quarta-feira, 18 de junho de 2025

Congresso dá longevidade aos jabutis do setor elétrico - Fernando Exman

Valor Econômico

Assunto ganha ainda mais importância neste momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30

Bicho peculiar, o jabuti é conhecido pelo público em geral por sua lentidão e timidez. Aparenta relativa fragilidade até. Tem um aspecto rústico, é verdade, patas robustas e um casco alto. Mas, a qualquer sinal de perigo, retrai-se para dentro da carapaça e dela só sai quando acredita estar a salvo. Talvez por isso tenha uma vida tão longa. Vive 80 anos em média, dizem os especialistas, embora possa chegar a cem anos em alguns casos.

Lá estava o jabuti quando o homem passou a citar animais em suas lendas e mitos, usando-o como um instrumento de reflexão sobre a própria condição humana. Na Grécia Antiga, ilustrou algumas linhas das “Fábulas de Esopo”. No Brasil, soube-se tempos depois, também foi personagem central nas histórias transmitidas oralmente pelos povos originários.

Segundo mostra o catálogo da Biblioteca Nacional, quando esse gênero virou um filão literário no século XIX, surgiram as primeiras obras reunindo mitos indígenas brasileiros. Em 1875, por exemplo, o geólogo canadense Charles Frederick Hartt escreveu em inglês “Mitos da tartaruga amazônica”, obra rara mantida pela instituição. Várias de suas histórias têm o jabuti como protagonista.

De acordo com a descrição desse item do acervo da biblioteca, “o que mais chama a atenção no livro é o contraste entre as características físicas do animal e seus traços morais”. Ele aparece nessas narrativas como um bicho extremamente astuto, com pensamento rápido em situações adversas, mas rancoroso, maldoso e vingativo. “Chamá-lo de lento ou debochar de suas pernas curtas é atiçar o que há de pior nele.”

Em Brasília, onde medidas provisórias, projetos de lei e propostas de emenda à Constituição formam a flora do Congresso Nacional, com frequência o jabuti mostra sua pior face. Tanto que o termo ganhou outra conotação no cerrado do Planalto Central.

No jargão legislativo, “jabuti” é uma espécie de contrabando que os parlamentares fazem ao inserir em uma proposta um trecho sem qualquer relação com o texto original, para pegar um atalho em alguma matéria que esteja andando mais rapidamente. Ele tem como origem uma frase atribuída a Ulysses Guimarães (MDB), ex-presidente da Câmara dos Deputados: “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”.

Um exemplo, espantoso e que vive há anos caminhando pelo Congresso, é o conjunto de jabutis que em sua mais recente investida subiu na árvore da proposta de marco regulatório das eólicas offshore.

Nos últimos dias, aliás, o tema entrou como prioridade no radar de risco político do Palácio do Planalto e do setor privado. Associações de empresas do setor, de consumidores e federações industriais se movimentaram para tentar impedir a derrubada dos vetos feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a esses jabutis.

O assunto ganha ainda mais importância neste momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, a inflação se encontra consistentemente acima do centro da meta de 3% ao ano e o governo tenta reorganizar o sistema elétrico nacional com a publicação, feita há cerca de um mês, de uma medida provisória. Afinal, segundo estudos citados pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), a manutenção de todos os vetos evitaria um aumento de 9% das contas de luz, ou um custo adicional de R$ 20 bilhões por ano para o sistema, além de um aumento de 25% nas emissões de gases de efeito estufa pelo setor até 2050.

Contudo, com o governo fragilizado e sem uma base coesa no Congresso, sabia-se que havia risco real de derrubada dos vetos, caso eles fossem de fato apreciados na sessão dessa terça-feira (17).

O próprio Executivo trabalhava para retirá-los da pauta, na tentativa de adiar o desfecho. Na visão de autoridades do Palácio do Planalto, a derrubada ressuscitaria políticas ineficientes de altíssimo custo a longo prazo, criaria reservas de mercado e daria incentivos a fontes de energia poluentes.

Já os defensores de emendas aprovadas pelo Legislativo e depois vetadas por Lula, como as que viabilizam o incentivo a usinas térmicas a gás e a carvão, tinham pressa. Sabiam que as críticas a esses pontos seriam diluídas, caso nova boiada passasse pelo Congresso.

Como resultado desse embate, o Congresso derrubou vetos a vários dispositivos que beneficiam pequenas centrais hidrelétricas e outras participantes do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Em outra investida, por exemplo, garantiu a contratação da energia gerada com uso de hidrogênio líquido extraído do etanol na região Nordeste, assim como de usinas eólicas localizadas na região Sul.

Mas poderia ser pior. Deputados e senadores deixaram para apreciar em uma próxima oportunidade, possivelmente em julho, uma segunda leva dos vetos aos jabutis incluídos no marco das eólicas offshore.

O problema é que o danado do jabuti, além de ter vida longa, é rancoroso. Quem conhece o comportamento do bicho alerta que, se os vetos aos injustificáveis incentivos às térmicas a gás e a carvão forem mantidos, emendas com teor semelhante irão aparecer em outras propostas que já tramitam no Congresso e ganharão prioridade na pauta em breve. Tem gente que inclusive já viu alguns desses jabutis caminhando, sem pressa, em direção àquela nova MP que reforma o setor elétrico.

 

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