segunda-feira, 2 de junho de 2025

O preço da ruptura entre China e EUA - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Países como Brasil precisarão se adaptar a um mundo mais volátil

Por décadas, milhões de pais chineses sonharam em ver seus filhos estudando nos EUA – um passaporte para o sucesso profissional, a mobilidade social e uma vida globalizada. Em 2019, antes da pandemia de covid, mais de 370 mil chineses estavam matriculados em universidades americanas, formando a maior comunidade internacional no ensino superior dos EUA, até serem superados pelos indianos em 2023. Isso inclui numerosos filhos da elite política e econômica chinesa. Foi um fenômeno sem precedentes: duas potências rivais construindo pontes nos campos da educação, da ciência e da inovação, facilitando o diálogo entre os dois países. Apesar de estarem em número menor, os estudantes americanos na China também ajudaram a ampliar a compreensão mútua.

A relação comercial também floresceu. Desde a entrada da China na OMC, em 2001, as duas maiores economias do mundo tornaram-se profundamente interdependentes e a espinha dorsal de uma economia globalizada. Isso permitiu uma era de crescimento global e ganhos de eficiência. Um elemento-chave dessa parceria foi a ausência de tensões geopolíticas significativas, que viabilizou uma redução na proporção dos gastos militares globais.

O que raramente se destaca é quão atípico foi esse período. Ao longo da história, a relação entre a potência dominante e a principal potência emergente tende a ser marcada por tensão constante, pouco comércio e rivalidade. O que ocorreu depois do fim da Guerra Fria foi possível por fatores excepcionais – entre eles, o “momento unipolar” nos anos 90 e o consenso liberal em Washington, que apostou na integração da China ao sistema liderado pelos EUA. Isso acelerou a ascensão chinesa, mas também beneficiou enormemente consumidores e empresas americanas.

Esse consenso começou a ruir já antes da primeira eleição de Donald Trump, em 2016, e são acima de tudo fatores estruturais que explicam por que o processo de distanciamento entre EUA e China deve continuar, independentemente do cenário político interno americano: o principal motivo é que a China se tornou, na década passada, uma grande potência com ambições geopolíticas, capaz de rivalizar com os EUA. Sistemas globais com mais de uma grande potência são, por definição, mais instáveis do que aqueles com uma hegemonia clara, como ocorreu entre 1991 e 2015. A tensão geopolítica, nesse contexto, é inevitável.

Agora, em seu segundo mandato, Trump acelera essa ruptura: impõe novas tarifas, restringe exportações tecnológicas e adota uma posição hostil a estudantes chineses. Washington também limita o acesso chinês a chips e softwares, pressiona outros países a pararem de usar tecnologia chinesa, fragmentando o comércio tecnológico e iniciando uma guerra de suprimentos. A China, por sua vez, passou a restringir a exportação de minerais estratégicos e a desenvolver cadeias de suprimento alternativas. A desconfiança mútua reduz o intercâmbio de ideias, dificulta a cooperação científica e empobrece a compreensão um do outro.

NOVA FASE. Ainda que haja setores interessados em preservar os vínculos – como universidades e empresas multinacionais –, a relação bilateral está fadada a piorar. E, à medida que as novas gerações assumem o poder em Washington e Pequim, o risco de conflito aumenta. Os líderes e assessores que hoje têm uma compreensão sofisticada do outro país – muitas vezes com base em anos de convivência – e podiam agir como “algodão entre os cristais”, serão substituídos por elites com menos experiência.

Tudo indica, portanto, que a ruptura não é um tropeço momentâneo, mas a transição para uma nova fase. Em Washington, há anos, o projeto de integrar a China ao sistema global em busca de estabilidade deu lugar a um paradigma de contenção e, possivelmente no futuro, de confronto. Da mesma forma, Pequim se preparou para o atual momento de ruptura.

Países como o Brasil, altamente integrados às cadeias globais, precisarão se adaptar a um mundo mais volátil, onde a neutralidade será difícil e custosa de manter. Ao contrário das últimas décadas, a próxima fase do sistema internacional será marcada por incerteza, competição e menos cooperação. O ciclo de ouro, marcado por baixo risco geopolítico capaz de atingir a economia global, chegou ao fim.

 

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