Por Cássia Almeida / O Globo
Iniciativas do Legislativo ou mudanças em
projetos do Executivo ampliam gastos ou barram cortes em benefícios fiscais
A queda de braço entre o Congresso e o
Executivo, que chegou ao ápice na semana passada com a derrubada do decreto
presidencial que aumentou a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF), está fazendo o desequilíbrio fiscal do país se agravar. Se o governo tem
optado, na maioria das vezes, por um ajuste fiscal ancorado no aumento de
receitas, o Congresso também adotou medidas que acabaram ampliando gastos ou
barrando propostas de ajuste apresentadas pelo Executivo.
Levantamento da Tendências Consultoria feito
a pedido do GLOBO mostra que medidas recentes do Legislativo tiveram impacto de
mais R$ 100 bilhões só neste ano. São iniciativas que elevaram despesas
públicas, travaram cortes de gastos ou rejeitaram limites a isenções fiscais.
A lista de algumas dessas medidas (veja
quadro ao lado) soma R$ 106,9 bilhões em 2025. No ano que vem, a conta sobe
para R$ 123,25 bilhões, com os efeitos da decisão do Congresso de ampliar o
número de deputados e o início do programa de renegociação de dívida com os
estados (Propag), projeto de lei do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que
praticamente retirou os juros do pagamento da dívida dos estados, mantendo
somente a correção pela inflação. O projeto foi sancionado pela União em
janeiro deste ano. Antes, havia juro de 2% ao ano. O impacto esperado é de R$
20 bilhões a partir do ano que vem.
— O Congresso sentou em cima do encaminhamento para reduzir supersalários, houve a questão dos estados, sem contar com o aumento de deputados e o novo patamar de emendas parlamentares. Mas não podemos esquecer que o governo aumentou os gastos com a PEC da Transição em 2023, em R$ 200 bilhões — diz Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.
Emendas parlamentares são um peso
O economista Bráulio Borges, pesquisador
associado da FGV/Ibre, em artigo recente, chamou o Legislativo à
responsabilidade. Segundo ele, reduzir as emendas parlamentares a um nível
praticado em outros países para R$ 10 bilhões seria suficiente para ajustar as
contas. Elas subiram de R$ 8,6 bilhões em 2014 para R$ 62 bilhões neste ano:
— Há peso excessivamente carregado pelo
Executivo federal. Essa responsabilidade tem de ser compartilhada. Temos
Legislativo empoderado, governos regionais ganhando espaço no gasto total mas,
quando dá problema, batem na porta do governo federal.
Carlos Melo, cientista político e professor
do Insper, lembra que serão mais 18 deputados em 2026, que devem custar R$ 165
milhões:
— Vão querer ter emendas, privilégios, o
mesmo controle do Orçamento que os demais. Numa tacada só, negam aumento de
receita e sobem a despesa (o projeto aumenta o número de deputados de 513 para
531).
Ele diz que faltam instrumentos para
negociar. Com as emendas parlamentares, mais o fundo partidário — que aumentou
R$ 165 milhões, chegando a R$ 1,368 bilhão neste ano —, e o fundo eleitoral,
que foi de R$ 5 bilhões em 2024, os parlamentares “se dão ao luxo” de recusar
cargo no governo:
—Eles não dependem do governo. São cinco
centenas de vereadores federais. Falam em “governo congressual”.
'Jabutis' do setor elétrico vão custar R$ 190
bilhões
Apesar de não ter impacto no Orçamento,
Borges lembra os jabutis incluídos pelo Congresso num projeto para o setor
elétrico no último dia 17, que vão custar mais de R$ 190 bilhões, que serão
repassados ao consumidor:
—Foi um verdadeiro ataque especulativo do
Congresso contra o Brasil. Aproveitou a fraqueza do governo para aprovar um
monte de jabutis (matérias estranhas ao projeto original) que só satisfazem
alguns interesses muito bem representados no Congresso.
Entre as renúncias fiscais, Borges cita o
Perse, de apoio ao setor de eventos em razão da pandemia. O governo queria
extingui-lo, mas os parlamentares mantiveram a isenção, de mais de R$ 15
bilhões. Também mantiveram a desoneração da folha de pagamento. A desoneração
foi criada no governo de Dilma Rousseff, e o número de setores beneficiados foi
reduzido aos atuais 17 na gestão de Michel Temer. O Congresso renovou o prazo
de validade do benefício:
— O Supremo exigiu que o Congresso
apresentasse compensação para perda de receita (R$ 20 bilhões, com a
desoneração), mas só foram indicados R$ 9 bilhões de receitas não recorrentes.
O Congresso também elevou a participação da
União no Fundeb, que era de 10% até 2020. A fatia subirá para 21%. O aumento é
gradual, de dois pontos percentuais a cada ano. A estimativa da Tendências é
que essa alta anual de participação custe R$ 6 bilhões a mais para o governo
federal a cada ano.
No Benefício de Prestação Continuada (BPC),
transferido a pessoas de 65 anos ou mais e pessoas com deficiência de baixa
renda, houve flexibilização de regras em 2021, promovida pelo Executivo, no
governo Bolsonaro. Em 2024, tentou-se manter as regras mais rígidas, limitando
o benefício a deficiências mais graves, mas o Congresso vetou a restrição.
Segundo cálculos de Borges, o BPC custou nos
últimos 12 meses até maio R$ 121 bilhões. Se mantivesse as regras anteriores a
2021, a despesa seria de entre R$ 90 bilhões a R$ 95 bilhões, mesmo
considerando o reajuste real do salário mínimo, valor do benefício. A diferença
não entrou no cálculo da Tendências.
A compensação para isenção de Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5 mil também é outro ponto que pode aumentar a
renúncia fiscal, afirma Guilherme Klein, professor na Universidade de Leeds
(Inglaterra) e pesquisador do Made-USP. Ele cita a proposta do PP para o
projeto:
— A proposta mantém a isenção, mas a cobrança
de alíquota mínima de IR, que começaria em R$ 50 mil mensais (segundo o projeto
do Executivo), só seria a partir em R$ 250 mil e subiria bem aos poucos. Isso
provocaria um déficit fiscal de R$ 38 bilhões.
Para Ricardo Ribeiro, analista político da
LCA 4Intelligence, o foco é a eleição de 2026:
— O Centrão que tem um pé no governo está se arrumando para um cenário eleitoral. A questão não é se tem de fato um Congresso a favor ou não de corte de gastos. O essencial é que estamos antevendo o embate eleitoral de 2026.
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