O Globo
O mau humor guarda relação com a alta da
comida, que pesa mais para quem ganha menos
A régua de popularidade apresentada pela Quaest nesta semana sugere que está aberta a janela de oportunidade para o presidente da República melhorar sua avaliação. A fresta é sazonal. Desde a posse para o terceiro mandato, em 2023, os melhores índices de aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva foram obtidos a partir da virada do primeiro para o segundo semestre de cada ano. Não por acaso, é o período habitual de desaceleração ou queda no preço dos alimentos, variável que tem se mostrado aderente à satisfação com um governo que tem na população de baixa renda sua força eleitoral.
Não é novidade Lula ser o candidato
preferencial de brasileiros com rendimento inferior a dois salários mínimos,
das mulheres e dos negros. São estratos que se confundem, pois mulheres, pretos
e pardos estão em maior número nas faixas de menor remuneração. Na pesquisa de
maio, a Quaest apurou inédito empate na avaliação do governo pela base da
pirâmide: 50% aprovam, 49% desaprovam. A vantagem já foi acachapante. Em julho
do ano passado, a proporção era de, respectivamente, 69% e 26%.
O mau humor guarda relação com o preço da
comida, que pesa mais para quem ganha menos. No IPCA, que considera a variação
dos preços para famílias com renda até 40 salários mínimos, a alimentação no
domicílio pesa aproximadamente 15%. No INPC — também calculado pelo IBGE com
base na cesta de consumo dos lares com ganhos de até cinco mínimos —,
supermercado e feira levam um quinto do orçamento. É boa hipótese esperar que
aumento no preço da comida desidrate a popularidade do mandatário. E redução,
por analogia, a hidrate.
É tendência mais que conhecida a escalada no
valor dos alimentos no fim de cada ano, quando o verão castiga a lavoura. Os
preços começam a recuar no segundo trimestre. Não raro, há deflação entre maio
e agosto, por razões de safra e clima. A frustração com as condições econômicas
deu sinal de trégua na Quaest divulgada nesta semana. De março para cá, caiu
muito além da margem de erro a proporção dos que acham a economia pior que um
ano atrás (de 56% para 48%); e os preços da comida (de 88% para 79%) e da gasolina
(de 70% para 54%) maiores que no mês anterior. Embora ainda altos, são números
melhores.
Era razoável imaginar que o alívio nos
fundamentos econômicos alavancaria a avaliação de Lula. Mas tinha o INSS no
meio do caminho. Felipe Nunes, diretor da Quaest, calcula que o escândalo tirou
4 pontos percentuais da aprovação do governo. O instituto usou uma técnica
econométrica para medir o efeito do episódio na pesquisa. Os entrevistados
foram separados em dois grupos: no primeiro, eleitores que, sem saber dos
descontos indevidos em pensões e aposentadorias, disseram que a economia
melhorou; no outro, os que souberam do INSS e também viram melhora na economia.
— Na comparação desses dois grupos, a
aprovação do governo tem uma diferença de 4 pontos. Sem a crise do INSS,
atribuída ao governo Lula mesmo entre eleitores do petista, o governo poderia
estar celebrando inversão na tendência de desaprovação — diz Nunes.
Os pesquisadores encontraram resultado
equivalente ao comparar grupos que, sabendo ou não do INSS, viram a economia
piorar. A diferença de 4 pontos percentuais se repetiu. A recuperação de
popularidade esbarrou na fraude que, até aqui, já levou quase 3 milhões de
aposentados e pensionistas a reivindicar ressarcimento de valores retidos
indevidamente. A fraude alcançou muitos segurados de baixa renda, o que pode
explicar também a perda de popularidade do presidente no eleitorado habitual.
Cerca de 82% dos brasileiros tomaram conhecimento do escândalo, superando em
muito o grau de conhecimento de outras políticas públicas de Lula 3, entre as
quais o vale-gás (59%), a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5
mil (56%) e a isenção na conta de luz para famílias inscritas no CadÚnico e no
BPC.
Se cumprir a promessa de devolver, ainda
neste ano, aos segurados do INSS os recursos subtraídos, é possível que a
popularidade do governo melhore. Não há outro ente capaz de solucionar a crise
que, de quebra, fez crescer a preocupação com a corrupção. As condições
favoráveis da safra também devem favorecer o preço dos alimentos. Tanto IBGE
quanto Companhia Nacional de Abastecimento preveem colheita recorde neste ano;
no primeiro trimestre, foi a agropecuária que impulsionou o crescimento de 1,4%
no PIB. Se
o café ainda não aliviou, arroz, cenoura e frutas já estão caindo.
Desde a crise desencadeada com o anúncio,
posteriormente revogado, de monitoramento pela Receita
Federal das transações com Pix de pessoas
físicas a partir de R$ 5 mil, o governo tem trabalhado em medidas para
recuperar a popularidade do presidente, candidatíssimo à reeleição até aqui. A
isenção do IR para a classe média, em tramitação no Congresso, já impactou a
aprovação na faixa de renda de dois a cinco mínimos: de 36% em março para 43%
em maio. A ver se a base, outrora sólida, retorna.
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