sexta-feira, 6 de junho de 2025

Janela para a popularidade - Flávia Oliveira

O Globo

O mau humor guarda relação com a alta da comida, que pesa mais para quem ganha menos

A régua de popularidade apresentada pela Quaest nesta semana sugere que está aberta a janela de oportunidade para o presidente da República melhorar sua avaliação. A fresta é sazonal. Desde a posse para o terceiro mandato, em 2023, os melhores índices de aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva foram obtidos a partir da virada do primeiro para o segundo semestre de cada ano. Não por acaso, é o período habitual de desaceleração ou queda no preço dos alimentos, variável que tem se mostrado aderente à satisfação com um governo que tem na população de baixa renda sua força eleitoral.

Não é novidade Lula ser o candidato preferencial de brasileiros com rendimento inferior a dois salários mínimos, das mulheres e dos negros. São estratos que se confundem, pois mulheres, pretos e pardos estão em maior número nas faixas de menor remuneração. Na pesquisa de maio, a Quaest apurou inédito empate na avaliação do governo pela base da pirâmide: 50% aprovam, 49% desaprovam. A vantagem já foi acachapante. Em julho do ano passado, a proporção era de, respectivamente, 69% e 26%.

O mau humor guarda relação com o preço da comida, que pesa mais para quem ganha menos. No IPCA, que considera a variação dos preços para famílias com renda até 40 salários mínimos, a alimentação no domicílio pesa aproximadamente 15%. No INPC — também calculado pelo IBGE com base na cesta de consumo dos lares com ganhos de até cinco mínimos —, supermercado e feira levam um quinto do orçamento. É boa hipótese esperar que aumento no preço da comida desidrate a popularidade do mandatário. E redução, por analogia, a hidrate.

É tendência mais que conhecida a escalada no valor dos alimentos no fim de cada ano, quando o verão castiga a lavoura. Os preços começam a recuar no segundo trimestre. Não raro, há deflação entre maio e agosto, por razões de safra e clima. A frustração com as condições econômicas deu sinal de trégua na Quaest divulgada nesta semana. De março para cá, caiu muito além da margem de erro a proporção dos que acham a economia pior que um ano atrás (de 56% para 48%); e os preços da comida (de 88% para 79%) e da gasolina (de 70% para 54%) maiores que no mês anterior. Embora ainda altos, são números melhores.

Era razoável imaginar que o alívio nos fundamentos econômicos alavancaria a avaliação de Lula. Mas tinha o INSS no meio do caminho. Felipe Nunes, diretor da Quaest, calcula que o escândalo tirou 4 pontos percentuais da aprovação do governo. O instituto usou uma técnica econométrica para medir o efeito do episódio na pesquisa. Os entrevistados foram separados em dois grupos: no primeiro, eleitores que, sem saber dos descontos indevidos em pensões e aposentadorias, disseram que a economia melhorou; no outro, os que souberam do INSS e também viram melhora na economia.

— Na comparação desses dois grupos, a aprovação do governo tem uma diferença de 4 pontos. Sem a crise do INSS, atribuída ao governo Lula mesmo entre eleitores do petista, o governo poderia estar celebrando inversão na tendência de desaprovação — diz Nunes.

Os pesquisadores encontraram resultado equivalente ao comparar grupos que, sabendo ou não do INSS, viram a economia piorar. A diferença de 4 pontos percentuais se repetiu. A recuperação de popularidade esbarrou na fraude que, até aqui, já levou quase 3 milhões de aposentados e pensionistas a reivindicar ressarcimento de valores retidos indevidamente. A fraude alcançou muitos segurados de baixa renda, o que pode explicar também a perda de popularidade do presidente no eleitorado habitual. Cerca de 82% dos brasileiros tomaram conhecimento do escândalo, superando em muito o grau de conhecimento de outras políticas públicas de Lula 3, entre as quais o vale-gás (59%), a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil (56%) e a isenção na conta de luz para famílias inscritas no CadÚnico e no BPC.

Se cumprir a promessa de devolver, ainda neste ano, aos segurados do INSS os recursos subtraídos, é possível que a popularidade do governo melhore. Não há outro ente capaz de solucionar a crise que, de quebra, fez crescer a preocupação com a corrupção. As condições favoráveis da safra também devem favorecer o preço dos alimentos. Tanto IBGE quanto Companhia Nacional de Abastecimento preveem colheita recorde neste ano; no primeiro trimestre, foi a agropecuária que impulsionou o crescimento de 1,4% no PIB. Se o café ainda não aliviou, arroz, cenoura e frutas já estão caindo.

Desde a crise desencadeada com o anúncio, posteriormente revogado, de monitoramento pela Receita Federal das transações com Pix de pessoas físicas a partir de R$ 5 mil, o governo tem trabalhado em medidas para recuperar a popularidade do presidente, candidatíssimo à reeleição até aqui. A isenção do IR para a classe média, em tramitação no Congresso, já impactou a aprovação na faixa de renda de dois a cinco mínimos: de 36% em março para 43% em maio. A ver se a base, outrora sólida, retorna.

 

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