado a trabalhar nos finais de semana.
Essa percepção é compartilhada por outra
jovem, de apenas 21 anos, que reconhece que os amigos de mesma faixa etária não
titubeiam em pedir demissão, mesmo quando contratados por grandes empresas: “Já
se foi o tempo de aguentar qualquer coisa para sustentar a família, tem que ter
saúde mental também”.
De volta à Pnad, os dados generalizam para o
Brasil a realidade das Samantas, Antônios e Raissas. De 2019 pra cá, o número
de trabalhadores por conta própria com CNPJ (os MEIs) cresceu 43,3% e os
vínculos sem carteira assinada no setor privado subiram 21%, enquanto as vagas
de domésticas “fichadas” reduziram 22%. Mesmo no grupo de trabalhadores formais
privados, que expandiu expressivos 19,8% nos últimos seis anos, estudos apontam
que a rotatividade da mão de obra se ampliou de forma considerável.
E aqui chegamos à escala 6x1. No seu
pronunciamento sobre o Dia dos Trabalhadores, Lula deu a primeira sinalização
enfática de que pretende levar adiante a discussão sobre uma possível redução
na carga de 44 horas semanais.
Apegados ao curto-prazismo e a um modelo de
gestão que converte pessoas em insumo, boa parte dos executivos e empresários
ainda não se deu conta de que os trabalhadores brasileiros demandam maior
flexibilidade de horário, valorizam mais a saúde mental do que um acréscimo de
algumas dezenas de reais no contracheque e esperam ser tratados com respeito.
Estar atento às transformações sociais é fundamental para a sobrevivência dos negócios. Em vez de reclamar da escassez de mão de obra, lideranças do setor privado deveriam oferecer melhores de condições de trabalho. O fim da escala 6x1 pode ser um ótimo começo.
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