terça-feira, 24 de junho de 2025

As chances de o cessar-fogo prosperar no Irã - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Cotação do petróleo caiu para abaixo dos US$ 70 e ficou claro que o conflito seria contido

Os agentes financeiros se anteciparam ao comandante-em-chefe. No início da tarde, a cotação do petróleo caiu para abaixo dos US$ 70 e ficou claro que o conflito seria contido. Contribuiu para isso o ataque iraniano contra as bases americanas no Catar com aviso prévio, sem aviões no solo, mísseis interceptados e sem feridos - uma jogada ensaiada, em resumo, de um ataque “para persa ver”.

Além disso, não havia mais dúvida de que o estreito de Ormuz, por onde trafegam os petroleiros iranianos, permaneceria aberto. Fechá-lo seria equivalente ao Irã impor sanções à própria economia. O maior prejudicado seria a China, principal destino do seu petróleo.

Até Vladimir Putin contribuiu para desescalar o conflito com seu jogo dúbio. Ao receber o primeiro-ministro iraniano na manhã de segunda-feira (23), tanto disse que o ataque americano contra o Irã não tinha “nenhuma justificativa” quanto afirmou que a Rússia estaria agindo para abaixar o tom da crise e ajudar os iranianos.

Além do disse-me-disse, a Rússia agiu contra o conflito por razões concretas. Além dos 2 milhões de imigrantes da antiga União Soviética que, segundo o próprio Putin afirmou no Kremlin na semana passada, vivem em Israel, “quase um país russo-falante”, a Rússia não tem como abrir um segundo front de guerra. Na manhã de segunda, a Otan aprovou um aumento no gasto militar para 5% do PIB.

Indagado sobre as razões pelas quais o acordo de cooperação estratégica firmado com o Irã no início do ano não tinha uma cláusula de mútua defesa, o dirigente russo disse que foram os iranianos que recuaram neste ponto, sugerindo que o líder máximo do país, Ali Khamenei, teria preferido não cutucar a onça americana com a vara curta.

Já Trump, ao se colocar no papel de “credor máximo” de Israel, como o embaixador do país nas Nações Unidas, Danny Dannon, deixou claro na reunião de domingo do Conselho de Segurança [“o mundo tem uma dívida de gratidão com os Estados Unidos”], também ficou em condição de cobrar a contenção israelense.

A mensagem do presidente americano na “Truth Social” foi tão ufanista quando tinha sido a comemoração do ataque do fim de semana: “Quero agradecer ao Irã por nos avisar previamente, o que tornou possível que nenhuma vida tenha se perdido e ninguém tenha sido ferido. Talvez o Irã possa agora agir com paz e harmonia na região e eu vou encorajar Israel a fazer o mesmo”.

Pesquisa Reuters/Ipsos divulgada na segunda-feira trouxe uma taxa de 45% de desaprovação ao ataque (contra 36% a favor e 19% que não sabem). Apenas o eleitorado de Trump aprova com folga a iniciativa (69%), mas se se transformasse numa guerra prolongada, com impacto sobre os preços, a desaprovação não custaria a escalar.

Se o regime de Ali Khamenei sentou-se figurativamente à mesa de negociação, o mesmo não se pode dizer ainda de Israel. Apesar de o Irã ter reagido com estudada contenção ao ataque americano, da mesma maneira que o fez em resposta ao atentado contra Qassem Soleimani, o general iraniano da Guarda Revolucionária Islâmica, morto pelos israelense em 2020, não se espera que o país venha a abrir mão de seu programa nuclear.

A comparação com a Coreia do Norte tornou-se inevitável. Ninguém mexe com Kim Jong-il porque ele tirou o país do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e montou seu arsenal de armas nucleares. Intangível pelas grandes potências, acabou servindo de fonte de inspiração. E Benjamin Netanyahu não parece disposto a aceitar que o Irã prossiga no enriquecimento de urânio.

Na manhã de segunda-feira, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), Rafael Grossi, contou da carta que recebeu do ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araghchi, no dia 13, quando o país foi atacado, informando-lhe que iria “adotar medidas especiais para proteger o equipamento e o material nuclear do país”.

Grossi reportou ainda que, em resposta, disse que qualquer transferência de material nuclear de uma instalação para outra deveria ser declarada à agência, como prevê o tratado de salvaguarda. Concluiu, então que, “neste momento, ninguém, incluindo a Aiea, está em condições de avaliar completamente os danos subterrâneos em Fordow”. Em resumo: não há como a agência atestar a localização dos ditos 408 quilos de urânio enriquecidos a 60%.

O relato de Grossi sugere que o Irã pode ter retirado o urânio de Fordow, a usina encravada nas montanhas, antes do ataque perfurante dos Estados Unidos. Este cenário certamente era do conhecimento dos EUA antes do ataque, o que pode ter dado, ao ataque de sexta-feira, uma pincelada de “para israelense ver”.

Depois de manter a salvo seu estoque de urânio, o Irã prosseguiria com seu programa no jogo de pique-esconde que vem mantendo com a agência desde que Trump, em 2020, rompeu o acordo fechado entre o governo do ex-presidente Barack Obama e o Irã.

Na eventualidade desse conjunto de condicionalidades se confirmarem, resta a inconformidade de Netanyahu. Sua disposição à guerra total pode abreviar a trégua e jogar tudo pros ares outra vez, inclusive a pretensão de Trump de posar de pacificador depois de pôr fogo no parquinho.

 

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