segunda-feira, 5 de maio de 2025

Transformações no mundo do trabalho e a jornada 6x1 - Bruno Carazza

Valor Econômico

Lideranças empresariais, em vez de reclamar da escassez de mão-de-obra, deveriam se atentar para as mudanças no mercado de trabalho

Empresários e executivos, dos mais variados setores, têm repetido à exaustão: “Está difícil encontrar quem queira trabalhar no Brasil”. A frase em geral vem acompanhada de uma crítica ao volume dos benefícios sociais distribuídos pelo governo, que estaria estimulando as pessoas a procurarem emprego. O problema, porém, é muito mais complexo.

A taxa de desocupação, medida pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), apresentou em março o menor patamar (7%) para um primeiro trimestre desde o início da série histórica atual, iniciada em 2012. Com o país crescendo acima de 3% ao ano desde 2021, a economia brasileira opera próximo ao pleno emprego, o que por si só já ajuda a explicar a dificuldade de contratar testemunhada pelas empresas.

Colocando em perspectiva histórica os números da Pnad, observamos que, tendo como referência o período pré-pandemia, a hipótese de que programas sociais como o Bolsa Família desincentivam o emprego parece não se sustentar. Afinal, o percentual de pessoas fora do mercado de trabalho diminuiu de 38,3% em março de 2019 para 37,8% atualmente.

Nos últimos seis anos, o número de pessoas ocupadas cresceu 11,6%, bem acima da variação de 3,9% no contingente da população acima de 14 anos. Ou seja, o mercado de trabalho não apenas atraiu proporcionalmente mais gente, como aquela mão de obra ociosa desde os tempos da grande recessão de 2015 a 2017 passou a encontrar emprego em função do forte crescimento pós-pandemia.

Há, porém, uma mudança em curso na sociedade brasileira para a qual os empresários e executivos brasileiros deveriam estar atentos, em vez de culparem os programas de transferência de renda governamentais.

Na edição de 25 anos do Valor publicada na última sexta-feira (02/05), a repórter Cristiane Agostine fez um mergulho na realidade de Ermelino Matarazzo, distrito localizado no extremo leste de São Paulo e que reflete muito bem as transformações que estão ocorrendo no país. Composição familiar, hábitos de consumo, práticas religiosas, níveis educacionais, preferências políticas, empoderamento feminino, intolerância ao racismo - novas dinâmicas sociais têm mudado a realidade não apenas naquele microcosmo que tem funcionado como termômetro eleitoral na maior cidade do país, mas são tendências em boa parte do território nacional.

Na reportagem de campo realizada por Agostine, três relatos ilustram muito bem o que vem ocorrendo na base do mercado de trabalho brasileiro. Uma jovem de 31 anos foi estimulada pelo pastor a trocar o emprego com carteira assinada para empreender na própria comunidade, abrindo uma loja de bijuterias. Já o ex-empregado de uma padaria, 49 anos, começou a atuar como motorista de aplicativo para complementar a renda e logo chegou à conclusão que “CLT é bom, mas às vezes o patrão não dá o valor ao seu trabalho”. A migração de celetista para uberizado teve consequências em termos de renda (“hoje não trabalho menos, mas ganho mais”), mas também em qualidade de vida: ele não precisa mais perder três horas diárias na locomoção para o antigo emprego, além de não ser mais obrigado a trabalhar nos finais de semana.

Essa percepção é compartilhada por outra jovem, de apenas 21 anos, que reconhece que os amigos de mesma faixa etária não titubeiam em pedir demissão, mesmo quando contratados por grandes empresas: “Já se foi o tempo de aguentar qualquer coisa para sustentar a família, tem que ter saúde mental também”.

De volta à Pnad, os dados generalizam para o Brasil a realidade das Samantas, Antônios e Raissas. De 2019 pra cá, o número de trabalhadores por conta própria com CNPJ (os MEIs) cresceu 43,3% e os vínculos sem carteira assinada no setor privado subiram 21%, enquanto as vagas de domésticas “fichadas” reduziram 22%. Mesmo no grupo de trabalhadores formais privados, que expandiu expressivos 19,8% nos últimos seis anos, estudos apontam que a rotatividade da mão de obra se ampliou de forma considerável.

E aqui chegamos à escala 6x1. No seu pronunciamento sobre o Dia dos Trabalhadores, Lula deu a primeira sinalização enfática de que pretende levar adiante a discussão sobre uma possível redução na carga de 44 horas semanais.

Apegados ao curto-prazismo e a um modelo de gestão que converte pessoas em insumo, boa parte dos executivos e empresários ainda não se deu conta de que os trabalhadores brasileiros demandam maior flexibilidade de horário, valorizam mais a saúde mental do que um acréscimo de algumas dezenas de reais no contracheque e esperam ser tratados com respeito.

Estar atento às transformações sociais é fundamental para a sobrevivência dos negócios. Em vez de reclamar da escassez de mão de obra, lideranças do setor privado deveriam oferecer melhores de condições de trabalho. O fim da escala 6x1 pode ser um ótimo começo.

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