Valor Econômico
Assunto ganha ainda mais importância neste momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30
Bicho peculiar, o jabuti é conhecido pelo
público em geral por sua lentidão e timidez. Aparenta relativa fragilidade até.
Tem um aspecto rústico, é verdade, patas robustas e um casco alto. Mas, a
qualquer sinal de perigo, retrai-se para dentro da carapaça e dela só sai
quando acredita estar a salvo. Talvez por isso tenha uma vida tão longa. Vive
80 anos em média, dizem os especialistas, embora possa chegar a cem anos em
alguns casos.
Lá estava o jabuti quando o homem passou a
citar animais em suas lendas e mitos, usando-o como um instrumento de reflexão
sobre a própria condição humana. Na Grécia Antiga, ilustrou algumas linhas das
“Fábulas de Esopo”. No Brasil, soube-se tempos depois, também foi personagem
central nas histórias transmitidas oralmente pelos povos originários.
Segundo mostra o catálogo da Biblioteca Nacional, quando esse gênero virou um filão literário no século XIX, surgiram as primeiras obras reunindo mitos indígenas brasileiros. Em 1875, por exemplo, o geólogo canadense Charles Frederick Hartt escreveu em inglês “Mitos da tartaruga amazônica”, obra rara mantida pela instituição. Várias de suas histórias têm o jabuti como protagonista.
De acordo com a descrição desse item do
acervo da biblioteca, “o que mais chama a atenção no livro é o contraste entre
as características físicas do animal e seus traços morais”. Ele aparece nessas
narrativas como um bicho extremamente astuto, com pensamento rápido em
situações adversas, mas rancoroso, maldoso e vingativo. “Chamá-lo de lento ou
debochar de suas pernas curtas é atiçar o que há de pior nele.”
Em Brasília, onde medidas provisórias,
projetos de lei e propostas de emenda à Constituição formam a flora do
Congresso Nacional, com frequência o jabuti mostra sua pior face. Tanto que o
termo ganhou outra conotação no cerrado do Planalto Central.
No jargão legislativo, “jabuti” é uma espécie
de contrabando que os parlamentares fazem ao inserir em uma proposta um trecho
sem qualquer relação com o texto original, para pegar um atalho em alguma
matéria que esteja andando mais rapidamente. Ele tem como origem uma frase
atribuída a Ulysses Guimarães (MDB), ex-presidente da Câmara dos Deputados:
“Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”.
Um exemplo, espantoso e que vive há anos
caminhando pelo Congresso, é o conjunto de jabutis que em sua mais recente
investida subiu na árvore da proposta de marco regulatório das eólicas
offshore.
Nos últimos dias, aliás, o tema entrou como
prioridade no radar de risco político do Palácio do Planalto e do setor
privado. Associações de empresas do setor, de consumidores e federações
industriais se movimentaram para tentar impedir a derrubada dos vetos feitos
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a esses jabutis.
O assunto ganha ainda mais importância neste
momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, a inflação se encontra
consistentemente acima do centro da meta de 3% ao ano e o governo tenta
reorganizar o sistema elétrico nacional com a publicação, feita há cerca de um
mês, de uma medida provisória. Afinal, segundo estudos citados pela Associação
Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), a manutenção de
todos os vetos evitaria um aumento de 9% das contas de luz, ou um custo adicional
de R$ 20 bilhões por ano para o sistema, além de um aumento de 25% nas emissões
de gases de efeito estufa pelo setor até 2050.
Contudo, com o governo fragilizado e sem uma
base coesa no Congresso, sabia-se que havia risco real de derrubada dos vetos,
caso eles fossem de fato apreciados na sessão dessa terça-feira (17).
O próprio Executivo trabalhava para
retirá-los da pauta, na tentativa de adiar o desfecho. Na visão de autoridades
do Palácio do Planalto, a derrubada ressuscitaria políticas ineficientes de
altíssimo custo a longo prazo, criaria reservas de mercado e daria incentivos a
fontes de energia poluentes.
Já os defensores de emendas aprovadas pelo
Legislativo e depois vetadas por Lula, como as que viabilizam o incentivo a
usinas térmicas a gás e a carvão, tinham pressa. Sabiam que as críticas a esses
pontos seriam diluídas, caso nova boiada passasse pelo Congresso.
Como resultado desse embate, o Congresso
derrubou vetos a vários dispositivos que beneficiam pequenas centrais
hidrelétricas e outras participantes do Programa de Incentivos às Fontes
Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Em outra investida, por exemplo,
garantiu a contratação da energia gerada com uso de hidrogênio líquido extraído
do etanol na região Nordeste, assim como de usinas eólicas localizadas na
região Sul.
Mas poderia ser pior. Deputados e senadores
deixaram para apreciar em uma próxima oportunidade, possivelmente em julho, uma
segunda leva dos vetos aos jabutis incluídos no marco das eólicas offshore.
O problema é que o danado do jabuti, além de
ter vida longa, é rancoroso. Quem conhece o comportamento do bicho alerta que,
se os vetos aos injustificáveis incentivos às térmicas a gás e a carvão forem
mantidos, emendas com teor semelhante irão aparecer em outras propostas que já
tramitam no Congresso e ganharão prioridade na pauta em breve. Tem gente que
inclusive já viu alguns desses jabutis caminhando, sem pressa, em direção
àquela nova MP que reforma o setor elétrico.
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