Valor Econômico
A situação das contas públicas é tão grave
que não foi possível empurrar o ajuste para 2027, e medidas impopulares estão
sobre a mesa
Eis que a equipe econômica conseguiu empatar
uma partida que parecia perdida.
Das cinzas onde estavam mergulhadas desde o
fim do ano passado, ressurgiram as discussões para promover ajustes estruturais
nas contas públicas. O estopim foi o desejo do Congresso de derrubar o decreto
que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Se for concretizado,
será preciso encontrar formas de repor os R$ 20,5 bilhões que seriam
arrecadados com a nova taxação neste ano e contornar a perda de R$ 41 bilhões
prevista para 2026.
Assim, estão sobre a mesa medidas de caráter mais imediato para 2025 e outras, de caráter mais estrutural, para 2026. As opções foram discutidas ontem em almoço oferecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Não foram detalhadas ao público, o que significa que especulações correrão soltas até o anúncio oficial, que pode ocorrer no domingo, após serem ouvidos os líderes partidários.
Nos bastidores, há receio que o sinal emitido
pelo encontro, que mostrou união de dois Poderes em torno das contas públicas,
crie expectativas que depois acabem frustradas. Foi o que aconteceu em novembro
passado: as propostas de ajuste estrutural elaboradas pelos técnicos foram
limadas pela área política do Planalto e depois desidratadas no Congresso
Nacional.
Ontem, o simples fato de Lula não descartar
de antemão ideias como rever a vinculação de benefícios sociais ao salário
mínimo e os pisos de gastos em saúde e educação foi motivo para a cotação do
dólar cair e a bolsa subir.
“Não discuti o acordo que eles estão fazendo,
eu não posso dar palpite sim ou não”, disse o presidente em entrevista coletiva
concedida no fim da manhã, antes do encontro com os presidentes do Legislativo.
Acrescentou que não seria “estragador de reunião” e que iria primeiro analisar
cada proposta. “Então, com muita cautela, eu vou almoçar”, disse, explicando
que primeiro ouviria as sugestões. “Depois, eu vou falar e eles vão comer.”
Pelo que descreveu o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, o pacote em análise conterá uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) e um projeto de lei amplo. A depender do andamento das
discussões, poderá haver também uma medida provisória (MP).
Uma novidade em comparação com o pacote de
novembro passado são os gastos tributários. A conta das renúncias fiscais está
no alvo de Motta desde março, quando foi anunciado o projeto que eleva o limite
de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) a R$ 5 mil. Ele prefere
cortar parte desses benefícios a cobrar imposto das pessoas de alta renda. Essa
mesma solução pode ser alternativa à elevação do IOF, na visão do deputado.
Relator na Câmara do projeto de lei do
arcabouço fiscal, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) participou da reunião de
líderes na semana passada, em que foi dado um prazo de dez dias para Haddad
apresentar alternativas à alta do IOF. À coluna Cajado contou que citou no
encontro o dado trazido em reportagem do Valor, de que a conta de incentivos fiscais é da
ordem de R$ 800 bilhões, e não os cerca de R$ 600 bilhões originalmente
estimados pela Receita Federal.
É de Cajado a ideia de cortar 2,5% dos gastos
tributários, de forma linear, com algumas exceções, para equilibrar o limite de
isenção de R$ 5 mil sem cobrar mais das pessoas de alta renda. Naquela reunião
de líderes, foi acertada a criação de um grupo de trabalho que analisará os
gastos tributários.
“Vamos verificar a utilidade dessas
desonerações. Estão sendo úteis ao país? Estão mantendo a empresa competitiva?”
O que não é aceitável, na visão do deputado, é a manutenção de benefícios
fiscais cujo valor nem a Receita conhece. Os que geram resultados, disse, devem
ser mantidos. Do contrário, devem ser eliminados.
Esse tema, reconheceu, não foi enfrentado até
agora porque há lobbies fortes no Congresso.
Ontem, Lula indicou seu apoio a esse debate.
Disse que há uma “deficiência cultural” no Brasil. “Todo o benefício que você
dá para o setor produtivo, para os empresários, para que uma empresa possa se
instalar num Estado, para que a gente possa evitar uma crise econômica - e eu
já fiz muito -, você dá por um ano, por dois anos. Quando você quer tirar, é
muito difícil.” Ele também citou a cifra dos R$ 800 bilhões.
Não custa lembrar que, do pacote do ano
passado, ainda aguardam votação no Congresso o projeto que limita os
supersalários e o que trata da previdência dos militares.
Além disso, deputados e senadores barraram a
tentativa do governo de apertar os critérios de concessão dos Benefício de
Prestação Continuada (BPC), uma conta que cresce ao ritmo de 11,6% reais este
ano. Também foi derrotada uma tentativa de firmar em lei uma autorização para a
equipe econômica mirar no centro da meta fiscal para definir contingenciamentos
de despesas, o que resultaria numa execução orçamentária mais apertada.
A situação das contas públicas é tão grave
que não foi possível empurrar o ajuste para 2027, como parecia ser o desejo na
Praça dos Três Poderes. Medidas impopulares estão sobre a mesa agora, para que
não entrem em cena no ano eleitoral.
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