Valor Econômico
Cotação do petróleo caiu para abaixo dos US$
70 e ficou claro que o conflito seria contido
Os agentes financeiros se anteciparam ao
comandante-em-chefe. No início da tarde, a cotação do petróleo caiu para abaixo
dos US$ 70 e ficou claro que o conflito seria contido. Contribuiu para isso o
ataque iraniano contra as bases americanas no Catar com aviso prévio, sem
aviões no solo, mísseis interceptados e sem feridos - uma jogada ensaiada, em
resumo, de um ataque “para persa ver”.
Além disso, não havia mais dúvida de que o
estreito de Ormuz, por onde trafegam os petroleiros iranianos, permaneceria
aberto. Fechá-lo seria equivalente ao Irã impor sanções à própria economia. O
maior prejudicado seria a China, principal destino do seu petróleo.
Até Vladimir Putin contribuiu para desescalar o conflito com seu jogo dúbio. Ao receber o primeiro-ministro iraniano na manhã de segunda-feira (23), tanto disse que o ataque americano contra o Irã não tinha “nenhuma justificativa” quanto afirmou que a Rússia estaria agindo para abaixar o tom da crise e ajudar os iranianos.
Além do disse-me-disse, a Rússia agiu contra
o conflito por razões concretas. Além dos 2 milhões de imigrantes da antiga
União Soviética que, segundo o próprio Putin afirmou no Kremlin na semana
passada, vivem em Israel, “quase um país russo-falante”, a Rússia não tem como
abrir um segundo front de guerra. Na manhã de segunda, a Otan aprovou um
aumento no gasto militar para 5% do PIB.
Indagado sobre as razões pelas quais o acordo
de cooperação estratégica firmado com o Irã no início do ano não tinha uma
cláusula de mútua defesa, o dirigente russo disse que foram os iranianos que
recuaram neste ponto, sugerindo que o líder máximo do país, Ali Khamenei, teria
preferido não cutucar a onça americana com a vara curta.
Já Trump, ao se colocar no papel de “credor
máximo” de Israel, como o embaixador do país nas Nações Unidas, Danny Dannon,
deixou claro na reunião de domingo do Conselho de Segurança [“o mundo tem uma
dívida de gratidão com os Estados Unidos”], também ficou em condição de cobrar
a contenção israelense.
A mensagem do presidente americano na “Truth
Social” foi tão ufanista quando tinha sido a comemoração do ataque do fim de
semana: “Quero agradecer ao Irã por nos avisar previamente, o que tornou
possível que nenhuma vida tenha se perdido e ninguém tenha sido ferido. Talvez
o Irã possa agora agir com paz e harmonia na região e eu vou encorajar Israel a
fazer o mesmo”.
Pesquisa Reuters/Ipsos divulgada na
segunda-feira trouxe uma taxa de 45% de desaprovação ao ataque (contra 36% a
favor e 19% que não sabem). Apenas o eleitorado de Trump aprova com folga a
iniciativa (69%), mas se se transformasse numa guerra prolongada, com impacto
sobre os preços, a desaprovação não custaria a escalar.
Se o regime de Ali Khamenei sentou-se
figurativamente à mesa de negociação, o mesmo não se pode dizer ainda de
Israel. Apesar de o Irã ter reagido com estudada contenção ao ataque americano,
da mesma maneira que o fez em resposta ao atentado contra Qassem Soleimani, o
general iraniano da Guarda Revolucionária Islâmica, morto pelos israelense em
2020, não se espera que o país venha a abrir mão de seu programa nuclear.
A comparação com a Coreia do Norte tornou-se
inevitável. Ninguém mexe com Kim Jong-il porque ele tirou o país do Tratado de
Não-Proliferação Nuclear e montou seu arsenal de armas nucleares. Intangível
pelas grandes potências, acabou servindo de fonte de inspiração. E Benjamin
Netanyahu não parece disposto a aceitar que o Irã prossiga no enriquecimento de
urânio.
Na manhã de segunda-feira, o diretor-geral da
Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), Rafael Grossi, contou da carta
que recebeu do ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araghchi, no dia
13, quando o país foi atacado, informando-lhe que iria “adotar medidas
especiais para proteger o equipamento e o material nuclear do país”.
Grossi reportou ainda que, em resposta, disse
que qualquer transferência de material nuclear de uma instalação para outra
deveria ser declarada à agência, como prevê o tratado de salvaguarda. Concluiu,
então que, “neste momento, ninguém, incluindo a Aiea, está em condições de
avaliar completamente os danos subterrâneos em Fordow”. Em resumo: não há como
a agência atestar a localização dos ditos 408 quilos de urânio enriquecidos a
60%.
O relato de Grossi sugere que o Irã pode ter
retirado o urânio de Fordow, a usina encravada nas montanhas, antes do ataque
perfurante dos Estados Unidos. Este cenário certamente era do conhecimento dos
EUA antes do ataque, o que pode ter dado, ao ataque de sexta-feira, uma
pincelada de “para israelense ver”.
Depois de manter a salvo seu estoque de
urânio, o Irã prosseguiria com seu programa no jogo de pique-esconde que vem
mantendo com a agência desde que Trump, em 2020, rompeu o acordo fechado entre
o governo do ex-presidente Barack Obama e o Irã.
Na eventualidade desse conjunto de
condicionalidades se confirmarem, resta a inconformidade de Netanyahu. Sua
disposição à guerra total pode abreviar a trégua e jogar tudo pros ares outra
vez, inclusive a pretensão de Trump de posar de pacificador depois de pôr fogo
no parquinho.
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