O Globo
No debate fiscal é preciso menos clichês e
mais sinceridade sobre a desigualdade tributária brasileira
O ministro Fernando
Haddad tem razão. Ele está propondo que as grandes fintechs, hoje tão
poderosas quanto os maiores bancos, e que os sites de apostas paguem mais
imposto. Quer que os títulos que hoje nada recolhem, passem a pagar um
percentual pequeno de imposto de renda. O ministro acertou também quando passou
a cobrar impostos dos fundos exclusivos — os investimentos das famílias ricas —
e dos fundos offshore. Haddad tem dito que está corrigindo distorções e é mesmo
o que ele está tentando fazer.
Se você acha que o Brasil é um país desigual, mas não quer discutir os detalhes de como essa desigualdade é criada dentro do sistema de contas públicas, e da estrutura tributária, você não está falando sério sobre combate à desigualdade. O patrimonialismo, tão condenado nos discursos dos pensadores do Brasil, não é abstrato. Ele é concreto. Tem muitas moradias. Uma delas é nos privilégios que estão distribuídos em isenções de tributos.
Quando a oposição grita que “a sociedade não
aguenta mais pagar impostos” sabe que está manipulando um sentimento difuso.
Esta é uma frase fácil de comunicar e arrancar aplausos. Porém, o projeto do
governo não está aumentando impostos sobre a sociedade, mas sim sobre segmentos
do setor financeiro e sobre investidores que estão na camada mais rica da
sociedade brasileira e que recebem a vantagem de pagar menos.
O ministro perguntou, para tornar mais claro
o seu ponto de vista, “por que o Nubank deve pagar menos do que o Bradesco?”.
Atualmente, o primeiro paga 9% de Contribuição Social sobre Lucro Líquido
(CSLL), e o Bradesco, 20%. Pelo projeto, o Nubank vai pagar 15%. Isso ainda é
menos do que pagam os bancos tradicionais.
No pacote, há também os títulos que nada
pagam porque seus recursos financiam a agricultura, a indústria da construção e
infraestrutura. Como não pagam imposto alguns foram atraindo cada vez mais
recursos. Muita gente já recebeu uma ligação do gerente propondo aplicação em
LCI, LCA, CRI e CRA. Estes papéis somam R$ 1,7 tri. Se fossem taxados em 5%,
menos do que se exige de um investidor em título do Tesouro, o país recolheria
R$ 41 bilhões. “Devemos abrir mão desse dinheiro?”, perguntou o ministro em uma
das suas entrevistas semana passada. Muitos dirão que sim porque esse dinheiro
vai financiar a agricultura e a indústria da construção. Mas todos sabem que a
maior parte dessa renúncia fiscal ficará com a intermediação financeira. E o
pessoal do agro e as construtoras recebem benefícios por outras políticas
públicas.
O Congresso está cedendo aos grupos de
interesse, aos lobbies, não está defendendo a sociedade, o povo brasileiro.
Está fazendo campanha quando grita contra impostos e sabem que as pessoas
entenderão de forma genérica. É compreensível que a população não saiba a
diferença entre aumento de tributo para todo mundo e o que está sendo proposto.
O assunto é técnico. Mas que especialistas ignorem isso e prefiram reforçar
genericamente a natural ojeriza a mais impostos é constrangedor.
Quando o governo propôs elevar a faixa de
isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil houve uma gritaria
contra o aumento de gastos públicos. E de fato aumenta o gasto, a renúncia
fiscal. Argumentaram que em um país com renda tão baixa, quem ganha 5 mil não é
pobre, e que, no meio de uma crise fiscal, não é hora de benemerências
politicamente dirigidas. E nisso eles têm um pouco de razão. Mas grande parte
da crítica veio em reação à proposta da compensação. O projeto estabelece que
pessoas com renda mais alta, acima de R$ 1 milhão por ano, que não pagam
imposto, ou pagam uma alíquota efetiva bem baixa, tenham que recolher um
imposto mínimo.
O roteirista do Brasil nunca descansa. E
criou mais uma cena contraditória. O presidente da Câmara, Hugo Motta,
fez discurso fiscalista, de que o governo precisa cortar gastos e, com isso,
recolheu aplausos, porque de fato o governo precisa cortar gastos. No dia
seguinte, ele aumentou o gasto público. Propôs aumento dos ganhos para
deputados. Eles poderão somar o que recebem no mandato com as aposentadorias
como parlamentares. Isso é elevação de despesas na veia.
Esse pacote não vai resolver a crise fiscal.
Há muito a debater sobre corte de gastos. Um tema difícil e inevitável é o das
vinculações das despesas. O debate será melhor se for mais qualificado e bem
mais sincero.
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